2021/12/30

Arquivos da Direção Geral do Património Cultural

 

(Imagem parcial de alguns livros retirada do site dos Arquivos da Direção Geral do Património Cultural)

A Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) integra diversos arquivos, uma vez que as suas atribuições são “Conservar, tratar e atualizar os arquivos documentais, e as bibliotecas afetas, bem como o banco de dados para o inventário do património arquitetónico e arqueológico”.

No âmbito deste artigo não cabe a explicitação do que é um arquivo, mas sim dar a conhecer alguns dos que mais se destacam. Entende-se, de forma comum, que um arquivo é um conjunto ordenado de documentos que podem resultar de uma atividade de um serviço, da história de um local, instituição ou grupo de pessoas. Atualmente está em curso um intenso debate sobre as transformações tecnológicas a que a gestão arquivística está sujeita e sobre as soluções que se podem encontrar para viabilizar o acesso virtual à documentação.

Os arquivos que iremos destacar são os seguintes:

- Arquivo da Arqueologia Portuguesa – composto por documentação relativa a sítios arqueológicos e respetivos trabalhos;

- Arquivo de Conservação e Restauro – inclui os relatórios dos processos laboratoriais e de conservação do património móvel e integrado, assim como documentação fotográfica e radiográfica;

- Arquivo de Documentação Fotográfica – integrando espólios fotográficos de diversas entidades, assim com o inventário fotográfico das coleções de museus e palácios nacionais;

- Arquivo do CNANS – composto por documentação técnica, gráfica, fotográfica e audiovisual relacionada com a gestão e salvaguarda do património cultural subaquático português;

- Arquivo do Forte de Sacavém (SIPAS);

- Arquivos do Ex-IGESPAR e do ex-IMC.


 MJS

2021/12/27

As construções escolares do Plano dos Centenários e a construção do Estado Novo: dois casos das escolas primárias "28 de maio"

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Edifício escolar de 2 salas, piso térreo, dois sexos separados, proposto para o núcleo de Vila Verde dos Francos, concelho de Alenquer. Inclui as peças desenhadas planta geral (representação esquemática das duas salas de aula, gabinete central, cobertura de entrada com três degraus e alpendre posterior coberto), fachada principal com elemento triangular encimado por uma esfera armilar, vista lateral e corte. O desenho encontra-se na escala de 0,01 p.m. e com a indicação da assinatura de Edmundo Tavares, Arquiteto D(iplomado) E(scola) B(elas) A(rtes) Lisboa

O processo referente à construção da Escola Primária de Vila Verde dos Francos, concelho de Alenquer, distrito de Lisboa, encontra-se à guarda da Direção de Serviços de Documentação e de Arquivo da SGEC. A documentação deste processo encontra-se extremada entre agosto de 1930 e janeiro de 1937. Durante estes longos 7 anos, fácil será perceber todos os avanços e recuos, hesitações e contratempos, a que a construção das escolas primárias estavam sujeitas, malgrado a boa e generosa vontade das populações e dos seus legítimos e verdadeiros anseios, para que habilitassem as suas gentes com algum grau de literacia, talvez o elementar “saber ler, escrever e contar”, como se poderá restrospetivar para o Portugal dos inícios da década de `30, do século passado. O processo inicia-se com uma petição da Junta da Freguesia de 5 de agosto, informando que na “sessão de 3 do corrente, levar a efeito a construção dum edifício escolar misto nesta localidade, venho muito respeitosamente apresentar a Vª Exª a planta escolhida e solicitar-lhe autorização para o início das obras. Rogo mais a Vª Exª, se digne dizer-nos qual o subsídio que nos pode conceder.” A resposta não se fez esperar, e logo 10 dias depois, a Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, doravante DGEMN, declina o pedido formulado, acrescentando que “Quanto à concessão de subsídio deverá ser aguardada a devida oportunidade, visto que, neste momento urge concluir as escolas já iniciadas.” As gentes do sopé da serra de Montejunto não desistem, e logo a 14 de setembro esclarecem que “Devemos informar Vª Exª que a atual escola, vem funcionando fora de todas as condições hygiénicas e n`um estado tal de ruína que nos obriga a iniciar d`entro do mais curto praso (sic), a construção d`uma nova escola.” Tal insistência, parece ter dado algum fruto, pois a 30 de outubro, a DGEMN oficia para a Delegação Sul dos mesmos serviços, no sentido de obter um projeto de edifício escolar misto, desta feita já acompanhado do croquis onde se pretende construir a escola. Após esclarecimentos sobre as confrontações da futura escola, o presidente da Comissão Administrativa da Junta de Freguesia toma conta do projeto de edifício escolar a 17 de dezembro. Já em janeiro de 1931, o gabinete do ministro do Comércio e Comunicações, através da Comissão Administrativa da União Nacional de Lisboa, dá conta de uma súmula das necessidades escolares de vários concelhos do distrito de Lisboa, sendo que para a conclusão da escola de Vila Verde são necessários 10 contos. A apelidada conclusão institucional leva tempo e demora, conquanto já corria o mês de novembro de 1932, e nova insistência surge pelo punho do presidente da Junta, que evoca mesmo “Tendo a Comissão Administrativa da Junta de Freguesia de Vila Verde dos Francos, concelho de Alenquer, deliberado construir um edifício escolar typo XXVIII Nº 50, do qual tem já uma parte construída (…) Certos da acquisencencia a esta nossa súplica rogamos despor (…)” . Os serviços centrais parecem ter ficado sensibilizados pelas gentes serranas e logo a 14 de novembro solicitam que os serviços da Delegação do Sul elaborem um orçamento para as obras, que será apresentado a 5 de dezembro do mesmo ano, contendo uma parcela referente a materiais (42 577$02) e a mão de obra (31 342$96), totalizando o valor de 77 620$00. Como nota curiosa, refira-se que “N´estes preços está incluído o trabalho de armar e desarmar andaime.” Sobre o valor total, a DGEMN ainda questiona a Delegação Sul se o valor “corresponde ao custo real da construção”, ao que esta corrobora, deixando, contudo, em aberto que “Em todo o caso, esta Direção admite a possibilidade de na execução se poder dar uma baixa de 10% sobre a importância orçada.” A 22 de dezembro, a DGEMN indaga a Junta de Freguesia para que informe sobre “a verba reputada necessária para a conclusão da obra dessa escola.” A diligência não se fez esperar, e logo um dia depois do Natal, o solícito presidente da Junta informa que “… para o acabamento das obras no edifício escolar d`esta freguesia foi orçada a quantia de 29 000$00 escudos, vinte e nove mil escudos.”

 A passagem do ano não augura boas novas para as gentes da serra, e logo a 5 de janeiro de 1933 são informadas que por força do disposto do Decreto nº 21 697, a comparticipação estatal só pode ser de 50% das despesas apresentadas. Novo revés, novo retrocesso. Contudo, no dia 1 de maio de 1933, o Governador Civil de Lisboa envia para a DGEMN, em triplicado, o “Projecto e orçamento das obras necessárias para a conclusão da Escola Primária de Vila Verde dos Francos e construção das suas dependências, que esta Junta de Freguesia se propõe realizar com a cooperação do Estado”. O projeto, com uma caligrafia e memória descritiva absolutamente irrepreensíveis, importa no valor global de 48 000$00. Acompanhado de peças desenhadas (alçado principal na escala de 1:200; sentinas e mictórios na escala de 1:100, planta – corte horizontal - e corte vertical da fossa sética e detalhe da vedação da frente na escala de 1:50), parecem ser a pedra de toque final para os propósitos e ânsias da população. Destarte, é logo nesse mês de maio que através do Ministério das Obras Públicas e Comunicações, já com o engenheiro Duarte Pacheco na chefia do mesmo, formaliza a concessão da verba de 24 000$00, para as obras de conclusão, conquanto a outra metade será assegurada pela Comissão Administrativa. Os ventos não estavam de feição e novamente, já em novembro desse ano a Comissão Administrativa em carta dirigida ao ministro Duarte Pacheco informa que “Mas como até hoje não lhe tivesse sido notificada a concessão da comparticipação do Estado que a Vª Exª solicitou para a execução das obras constantes do citado projecto; e como a demora está prejudicando imenso esta vila, não só no referente à instrução dos muitos alunos que frequentarão a escola, como para dar trabalho aos operários que aqui estão desempregados; vem esta Junta de Freguesia muito respeitosamente solicitar de Vª Exª se digne providenciar para que lhe seja concedida a comparticipação do estado para a citada conclusão da escola desta vila.”

Corria já o dia primeiro de maio de 1934, precisamente um ano depois do envio do “ Projecto” já mencionado, e desta feita é o Diretor Geral da DGEMN que se dirige ao ministro das Obras Públicas e Comunicações, informando que dispõe da verba total para as obras de Vila Verde, propondo que seja concedida pelo Fundo do Desemprego a quantia de 24 000$00, para pagamento de mão de obra, enquanto que pela Junta de Freguesia poderá ser custeada a parte respeitante a materiais. Aparentemente, o ano de 1934 decorre “comme d` habitude” para as gentes de Vila Verde. No fim do ano, contudo um telegrama aparentemente inócuo, permite dar um novo alento. Datado de 17 de dezembro, da sede de concelho de Alenquer, a sua transcrição merece alguma atenção;

“CONCELHO ALEMQUER (sic) MAIS UMA VEZ PRIMEIRA VOTAÇÃO DISTRITO, PEDE INSTANTEMENTE CONCLUSÃO URGENTE ESCOLAS PEREIRO CORTEGANA VILA VERDE PRESIDENTE UNIÃO NACIONAL MELLO MACHADO VICE PRESUDENTE (sic) CAMARA JAYME FERREIRA” (o sublinhado encontra-se tipografado a encarnado no original)

No canto superior direito, encontra-se manuscrito o despacho: “Arquive-se, 20/12/34, assinatura ilegível.”

Decorria já o ano de 1935, e a 6 de junho, surge a cópia assinada pelo ministro das Obras Públicas Duarte Pacheco, dando nota da comparticipação pelo Estado de 12 000$00, com a condição dos trabalhos serem concluídos até dezembro e a Comissão Administrativa contribuir com valor igual à concedida pelo Estado para as “Obras de conclusão do edifício escolar de Vila Verde dos Francos, Concelho de Alemquer (sic), Distrito de Lisboa”. Esta portaria, seria publicada no Diário do Governo, nº 141, II Série de 20 de junho de 1935.

Com a disponibilização desta verba, a Delegação do Sul, solicita um orçamento para a conclusão das obras, que prontamente será apresentado a 29 de junho pelo construtor civil Joaquim Freitas Garcia, através de ajuste particular de material e mão de obra, no valor singular de 11 988$28.

Posteriormente e ainda sobre a presidência da mesma Junta de Freguesia, encontramos novos pedidos de comparticipação e novo orçamento para as eternas obras de “Conclusão do Edifício Escolar”, desta feita sendo a Junta a adjudicatária da obra, pelo valor de 24 000$00. Entre ajustes e contas, créditos e débitos, todo o processo desta escola primária só parece ter fim com a publicação da Portaria assinada a 11 de janeiro de 1937, com o engenheiro militar Joaquim Abranches a chefiar o Ministério das Obras Públicas e Comunicações.

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Outro caso singular das escolas “28 de Maio”, refere-se à intenção da Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Arruda dos Vinhos, concelho vizinho de Alenquer, solicitar os bons ofícios para a construção de uma escola com a designação citada. Data de 30 de junho de 1930, o ofício nº 365 em que o administrador do concelho, capitão Artur Guardo Bastos dos Reis, dá conta da realidade escolar da sede de concelho. Assim, reporta à DGEMN, que a vila de Arruda dispõe de duas escolas tipo “Conde de Ferreira” e de outra que funciona numa casa arrendada. Relativamente à segunda escola “Conde de Ferreira”, o nosso oficial não poderia ser mais explícito ao relatar que “não satisfazendo ao fim a que está sendo destinada, ela se encontra no peior (sic) local desta vila, na rua de mais trânsito o que prejudica com o seu ruído o ensino, e num sítio verdadeiramente perigoso para as creanças (sic) que a frequentam, sendo forçado a dizer que o recreio é constituído pela própria rua.” Considerando que também é dada a nota que na vila existe um projeto de escola, que apenas contém os alicerces e o muro de vedação, cujo terreno foi cedido pelo benemérito local Adriano Heitor de Brito há 20 anos atrás para a construção de um edifício escolar, a exposição do administrador do concelho torna ainda mais impactante o desiderato pretendido ao solicitar “E para que essa nova escola, filha do Governo da Ditadura Militar, possa representar como que um Monumento neste concelho, que sirva para atestar a sua acrisolada dedicação pela Instrução Pública em Portugal, poderá essa mesma escola ser denominada: “ESCOLA PRIMÁRIA 28 DE MAIO.”

O despacho exarado no ofício, datado de 8 de julho, antecipa falaciosamente que os propósitos da petição foram atendidos pelos serviços centrais. Com efeito, consta do mesmo o seguinte: “Registe-se o pedido para obras na escola “Conde de Ferreira”, da freguesia de Arruda dos Vinhos e a construção de uma nova escola na mesma freguesia.” A consulta subsequente do processo nada mais refere à construção de um novo edifício, mas a atribuição de 10 000$00, por portaria de 2 de agosto, para a escola “Conde de Ferreira” na sede de concelho. Existem ainda um orçamento apresentado a 10 de outubro, pelo empreiteiro Joaquim Jorge Pimenteira, pelo valor da verba concedida; uma petição do dia 14, em que entre outras escolas do concelho, é solicitada a verba de 19 017$00 só para obras no edifício “Conde de Ferreira”, prontamente retificado a 21 de mesmo mês, com carácter de urgência – “Hoje porém e inesperadamente, sou forçado a vir chamar a esclarecida atenção e o maior interesse de Vª Exª para o que se dá com esta última escola e que me deixa em sérios embaraços, sem saber a que reparações hei-de acudir primeiro” - , em que o solícito administrador do concelho, e após delongada e demonstrativa exposição, apresenta a “Relação das obras a executar na escola “Conde Ferreira” da vila de Arruda dos Vinhos, para que fique absolutamente pronta e para cuja execução é necessária a verba de 22 500$00, conforme segue…” .

Da consulta posterior, nada mais consta – este processo, ao invés do que acontece com a escola de Vila Verde dos Francos, nem vem acompanhado com peças desenhadas do tipo de escolas “28 de Maio” -, levando-nos a concluir que a escola “28 de Maio” nunca viu a luz do dia, repetindo-se mais uma vez uma sucessão de levantamento de necessidades e a atribuição de parcas verbas para as obras de reparação e melhoria no edifício “Conde de Ferreira”.

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Brevíssimas considerações em torno dos alicerces do Estado Novo

Os estudiosos das Ciências Sociais, e em particular os historiadores, precisam de limites cronológicos para o seu objeto de estudo. O designado Estado Novo, que poderíamos latus sensu, periodizar entre a Constituição de 1933 e a golpe militar de abril de 1974, tem origens, e mais uma vez, no golpe militar de 28 de maio de 1926, quando o general Gomes da Costa, liderando uma Junta de Salvação Pública, dá início a um golpe de Estado a partir de Braga, vindo a ocupar definitivamente Lisboa a 6 de junho. No entanto, o período que medeia entre 1926 e 1933, ficou conhecido pela Ditadura Militar, em que os militares ocupam um lugar central na dinâmica político-social do país. Aceitando o convite para responsabilidades de governo na sequência do golpe militar de 1926, e sob proposta do general revoltoso Gomes da Costa, que em tom jocoso, tão do agrado da casta militar, teria dito: “Vão, vão lá a Coimbra buscar esse fradinho…”, António de Oliveira Salazar, com grande reputação de professor de Economia Política e distinto chefe político católico na cidade dos estudantes, apenas permanece em funções 5 dias na pasta das Finanças, findo os quais declina o convite e regressa a Coimbra. Ainda não era o tempo do seu mando.

Ao invés da efémera e malograda experiência da “República Nova”, corporizada na figura do major Sidónio Pais, que sucumbiria assassinado na estação ferroviária do Rossio a 14 de dezembro de 1918, precedido por um atentado a 5 de dezembro, do qual saiu ileso, o Estado Novo, construído em torno de Oliveira Salazar, em particular a partir de abril de 1928, quando assume a pasta das Finanças, e posteriormente como Presidente do Conselho de Ministros – Oliveira Salazar ocuparia ainda interinamente o cargo de Presidente da República após a morte de Óscar de Fragoso Carmona e a eleição de Francisco Craveiro Lopes, já em 1951 - , iria perdurar e determinar a vida política nacional durante 48 anos, período em que o Plano dos Centenários irá ser implementado e fazer cumprir o desiderato de “ensinar e instruir” a população portuguesa, desde as mais recônditas aldeias do país aos grandes centros urbanos, num país em que as taxas de analfabetismo apresentavam taxas absolutamente inimagináveis quando comparadas com os nossos dias. Agora (dezembro de 2021) que foram disponibilizados em formato e-book os “Diários de Salazar (1933-1968): O dia a dia, a hora a hora, da vida pública e privada de António Oliveira Salazar”, num trabalho sistemático da transcrição do diário manuscrito do estadista, fica disponibilizada para a comunidade científica, historiadores, jornalistas e público em geral, uma fonte primária essencial para um estudo renovado do Estado Novo e do homem que esteve na sua génese e que melhor encarnou o mesmo regime.


Quatro propostas de leitura:

DACOSTA, Fernando Máscaras de Salazar. Lisboa: Leya, S.A., 2012.

PAÇO, António Simões do – Os anos de Salazar. 1926-1932. Lisboa: Centro Editor PDA, 2008.

PINTO, António Costa (coord.) – Os Presidentes da República Portuguesa. Lisboa: Temas e Debates, 2001.

RICARDO, Maria do Céu – Salazar – Deus, Pátria, Maria. Peça em um acto, dividido em três cenas. Lisboa: Editorial Notícias, 1997


Três sugestões musicais:

Another brick on the Wall (part I), The Wall, Pink Floyd, 1979

Burro em Pé, Retropolitana, Grupo Novo Rock, 2010

School, Crime of the Century, Supertramp, 1974                           

  

A.M.