2020/12/10

O Método de Ensino Winnetka (Parte I)

A educação, hodiernamente, vai ganhando paulatinamente um cariz holístico, ou seja, o ato de aprendizagem tende a ganha um cunho construtivista, baseado na premissa de que todas as pessoas encontram a sua identidade e o significado dos saberes através de ligações com a comunidade, o mundo natural e os valores humanos. A partir desta perspetiva, a educação é considerada um sistema vivo e em constante progresso e evolução. 

Os princípios holísticos de interdependência, diversidade e totalidade são a base deste novo paradigma educacional, cujo objetivo é a formação integral do ser humano. O paradigma holístico não pode ser relacionado com as crenças religiosas ou dogmas. A educação holística reconhece o mundo como uma complexa rede de relações entre as diferentes partes de um todo abrangente. Da mesma forma, não são considera tão importante a aprendizagem de teorias e de modelos quando se pretende o verdadeiro desenvolvimento de mentes científicas, capazes de fazer um uso inteligente e criativo de recursos tecnológicos atuais.

Estas perspetivas atuais têm, efetivamente, raízes nas investigações pedagógicas do século dezanove. Desde há muito que os pedagogos se aperceberam dos inconvenientes de ensinar fatos isolados, o método de ensino Winnetka[1], levada a cabo por Carleton Wolsey Washburne[2], tenta solucionar a descontextualização de conteúdos e, acima de tudo, a desigualdade do conhecimento dos alunos. Com este critério, Washburne acreditava que as turmas deveriam ser organizadas de acordo com os interesses e as capacidades de cada aluno.

 

                                    Fonte: Bennette (1921)

“The upper-grade school is to be a very complete plant designed for a thousand children, with a large assembly hall, gymnasium, manual training and domestic science equipment, ample playfields and school gardens. As the location for this school the Board of Education has purchased the 12 acres o verlook ing the Skokie at the corner of Oak and Glendale streets. Immediately to the north is a smal! wooded park and on the west is the 4O-acre Skokie Playfield, with its ball grounds and golf course.” (Bennett, 1921:25)


Como verificamos, Bennett (1921) no Plan of Winnetka: the report of the Winnetka Plan Commission Accompanied projeta escolas de forma a estas integrarem estruturas complexa, tais como: salões de festas, ginásios, equipamentos de trabalhos manuais e de ciências, jardins escolares e campos de futebol e de golfe. Enfim, uma panóplia de equipamentos multifacetados que, a seu modo, veio facilitar a implementação do Método de Ensino Winnetka.

O reconhecido pedagogo português, Faria de Vasconcelos[3], cujo espólio monográfico e arquivístico se encontra na Divisão de Serviços de Documentação e Arquivo da Secretaria-Geral da Educação e Ciência, foi um impulsionador para este tipo de movimento de renovação do ensino, impulsionando o desenvolvimento da autonomia moral do educando. Na prática, deveria existir um modelo escolar no qual se confiaria aos alunos a disciplina e o seu respetivo funcionamento.

 

Segundo Duarte (2010:52), Faria de Vasconcelos, através  da metodologia que implementou na sua Escola Nova[4], criou as bases para o processo individualizado no ensino seguido por Washburne no Sistema Winnetka em 1914, em Chicago e por Parkhurst que, em 1922, planificou e aplicou o denominado Plano Dal-ton que consistia num contrato de aprendizagem, entre a criança e a escola, em que cada criança escolhe o seu próprio ritmo de aprendizagem (de ensino individualizado) e, para isso, conta com a ajuda do professor que lhe propõe o programa adequado com as matérias divididas em unidades progressivamente escalonadas (cf. Meireles-Coelho, 2010: 128).

 

“A escola de Bierges, considerada modelo de Escola Nova em 1912-1914, passou-se de uma pedagogia baseada em conteúdos (como transmitir a matéria) para uma pedagogia baseada em métodos (como aprender) e no desenvolvimento de competências em que a educação intelectual era promovida a par com a educação moral e física, seguindo o caminho precursor de muitos dos princípios inerentes ao pensamento pedagógico de Spencer. Valorizava os trabalhos manuais, a cultura física (dimensão higiénica) e a formação prática experimental, a par da educação intelectual e científica em que a teoria seguia sempre a prática (e não o contrário) […].” (Duarte, 2010:55).

 

Partido destes substratos intelectuais descrito por Duarte (2010:55), uma das primeiras preocupações de Washburne foi reabilitar o programa oficial das escolas públicas americanas, o qual, na sua conceção, deveria passar por modificações para atender às exigências da sociedade e as diferenças individuais, para uma educação personalizada.

Um outo influenciador, não menos importante, dos ideais de Washburne foi John Dewey (1859-1952), este filósofo foi  representante da corrente pragmática e marcado pelo instrumentalismo filosófico, isto é, pelo o desejo de romper com uma filosofia clássica ligada às classes dominantes, para torná-la um instrumento que permitiria os homens se adaptarem melhor ao mundo moderno. A sua filosofia política também visa o desenvolvimento da individualidade, isto é, a autorrealização por meio da democracia, concebida não como uma forma de governo, mas como uma participação de indivíduos na ação coletiva. Finalmente, sua pedagogia, intimamente ligada ao seu ideal democrático, visa dar aos estudantes os meios e o caráter necessário para participar ativamente da vida pública e social.



Continua: Método de Ensino Winnetka, Parte II

                                                   

 PM

 

BIBLIOGRAFIA:

 

BECK, C. (2016). “Método de Ensino Winnetka” [em linha]: Andragogia Brasil: especialistas em educação de adultos [Consult. 30 de outubro ded 2020]. Disponível: https://andragogiabrasil.com.br/metodo-de-ensino-winnetka

 

BENNETT, Edward H. (1921). Plan of Winnetka: The Report of the Winnetka Plan Commission Accompanied by the Report and Recommendations of Mr. Edward H. Bennett [em linha]. Winnetka: Plan Commission and Winnetka Village Council, 1921 [Consult. 30 de outubro de 2020]. Disponível: http://www.winnetkahistory.org/wp-content/uploads/2014/06/Plan-of-Winnetka-1921-resized.pdf

 

DUARTE, Madalena Luzia (2010). À descoberta da Escola Nova de faria de Vasconcelos [em linha]. Aveiro: Universidade de Aveiro, Departamento de Educação. [Consult. 29 de outubro de 2020]. Disponível: https://ria.ua.pt/bitstream/10773/3608/1/4561.pdf

 

DUARTE, Madalena Luzia; MEIRELES-COELHO, Carlos (2011). “Escola nova de Faria de Vasconcelos: uma utopia no séc. XX para a educação no séc. XXI”. Reis, C. S.; Neves, F. S. (Coord.). Livro de Atas do XI Congresso da Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação, Instituto Politécnico da Guarda, 30 de junho a 2 de julho de 2011. Vol. 4, 314, p. 247-252. Guarda: Instituto Politécnico da Guarda. ISBN: 978-972-8681-35-7.

 

MEUER, William G. (1988). Carleton W. Washburne: His Administrative and Curricular Contributions in the Winnetka Public Schools, 1919 Through 1943 [em linha]. Chicago: Loyola University Chicago [Consult. 29 de outubro de 2020]. Disponível: https://ecommons.luc.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=3572&context=luc_diss

 

PINHEIRO, Nara Vilma Lima; VALENTE, Wagner Rodrigues (2016).  Carleton Washburne e as pesquisas sobre a aritmética nos primeiros anos escolares” [em linha]: Revista Pesquisa Qualitativa. São Paulo (SP), Vol. 4, n.º 4 (abr. 2016), p. 88-105


REBELO, Rafaela Silva (2019). “Carleton Washburne e o Departamento de Estado dos EUA: a educação latino-americana em meio à política de boa vizinhança” [em linha]: I Congresso Internacional Pensamento e Pesquisa sobre a América Latina. 6 a 10 de maio de 2019 – FFLCH/USP, São Paulo. [Consult. 30 de outubro de 2020]. Disponível: https://www.researchgate.net/publication/333824843_Carleton_Washburne_e_o_Departamento_de_Estado_dos_EUA_a_educacao_latino-americana_em_meio_a_politica_de_boa_vizinhanca

 

SCHLEMMINGER, Gérald (1994). Du rejet à l'adaptation et à l'intégration d'un concept du travail individualisé [em linha]: Extrait de la Revue Tracer, n.° 3 (Tracer-Département de langues - Bât. 336 - Université de Paris-Sud XI - 91 405 ORSAY) [Consult. 29 de outubro de 2020]. Disponível : https://www.icem-pedagogie-freinet.org/book/export/html/15843

 

THE WINNETKA PUBLIC SCHOOL (S.D.). A brief history of the Winnetka Public Schools [em linha]. Winnetk: WPS [Consult. 28 de outubro de 2020]. Disponível: https://www.winnetka36.org/domain/84

 

 



[1] Winnetka é uma povoação próxima de Chicago (EUA), onde, em 1915, se iniciou uma experiência de ensino influenciada pelas ideias de John Dewey. Carleton Washburne foi o criador do sistema de ensino Winnetka, e como a maioria dos inovadores da educação, partiu de sua própria experiência educativa mais do que de teorias.

[2] Carleton Wolsey Washburne (1889-1968) foi um educador americano sobejamente conhecido pelos arrojados programas escolares, tais como o Plano Winnetka. Washburne frequentou a Escola de Chicago, gerida por John Dewey e Francis Parker, antes de se formar na Universidade de Stanford (1912) e concluir o seu doutorado em educação na University of California (1918). Depois de lecionar na Escola da Califórnia (1912-14) com o estatuto de Chefe no Science Department at San Francisco State Teachers College (1914–19), Washburne voltou a Illinois como superintendente em Winnetka, onde promoveu a educação infantil, criado escolas de ensino médio. Permanece em Winnetka até 1943 como presidente da Winnetka Summer School for Teachers e, a partir de 1932, do Winnetka Graduate Teachers College. Mais tarde, foi presidente da Progressive Education Association (1939-43) e da New Education Fellowship (1949-56). Durante e após a Segunda Guerra Mundial, Washburne desempenhou um papel importante na reorganização do sistema de escolas públicas da Itália (1943-1949). Para além deste cargo, também dirigiu a Graduate Division and the Teacher-Education Program at Brooklyn College, Nova York (1949-1960). Concluiu a sua carreira como um distinto professor de educação na Michigan State University em East Lansing (1961–67).

[3] António de Sena Faria de Vasconcelos Azevedo ou simplesmente Faria de Vasconcelos ou A. Faria de Vasconcelos (1880-1939), bacharel em leis formado pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, no dia em que recebeu esse diploma (12-06-1901) entregou-o ao pai e partiu para Paris e depois para a Bélgica, tendo feito o doutoramento em Ciências Sociais na Universidade Nova de Bruxelas. Tornou-se professor universitário e um prestigiado pedagogo associado ao movimento Escola Nova.

[4] A Escola Nova, também chamada de Escola Ativa ou Escola Progressiva, foi um movimento de renovação do ensino, que surgiu no fim do século XIX e ganhou força na primeira metade do século XX.  O fim mais importante da Escola Ativa era o impulso espiritual da criança e o desenvolvimento da autonomia moral do educando. Ferrière debatia-se contra a moral feita de fórmulas e defendia a liberdade reflexiva, em que o indivíduo já senhor do ambiente guia a sua vontade de forma a servir-lhe a inteligência. A autonomia dos alunos tem, na sua obra, o ponto fulcral. Para ele, o ideal da escola seria o de libertar o aluno da tutela do adulto para o colocar sob a tutela da própria consciência moral.

 

2020/12/07

Património imaterial de Portugal: Caretos de Podence

O Carnaval da aldeia de Podence, no concelho de Macedo de Cavaleiros em Trás-os-Montes, é uma das ancestrais celebrações portuguesas, tendo sido considerado património cultural imaterial da humanidade pela UNESCO em 2019.

Inseridos nesta tradição estão os Caretos de Podence, imagens misteriosas e diabólicas que percorrem as ruas durante os festejos de Carnaval, brincando com os transeuntes. Trata-se de grupos de rapazes envergando trajes de franjas coloridas, chocalhos à cintura e máscaras de lata ou couro com nariz pontiagudo. Na cabeça utilizam um capuz de onde sai uma longa cauda. As crianças seguem esta tradição e são designados por facanitos.

As origens deste ritual são incertas: alguns situam-na no período romano, outros ao Neolítico. São tradições ligadas à entrada na primavera e à necessidade de boas colheitas. Os fatos que envergam, com toda a sua cor, espelham esse regresso à vida e à cor. O Careto é, assim, a figura do “diabo à solta”, com os seus excessos de euforia após os longos meses de inverno e tudo lhe é permitido, exceto a entrada na Igreja.

A tradição esteve em risco de se perder durante os anos 60, devido à partida dos homens para a guerra e à emigração. Nos anos oitenta, com o regresso dos emigrantes e a criação da Associação dos Caretos de Podence, esta tradição revitalizou-se.

O Carnaval de Podence também conhecido por Entrudo Chocalheiro tem dois momentos fundamentais: os casamentos a fingir no Domingo Gordo e o desfile e Queima do Entrudo na terça-feira de Carnaval.

Os casamentos a fingir, ou Pregão Casamenteiro, é uma tradição em que vários populares se deslocam para os pontos mais elevados da aldeia e anunciam os “casamentos” dos solteiros da terra. Munidos de um funil de grandes dimensões, os populares fazem um noivado fictício entre solteiros cujas personalidades são absolutamente opostas. No dia seguinte ao anúncio o suposto noivo vai visitar a noiva e tomar com ela o pequeno almoço. 

A queima do entrudo encerra as festividades: durante este momento é queimada uma figura semelhante ao diabo que representa o ano que terminou e que se purifica.

Para divulgar esta tradição, foi criada em 2004 a Casa do Careto, onde se encontram pinturas de Graça Morais, Balbina Mendes e outros artistas, fotografias, fatos, chocalhos, máscaras e todos os objetos ligados a esta celebração.


MJS