«Marca(s) de Posse - Marca de propriedade, marca pessoal ou
simplesmente Pertence, é o elemento
que se coloca num livro ou documento e que identifica o seu possuidor.»
«Super-libros; ex-libris, ex-dono, carimbos, etiquetas… são
muitas das formas de marcas que nos indicam a quem pertenceu determinada obra.
Uma obra poderá ter uma, ou mais, marcas de posse, indicando, como tal, a sua
“pertença” a um, ou mais, possuidores. Um livro “marcado”, qualquer que seja o
tipo de marca, conta uma história que nos leva, além das descrições
bibliográficas, até ao “dono”.»
In http://bibliotecadaajuda.blogspot.com
O livro pode ser encarado, por um lado, como simples “objeto” ou, considerando os últimos avanços tecnológicos, um produto comercial, apelativo, desenhado para um mercado de consumidores. Contudo, na sua essência, o livro sempre foi mais do que um mero produto. Trata-se de uma criação intelectual e artística, fruto de um processo criativo, que tem simultaneamente uma função informativa e uma dimensão estética. Um livro é mais do que o texto; é o resultado de um processo criativo multifacetado. Ganha muito pelo estado de conservação e estima em que se encontra, mas pode, igualmente, ser muito valorizado pelo tipo de encadernação que o envolve e protege e pela assinatura do artífice responsável. Existem livros que são procurados pela raridade da edição e outros ainda que se tornam procurados, apenas, pela raridade e qualidade das ilustrações. Esse género de livros tem um valor intrínseco de cariz artístico e não literário.
O mesmo acontece com obras encadernadas por
encadernadores célebres, pela mestria, originalidade e erudição do trabalho
artístico que apresentam, ou por qualquer outro fator que lhes confere
reconhecido mérito e valor. Os colecionadores de encadernações dão ao texto uma
importância relativa e mesmo secundária; o fator que prezam é o valor artístico
da encadernação, a originalidade, a marca da oficina ou a assinatura do artesão
encadernador e – caso dos super-libros – a marca de posse que ostenta, i.e., o
monograma, emblema ou brasão que as pastas poderão exibir.
Encadernação
com super-libros do Conde de Sucena.
(Colecção do autor).
O termo super-libros (ou supralibros), do latim “supra” (sobre; acima; por cima de) + “libros” (livros) indica a propriedade de um livro. Na Europa, não só, mas particularmente, a Inglaterra e a França produziram magníficos exemplares. Os ingleses referem-se-lhes através da expressão “armorial bindings” e os franceses recorrendo ao termo “reliures armoriées”.
De um modo geral e característico, a encadernação armoriada exibe motivos heráldicos ou monogramas em lugar de destaque, que identificam o seu proprietário, surgindo, a maior parte das vezes, gravado a ouro, a seco ou em relevo, sobre a pasta anterior da encadernação (ou em ambas) e, ocasionalmente, na lombada. Também se encontram belos exemplares de super-libros coloridos.
Enquanto o ex-libris consiste numa placa estampada
ou colada no interior do livro, os super-libros são aplicados com ferros
próprios à capa do livro, aquando da encadernação, conferindo maior relevo e
destaque. Estes, podem ser textuais ou figurativos. Os primeiros são geralmente
compostos por frases curtas nas capas ou pelas iniciais do proprietário na
parte inferior da lombada. Os figurativos, apostos principalmente no centro,
costumam ser motivos simbólicos ou heráldicos (o brasão de armas, a referência
ao nome, divisa ou emblema identificativo do proprietário, ou da biblioteca particular
que o detém).
Encadernação
com super-libros do Marquês de Niza.
(Colecção
do autor).
Do mesmo modo que os ex-libris,
os super-libros (“especialidade icono-bibliographica”, no dizer de Mathias
Lima) mais do que um adorno, são uma expressão de orgulho para o proprietário
do livro, uma marca única e pessoal e, frequentemente, um motivo ornamental que
soma beleza, valor e distinção. Além disso, também podem ter a função de
dirimir o furto ou extravio do livro. Associados ao alto clero e nobreza, terão
sido usados pela primeira vez durante a Renascença quando a nobre arte da
impressão tipográfica facilitou um maior acesso ao livro, permitindo que as
primeiras bibliotecas privadas começassem a ser criteriosamente formadas.
«Aliás, o que se passa na tipografia não é senão uma forma
particular de apoio à disseminação dos símbolos nacionais, que encontramos
igualmente nas filigranas de papel, nos selos pendentes da correspondência
oficial, nas moedas e nas iluminuras, para não falarmos das pedras-de-armas.
Intencionalmente ou não, a verdade é que a incrustação dos símbolos nacionais
na memória coletiva só podia fazer-se com êxito recorrendo às armas falantes.»
(Artur Anselmo, p. 1, 2014)
Então, como agora, os motivos
heráldicos constituíam – e ainda têm esse poder – um motivo de regozijo e
orgulho para um indivíduo particular ou uma família. Um brasão de armas denota
uma determinada posição dentro da classe, prestigia uma instituição que o use e
sublinha aspetos particulares de pertença a uma família. Na Europa medieval a
atribuição e uso de armas tornou-se um hábito entre os nobres que constituíam
uma casta militar distinta, com costumes e direitos próprios. Daqui evoluiu,
até que no Renascimento toma sinais muito fortes de privilégio e de marca
pessoal. A criação e porte de armas passou a não ser exclusivo de um grupo de
nobres, estendendo-se a eclesiásticos, a cidades e demais entidades
corporativas. A ‘nobre arte’ da encadernação, de igual modo, acompanhou as
necessidades e vontades dos tempos, tornando-se um forte aliado dos que podiam
dispor de meios para enriquecer e “iluminar” as suas bibliotecas.
A beleza e raridade destes
espécimes, bem como o facto de serem exemplares únicos, tornam os livros com
estas características valorizados e procurados por bibliófilos e colecionadores
de todo o mundo e, consequentemente, altamente cotados na esfera do mercado
livreiro antiquário mundial.
Em Portugal, foram produzidas
encadernações com super-libros de rara e invulgar qualidade, muitas dos quais
permanecem em valiosas coleções particulares. Por fim, enquanto dedicados
estudiosos e divulgadores deste assunto, em território nacional, cumpre
destacar os trabalhos dos seguintes autores: Aníbal Fernandes Tomás
(1849-1911); Conde de Castro e Solla (1874-1948) e Mathias Lima (1885-1970).
JMG
BIBLIOGRAFIA e WEBGRAFIA:
ANSELMO, Artur (2014). Armas
nacionais portuguesas como marcas tipográficas. In «Cultura revista de
História e Teoria das Ideias», Vol. 33. [em linha]. [Consult. 14.06.2021].
Disponível: https://journals.openedition.org/cultura/2409?lang=en
BIBLIOTECA NACIONAL DA AJUDA (2006). Marcas de posse. [em linha]. [Consult. 08 de junho de 2021].
Disponível: https://bibliotecadaajuda.blogspot.com/search?q=super+libros
CASTRO E SOLLA, Conde de (1915). Super-libros ornamentaes: reproduções e notas descritivas. Lisboa:
Typographia editora J. Bastos
GREENWOOD, Ryan (2013). Armorial-bindings:
introduction. [em linha]. [Consult. 25.05.2021]. Disponível:
https://library.law.yale.edu/news/armorial-bindings-introduction
LIMA, Mathias (1927). Super-libros
portugueses inéditos. Porto: Fernando Machado & C.ª, Lda.
SECRETARIADO NACIONAL DE INFORMAÇÃO, CULTURA POPULAR E TURISMO [org.]. (1958). Catálogo da exposição de super-libros. Lisboa: Academia Portuguesa de Ex-Libris.
WIKIPÉDIA, a
enciclopédia livre. Supralibros. [em
linha]. [Consult. 02 de junho de 2021]. Disponível:
https://es.wikipedia.org/wiki/Supralibros
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