2012/01/04

UM MANUAL PARA O ENSINO DA QUÍMICA NOS FINAIS DO SÉCULO XIX


(Capa da obra Elementos de Chimica Moderna de António Xavier Corrêa Barreto, 4.ª edição, 1883)


Elementos de Chimica Moderna é um manual escolar por onde estudavam os alunos do 3º ano do ensino secundário nos finais do século XIX. O exemplar cujas páginas aqui reproduzimos, pertencente ao espólio da Biblioteca Histórica desta Secretaria-geral, é a quarta edição, datada de 1883, mas esta obra tem a sua primeira edição em 1874, conhecendo posteriormente sucessivas re-edições.

O seu autor, António Xavier Correia Barreto, foi um militar cujo percurso se confunde com a história da Primeira República. General de artilharia, fez o Curso da Escola Politécnica e da Escola de Guerra, tendo sido Ministro da Guerra (19101911; 19121913; 19221922), Presidente da Comissão administrativa Municipal de Lisboa (1913) e Deputado nas Constituintes (1911), para além de Senador (19111926), tendo presidido ao Senado e ao Congresso desde 1915 a 1926, com o interregno do sidonismo, em que esteve preso.

Figura multifacetada, Correia Barreto pode definir-se como um cientista que também foi militar e político. Toda a sua carreira militar foi sendo apoiada no prestígio enquanto cientista e, tal como escreveu um dos seus contemporâneos, Rocha Martins, a Correia Barreto “mais lhe agradava o laboratório do que o regimento”.

Na Escola Politécnica foi aluno de António Augusto de Aguiar na cadeira de «Química Mineral», tendo sido a este professor que Correia Barreto dedicou a sua primeira obra, classificando-o como “meu prezado mestre e amigo”. De facto, ainda como 1.º tenente, Correia Barreto deu ao prelo a sua primeira publicação no campo da Química, este manual escolar Elementos de Chimica Moderna. Contendo as suas principaes applicações para uso dos Lyceus (...) Aprovado pelo Governo, que terá sido o primeiro manual escolar de Química aprovado oficialmente.

 

(Retrato de António Xavier Correia Barreto no seu laboratório)

 

A elaboração deste manual escolar foi a primeira fase de um mais longo trabalho em torno da manualística, e muito especialmente em obras dedicadas ao ensino de militares. Em 1880, Correia Barreto foi nomeado para uma comissão »destinada a elaborar e indicar os livros que deveriam ser usados nas Escolas Regimentais». Quando em 1892, José Estêvão de Morais Sarmento participou no «Congresso Pedagógico Hispano PortuguêsAmericano» com uma comunicação intitulada “as Escolas Regimentais em Portugal”, são ainda largos os parágrafos que dedica aos seus “inovadores compêndios”.

Nos anos seguintes, Correia Barreto participou na colecção Biblioteca das Ideias Modernas com, pelo menos, três traduções. Nesta coleção editorial, onde se anunciaram as obras de Teófilo Braga, são de sua responsabilidade as traduções das obras A Teoria Atómica na Conceção Geral do Mundo, de Wurtz; O que é a Força, de SaintRobert; e A natureza dos elementos chimicos, de Berthelot. Neste caso, e tal como é mencionado na respectiva capa, o trabalho de Correia Barreto não é apenas de tradução mas também de redacção, sendo da sua autoria o último capítulo: «A Constituição da Matéria».

O ponto mais alto da sua carreira como cientista foi a descoberta de uma pólvora sem fumo, que surgiu como corolário da intensa carreira científica que se encontra espelhada na bibliografia. Com efeito, ainda em 1885 e como Capitão, é superiormente incumbido de estudar um novo tipo de pólvora, sem fumo, no sentido de acabar com a dependência que o nosso país tinha da pólvora inventada por Nobel em 1863.

A sua atividade como militar e político teve uma componente fundamental no campo da Educação. Logo em 1910, como Ministro da Guerra, Correia Barreto encarrega o oficial general com quem já antes trabalhara nas Escolas Regimentais, José Estêvão de Morais Sarmento, de dirigir uma Reforma das Forças Armadas onde várias questões pertinentes no campo do ensino são lançadas, especialmente a formação na escrita e na leitura aos recrutas. Para esse efeito nomeia uma Comissão, de que fizeram parte dois dos mais importantes educadores republicanos, João de Barros e João de Deus Ramos, atribuindo-lhe a elaboração de "um projeto de regulamento de instrução militar preparatória" fundando escolas primárias em todos os Regimentos, seguindo um modelo muito próximo do praticado na Suíça, que aqueles pedagogos conheciam bem.

Pouco depois, em Maio de 1911, é criado, sob sua responsabilidade política, o "Instituto Profissional dos Pupilos do Exército de Terra e Mar", mais tarde re-nomeado  Instituto de Pupilos do Exercito.  O corpo docente escolhido por Correia Barreto, mais uma vez, inclui nomes importantes do campo educativo nestas primeiras décadas do século XX, como Álvaro Viana de Lemos, o padre António de Oliveira, e João Lopes Soares, sempre enquadrados pelo labor legislativo pedido a João de Barros. Por esta altura, ainda em 1911, é criada a Sociedade Portuguesa de Química, sendo Correia Barreto um dos fundadores.

O manual de química que aqui mostramos está escrito com uma grande preocupação de clareza e acessibilidade para alunos do secundário, começando por introduzir as noções mais simples e gerais, como a própria definição de fenómenos químicos que transcrevemos a início. Prossegue, depois, com a descrição dos vários elementos químicos, dando para cada um deles uma pequena nota da história da sua «descoberta», que hoje constituem pequenas preciosidades para a História da Ciência. Para o cloro, por exemplo, Correia Barreto refere, como pode ver-se na imagem: “Foi descoberto em 1774 por Schèele que o suppoz uma combinação de acido muriatico com o oxygenio, denominando-o acido muriatico oxygenado. Em 1809 Gay-Lussac, Thenard e Davy mostraram que o chloro era um corpo simples.”

(Página 41 da obra Elementos de Chimica Moderna onde são visíveis instrumentos para a realização de experiências)


(Página 42 da obra Elementos de Chimica Moderna onde são visíveis instrumentos para a realização de experiências)

(Página 43 da obra Elementos de Chimica Moderna onde são visíveis instrumentos de vidro para a realização de experiências)


(Página 44 da obra Elementos de Chimica Moderna onde são visíveis instrumentos para a realização de experiências)




Depois das breves introduções históricas, Correia Barreto descreve, para cada elemento, o seu «Estado Natural», «Propriedades», «Preparação», e «Aplicações», como pode ver-se no capítulo dedicado ao cloro (páginas 41 a 44 do manual) que aqui reproduzimos como exemplo.

Como também pode ver-se, toda a obra recorre a desenhos que representam as operações referidas, ajudando a complementar e esclarecer as explicações teóricas.

Na segunda parte da obra, intitulada «Chimica orgânica», o autor descreve produtos mais complexos como acetonas, álcool etílico, éter, betumes, hulha ou petróleo. A respeito deste último, diz o autor: “Esta essência mineral encontra-se na Pérsia, na Índia, na Itália e na América do Norte, sendo este país o que contém os mais notáveis jazigos (Pensylvania)”. E mais adiante, a respeito das aplicações práticas destes produtos, esclarece que a principal utilização do petróleo é a produção de uns “óleos que se empregam para iluminar pela sua combustão em candeeiros próprios”. Noções que hoje nos fazem sorrir, quando pensamos na expansão que o chamado ‘ouro negro’ conheceu ao longo do século XX, quer em termos de procura e de utilização, quer de importância social e económica.

 

 

TSC