Tabuinhas
de argila – uma escrita para a posteridade
«Na
Biblioteca de Hatusa – e antes em Nipur, a sul da Mesopotâmia – apareceram
tabuinhas que contêm catálogos das coleções. Nelas, como ainda não era costume
dar títulos aos livros, cada obra identificava-se pela primeira linha ou por um
breve resumo do conteúdo. Para evitar a dispersão dos textos, que eram muito
extensos, mencionava-se o número de tabuinhas que os formava. Às vezes havia o
nome do autor e outros dados acessórios. A existência desses inventários
demonstra que, no século XIII a.C., as bibliotecas começavam a crescer e os
leitores já não as podiam englobar com uma simples olhadela para as tabuinhas
na estante.»
(Irene Vallejo, pág. 69)
A sobrevivência de milhares de
tabuinhas providenciou aos especialistas e estudiosos uma variedade de fontes
históricas, fruto do acaso arqueológico e da preferência por um certo tipo de
ruínas. Os antigos arquivos e bibliotecas que chegaram ao presente estavam
abandonados nos locais junto aos edifícios destruídos, como os de Ebla ou de
Nuzi.
O escritor, ensaísta, editor e
tradutor Alberto Manguel, antigo diretor da Biblioteca Nacional da Argentina,
que tem dedicado parte substancial do seu tempo ao estudo da origem e da
história da escrita e da leitura, referindo-se, de forma precisa e eloquente, a
páginas 235 da já referida obra Uma
História da Leitura, à importância da descoberta das tabuinhas de argila
mesopotâmicas, diz o seguinte: «É
possível que o inventor das primeiras tabuinhas gravadas se tenha apercebido da
vantagem daqueles pedaços de barro sobre a memória guardada no cérebro:
primeiro, a quantidade de dados que se podiam conservar nas tabuinhas era
ilimitada – podiam-se produzir tabuinhas ad infinitum, enquanto a capacidade de
memória do cérebro é limitada; segundo, as tabuinhas tornavam inútil a presença
do detentor da memória. De repente, um objeto imaterial – um número, uma
informação, um pensamento, uma ordem – era acessível sem a presença física do
mensageiro; como por magia, podíamos imaginá-lo, anotá-lo e transmiti-lo
através do espaço e do tempo. Desde os primeiros vestígios da civilização
pré-histórica, a sociedade humana tinha tentado ultrapassar os obstáculos da
geografia, o caráter inevitável da morte, a erosão pelo oblívio.»
Ebla
– conquista e destruição
Porém,
o esplendor de Ebla acabou quando sua história
se cruzou com a ascensão da Assíria e de Babilónia como grandes potências
militares e expansionistas. Ebla, a posição geográfica que ocupava e as
riquezas que tinha acumulado eram alvo de cobiça. O setor mais
desenvolvido da economia eblaíta era o comércio. Ebla surge no único vale que
atravessa os montes entre a planura do norte da Síria e a costa mediterrânica,
numa excelente posição estratégica para controlar o comércio da madeira para a
Mesopotâmia e o dos metais para a Anatólia. Ebla engloba toda a Síria e o alto
vale do Eufrates. Praticamente, todas as cidades encontravam-se em posição
estratégica de domínio do comércio e economia. Instrumento administrativo e
comunicativo avançado é a escrita eblaíta, criada a partir da cuneiforme,
elaborada pelos sumérios milénios antes. A rivalidade comercial com outras
grandes cidades da região (ex.: Mari e Palmira) era, porém, permanente. No ano
de 2550 a.C., o reino de Akkad conquista Mari e destrói Ebla. Um outro povo, os
Amurreus, conquistarão a região e permitirão a Ebla voltar à ribalta após a
catástrofe. Contudo, todos os edifícios da Ebla dos Amorreus datando de 2500
a.C. foram destruídos por volta de 1600 a.C. pelos hititas descidos da Anatólia.
«A escrita
cuneiforme sobreviveu efetivamente aos impérios da Suméria, de Acádia e
Assíria, conservando a literatura de 15 línguas e cobrindo uma região ocupada
atualmente pelo Iraque, pelo Irão ocidental e pela Síria. Não somos hoje
capazes de ler as tabuinhas pictográficas como língua, porque desconhecemos o
valor fonético dos seus signos; conseguimos apenas ‘reconhecer’ uma cabra, uma
ovelha. Mas os linguistas conseguiram reconstituir a pronúncia dos textos
sumérios e acadianos mais tardios e podemos, ainda que de modo rudimentar,
pronunciar sons gravados há milhares de anos.»
(Alberto Manguel, pág. 239)
As
pesquisas arqueológicas têm mostrado que Ebla possuía a estrutura de uma cidade
monumental, com fortificações maciças rodeadas por grandes baluartes de terra. Segundo
um antigo poema, Ebla foi “despedaçada como um vaso de cerâmica”. Em pouco
tempo desapareceu da História. Um documento escrito por cruzados que marcharam
contra Jerusalém, em 1098, menciona o local em que se situava Ebla,
referindo-se a ele como “remoto posto avançado no país, chamado Mardikh”. Ebla
havia sido praticamente esquecida. Depois dos hititas, Ebla vai cair no
esquecimento e só irá despertar, no século XX, quando descoberta pela equipa do
arqueólogo italiano Paolo Matthiae. A descoberta de Ebla pode considerar-se
como a mais importante descoberta arqueológica da segunda metade do século XX,
não só no que diz respeito à Síria, mas a todo o Médio Oriente moderno.
JMG
REFERÊNCIAS E SUGESTÕES DE LEITURA:
(BIBLIOGRAFIA,
WEBGRAFIA e ILUSTRAÇÕES)
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