2021/02/11

Património Material de Portugal: Mosteiro de Alcobaça

 

(Imagem da fachada do Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça. Retirada da internet)

O Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça faz parte do património mundial classificado pela UNESCO desde 1989.

Situado na cidade de Alcobaça, este mosteiro é considerado a primeira obra totalmente em estilo gótico em Portugal. 

Em finais do século X, foi fundado em Cluny um mosteiro beneditino que seguia a Regra de S. Bento. No entanto, o abandono das regras rígidas da Ordem, levou alguns monges a fundar um novo mosteiro em Cister. Estes monges chegaram a Portugal em plena reconquista cristã levada a cabo por D. Afonso Henriques. Este monarca doou várias terras a S. Bernardo, na região de Alcobaça e em 1153 foi concedida uma Carta de Couto tendo-se iniciado a construção do Mosteiro em 1178.

Á medida que que conquista avançava para sul, estes monges tiveram um papel fundamental no povoamento e defesa do território. O auxílio à população e as ações de beneficência tornaram-se fundamentais.

O mosteiro é constituído por várias zonas que podemos destacar. Em primeiro lugar, a Igreja, que é a primeira construção totalmente gótica em Portugal. A sua planta de cruz latina tem uma nave central, duas naves laterais e um transepto. A capela-mor é limitada por um deambulatório com nove capelas. A sua arquitetura reflete a regra beneditina de humildade, isolamento e serviço a Deus, através da estrutura simples. Ao longo do tempo a igreja foi sofrendo alterações, nomeadamente entre 1702 e 1725, com a inclusão de elementos barrocos e campanários.

(Imagem dos claustros do Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça. Retirada da internet)

No interior da igreja encontram-se os túmulos de alguns monarcas portugueses, como é o caso de D. Afonso II (185-1223) e de D. Afonso III (1210 – 1279). Numa sala lateral estão mais oito túmulos, entre os quais o de D. Beatriz, mulher de D. Afonso III e três dos seus filhos e também D. Urraca, mulher de D. Afonso II.

Destacam-se igualmente os túmulos de D. Pedro I e de D. Inês de Castro, profundamente danificados aquando das invasões francesas

O primeiro Claustro foi provavelmente edificado em 1240. Foi substituído pelo Claustro de D. Dinis, edificado no século XIV, o centro da vida do mosteiro, à volta do qual se situam a Sala do Capítulo, o Refeitório, a Sala dos Monges, o Dormitório, o Parlatório e a Cozinha. D. Manuel I adicionou um segundo andar a esta construção.

A sala do Capítulo, incluída na zona do Claustro do Capítulo, tem uma fachada vistosa e servia às assembleias dos monges. Aqui se procedia à leitura dos capítulos da Regra Beneditina.

O Parlatório encontrava-se ao lado da Sala do Capítulo e era apenas aqui que os monges estavam autorizados a falar.

O Dormitório localiza-se no primeiro andar e conserva ainda a sua forma medieval. Atualmente possui três naves de grandes dimensões.

A Sala dos monges situava-se por baixo da zona norte do dormitório e servia, nos primeiros tempos, para o alojamento dos noviços. No início do século XVI esta zona foi transformada em área de trabalho e sala de estar para os monges.

A cozinha inicial tinha em consideração os hábitos alimentares dos monges que não consumiam carnes nem matérias gordas. A alteração destes costumes, com a autorização do consumo de carne tornou necessária a construção de uma nova cozinha, provavelmente em 1712. Incluía uma lareira central e duas laterais que permitam alimentar mais de 500 pessoas. Ao lado da nova cozinha encontrava-se o refeitório.

No que respeita às novas alas, podem destacar-se o Claustro do Cardeal, edificado no século XVI em homenagem ao Cardeal D. Henrique; o Claustro da Portaria e a Sala das Conclusões. Na zona Sul, funcionou o Colégio da Nossa Senhora da Conceição e o Claustro da Leitura.

O Núcleo Barroco inclui a Sacristia Nova, a Capela Relicário. e a Capela do Desterro.

(Imagem do interior do Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça. Retirada da internet)

A Capela-Relicário foi erigida entre 1669 e 1672, um exemplar único em Portugal em trabalho de talha dourada.

A Capela do Desterro data do século XVIII e o seu interior é totalmente revestido a azulejos onde se narram episódios da vida de Jesus.

A Sacristia, de origem medieval, foi substituída na época de D. Manuel I, mas desapareceu durante o terramoto de 1755. Foi reconstruída em 1770 em estilo Barroco, tendo-se conservado os portais manuelinos.

O Mosteiro de Alcobaça estava murado, mas foi-se desmoronando ao longo do tempo. Entre o muro e o mosteiro existiam jardins e ainda um lago e um obelisco, provavelmente datados do século XVIII. As áreas reservadas à agricultura situavam-se na zona norte. O cemitério dos monges localizava-se no lado sul do transepto da igreja.

Deve-se ainda referir o sistema hidráulico utilizado pelo mosteiro. O rio Alcoa foi desviado em algumas zonas para criar um sistema de abastecimento de água.

 

 

MJS

2021/02/08

Livro Único : Axiologias do Estado Novo

 

(Imagem de uma página censurada de uma obra. Podem observar-se dois prisioneiros e por baixo a frase: "- Ainda bem que temos de cá estar mais cinco anos! Aquilo lá de fora está muito mau!")

O Estado Novo[1] decidiu, inicialmente, utilizar manuais escolares adotados durante a República. Após alguma controvérsia, optou pelo livro único cuja utilização permitia uniformizar conteúdos e práticas pedagógicas.  Efetivamente, a 1.ª República (1910-1926) definiu contextos ideológicos dis­tintos dos períodos que antecederam e precederam o Estado Novo, este, em si mesmo, reflete a ideologia do regime, suprimindo-se determi­nados períodos da história de Portugal e enaltecendo outros (cf. Sole, 2017).

O Estado Novo, a seu modo, reconstrói uma representação da sociedade tendo em vista a exaltação do passado nacionalista para a construção do homem novo. Assim, o livro único surge como forma de expurgar os manuais que não se enquadravam nos valores e ideologia dominantes, e como instrumento de inculcação ideológica, corporizando o sistema ideológico oficial: conservador, nacionalista e rural.


“Os livros únicos assumem esse propósito antropologizante, aspirando à moldagem dos alunos através de conteúdos centrados numa axiologia hierarquizadora tendo em vista a harmonia social. Ao haver uma cultura escolar de ‘ritualização, gestualidade, socialização’ e formação vertida do manual, como aconteceu durante o Estado Novo, existe uma propensão para a homogeneização, contextualização e meta-projeção do que nele se veiculava.” (Pires, et al. 2009:10)

 

Em 1933 a escolha de livros e compêndios, dentro dos adotados superior­mente, é confiada individualmente aos professores e não pode ser objeto de resoluções coletivas tomadas em reuniões prévias convocadas para o efeito as quais estão proibidas –  Circular nº 22, de 15 de outubro de 1933. 

Os manuais escolares apresentam-se como um meio eficaz de inculcar a ideologia nascente, tornando-se, por tal motivo, imprescindível o controle do seu conteúdo por parte dos organismos oficiais que surgem com os decretos: n.º 20741 de 11 de janeiro de 1932; n.º 23982 de 8 de junho de 1934; n.º 24610 de 24 de outubro de 1934; n.º 25447 de 1 de junho de 1935 e a Portaria 8210 de 28 de agosto de 1935. 

Foi a 24 de novembro de 1936, decretado que a cada classe escolar corresponderá um único livro, compreendendo as matérias de todas as disciplinas (Decreto Lei nº 27/279, artigo 2.º).  Efetivamente, no artigo 15.º, do mesmo decreto, foi decretada a imediata caducidade de aprovação oficial de todos os livros do ensino primário – em 1937 foi aberto um concurso público destinado à produção dos textos para o livro único –  exaltado nacionalismo e espírito cristão.

 A Direção de Serviços de Documentação e de Arquivo, da Secretaria-geral da Educação e Ciência[2], possui um acervo significativo de alguns “Livros de Concurso” candidatos à posição de livros únicos e afins, nestes são visíveis observações, críticas e rasuras do Regime. Os referidos livros, aos que chamamos de concurso, são, na sua esmagadora maioria, livros já publicados, mas, por razões de censura e agilização pedagógica, são submetidos a novos concursos com anotações, rasuras e colagem.

 

“Apesar de (muito provavelmente) os escritores terem feito esse esforço, os resultados não foram positivos e, por esse mesmo motivo, foi decreta­do em 1940 que ‘a elaboração dos textos e a sua ilustração colorida são confinadas a uma comissão de técnicos, escolhidos de entre os de reco­nhecido mérito pedagógico, literário e artístico. Essa mesma comissão uniu forças e trabalhou, tendo publicado no ano de 1941, o primeiro livro único destinado à primeira classe do Ensino Primário Elementar.’” (Basto, 2015:43)

 

Em 1940 foi nomeada uma comissão especial para escrever e ilustrar os novos manuais de leitura que tiveram como principal fonte de inspiração os livros escolares italianos. Surgem, assim, livros da série escolar da 1ª à 4ª classe. Os seus conteúdos assentavam na ideia da harmonia social, veiculando um sentimento de amor à pátria que tinha como referência o Chefe de Estado e o Presidente da República.

 

 “Naturalmente que os métodos mais divulgados no Estado Novo suportam a organização da informação nos livros, de forma enciclopédica e deliberadamente ideológica e consubstanciam essa mesma informação nos testes, nos exercícios e nos exames; isto é, este modelo está naturalmente configurado e estruturado para transmitir a informação […].” (Simão, 2014)

 

O esforço do Estado Novo, grosso modo, para preservar a identidade de instrução nacional, perspetivava uma escolarização elementar, onde, por conseguinte, o manual escolar, petrificado em livro único, representa uma verdadeira pedagogia e tendência conteudista.

 

P.M. 

 


BIBLIOGRAFIA:

 

BASTO, Joana (2015). A representação de género em manuais escolares do ensino primário do estado novo [em linha]. Mestrado em design de comunicação, apresentado à Escola Superior de Artes e Design de Matosinhos [Consult. 14 de janeiro 2021]. Disponível: https://comum.rcaap.pt/handle/10400.26/9352

 

CARVALHO, Rómulo (1986). História do Ensino em Portugal. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

 

NETO, Aida Celeste Caetano (2015).  Os manuais do ensino primário elementar e a inculcação dos valores do Estado Novo [em linha]. Mestrado em ensino do português como língua segunda e estrangeira [Consult. 14 de janeiro de 2021]. Disponível: https://run.unl.pt/bitstream/10362/15980/1/Os%20Manuais%20do%20Ensino%20Prim%C3%A1rio%20Elementar%20e%20a%20Inculca%C3%A7%C3%A3o%20dos%20Valores%20do%20Estado%20Novo.pdf


PIRES, Cristina Maria Mesquita Gomes, [et al.] (2009). A iconografia nos manuais escolares do Estado Novo. Bragança: Instituto Politécnico de Bragança.


SECRETARIA-GERAL DA EDUCAÇÂO E CIÊNCIA (2021). Organograma [em linha]. Lisboa: SGEC [Consult. 14 de janeiro de 2021]. Disponível: https://www.sec-geral.mec.pt/pt-pt/organograma

 

SIMÃO, Francisco (2014). “Educação e ensino: notas sobre manuais escolares
um instrumento ideológico ao serviço do Estado Novo” [em linha]:
PROFFORMA,  Nº 13, Junho 2014 [consult. 14 de janeiro de 2021]. Disponível: http://cefopna.edu.pt/revista/revista_13/es_01_13_fs.htm

 

SOLE, Maria Glória (2017). “A história nos manuais escolares do ensino primário em Portugal: representações sociais e a construção de identidade(s)” [em linha]: Historia y Memoria de la Educación; 6 (2017): 89-127 [Consult. 14 de janeiro de 2021]. Disponível: http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/47748/1/17128-37024-1-PB.pdf

 

 



[1] Em 1933 entra em vigor a Constituição que faz nascer o Estado Novo, substituindo a de 1911 que, na prática, não era aplicada desde o golpe militar de 1926. O documento subalternizava o Parlamento, limitando também as liberdades individuais. A nova Constituição, desenhada pelos militares e por Oliveira Salazar, entrou em vigor em 11 de abril de 1933, após plebiscito realizado em 19 de março do mesmo ano. O regime vai perdurar até 1974, período durante o qual as liberdades individuais e coletivas são limitadas. Durante quase 50 anos Portugal vai conhecer Presidentes da República militares, apesar do poder estar na mão de Oliveira Salazar.

[2] À Direção de Serviços de Documentação e de Arquivo compete sinteticamente: (i) preservar, valorizar e promover o património histórico da educação e da ciência nas componentes arquivística, bibliográfica e museológica; (ii) desenvolver o modelo de organização e gestão dos arquivos correntes e intermédios e assegurar o atendimento e o apoio especializado aos utilizadores da biblioteca, museu e arquivo.