Elementos de Chimica Moderna é um
manual escolar por onde estudavam os alunos do 3º ano do ensino secundário nos
finais do século XIX. O exemplar cujas páginas aqui reproduzimos, pertencente ao
espólio da Biblioteca Histórica desta Secretaria-geral, é a quarta edição,
datada de 1883, mas esta obra tem a sua primeira edição em 1874, conhecendo
posteriormente sucessivas re-edições.
O seu
autor, António Xavier Correia Barreto, foi um militar cujo percurso se confunde
com a história da Primeira República. General de artilharia, fez o Curso da
Escola Politécnica e da Escola de Guerra, tendo sido Ministro da Guerra (1910‑1911;
1912‑1913;
1922‑1922),
Presidente da Comissão administrativa Municipal de Lisboa (1913) e Deputado nas
Constituintes (1911), para além de Senador (1911‑1926),
tendo presidido ao Senado e ao Congresso desde 1915 a 1926, com o interregno do
sidonismo, em que esteve preso.
Figura
multifacetada, Correia Barreto pode definir-se
como um cientista que também foi militar e político. Toda a sua carreira
militar foi sendo apoiada no prestígio enquanto cientista e, tal como escreveu
um dos seus contemporâneos, Rocha Martins, a Correia Barreto “mais lhe agradava
o laboratório do que o regimento”.
Na
Escola Politécnica foi aluno de António Augusto de Aguiar na cadeira de «Química
Mineral», tendo sido a este professor que Correia Barreto dedicou a sua
primeira obra, classificando-o como “meu prezado mestre e amigo”. De facto, ainda
como 1.º tenente, Correia Barreto deu ao prelo a sua primeira publicação no
campo da Química, este manual escolar Elementos
de Chimica Moderna. Contendo as suas principaes applicações para uso dos Lyceus
(...) Aprovado pelo Governo, que terá sido o primeiro manual escolar de
Química aprovado oficialmente.
A
elaboração deste manual escolar foi a primeira fase de um mais longo trabalho
em torno da manualística, e muito especialmente em obras dedicadas ao ensino de
militares. Em 1880, Correia Barreto foi nomeado para uma comissão »destinada a
elaborar e indicar os livros que deveriam ser usados nas Escolas Regimentais».
Quando em 1892, José Estêvão de Morais Sarmento participou no «Congresso
Pedagógico Hispano ‑Português‑Americano» com uma comunicação
intitulada “as Escolas Regimentais em Portugal”, são ainda largos os parágrafos
que dedica aos seus “inovadores compêndios”.
Nos
anos seguintes, Correia Barreto participou na colecção Biblioteca das Ideias
Modernas com, pelo menos, três traduções. Nesta coleção editorial, onde se
anunciaram as obras de Teófilo Braga, são de sua responsabilidade as traduções
das obras A Teoria Atómica na Conceção
Geral do Mundo, de Wurtz; O que é a
Força, de Saint‑Robert; e A natureza dos elementos chimicos, de Berthelot. Neste caso, e tal
como é mencionado na respectiva capa, o trabalho de Correia Barreto não é
apenas de tradução mas também de redacção, sendo da sua autoria o último
capítulo: «A Constituição da Matéria».
O
ponto mais alto da sua carreira como cientista foi a descoberta de uma pólvora
sem fumo, que surgiu como corolário da intensa carreira científica que se
encontra espelhada na bibliografia. Com efeito, ainda em 1885 e como Capitão, é
superiormente incumbido de estudar um
novo tipo de pólvora, sem fumo, no sentido de acabar com a dependência que o
nosso país tinha da pólvora inventada por Nobel em 1863.
A sua
atividade como militar e político teve uma componente fundamental no campo da
Educação. Logo em 1910, como Ministro da Guerra, Correia Barreto encarrega o
oficial general com quem já antes trabalhara nas Escolas Regimentais, José
Estêvão de Morais Sarmento, de dirigir uma Reforma das Forças Armadas onde
várias questões pertinentes no campo do ensino são lançadas, especialmente a
formação na escrita e na leitura aos recrutas. Para esse efeito nomeia uma
Comissão, de que fizeram parte dois dos mais importantes educadores
republicanos, João de Barros e João de Deus Ramos, atribuindo-lhe a
elaboração de "um projeto de regulamento de instrução militar
preparatória" fundando escolas primárias em todos os Regimentos,
seguindo um modelo muito próximo do praticado na Suíça, que aqueles pedagogos
conheciam bem.
Pouco
depois, em Maio de 1911, é criado, sob sua responsabilidade política, o "Instituto
Profissional dos Pupilos do Exército de Terra e Mar", mais tarde re-nomeado
Instituto de Pupilos do Exercito.
O corpo docente escolhido por Correia
Barreto, mais uma vez, inclui nomes importantes do campo educativo nestas
primeiras décadas do século XX, como Álvaro
Viana de Lemos, o padre António
de Oliveira, e João Lopes Soares,
sempre enquadrados pelo labor legislativo pedido a João de Barros. Por esta
altura, ainda em 1911, é criada a Sociedade Portuguesa de Química, sendo
Correia Barreto um dos fundadores.
O
manual de química que aqui mostramos está escrito com uma grande preocupação de
clareza e acessibilidade para alunos do secundário, começando por introduzir as
noções mais simples e gerais, como a própria definição de fenómenos químicos
que transcrevemos a início. Prossegue, depois, com a descrição dos vários
elementos químicos, dando para cada um deles uma pequena nota da história da
sua «descoberta», que hoje constituem pequenas preciosidades para a História da
Ciência. Para o cloro, por exemplo, Correia Barreto refere, como pode ver-se na
imagem: “Foi descoberto em 1774 por Schèele que o suppoz uma combinação de
acido muriatico com o oxygenio, denominando-o acido muriatico oxygenado. Em 1809 Gay-Lussac, Thenard e Davy
mostraram que o chloro era um corpo simples.”
Depois
das breves introduções históricas, Correia Barreto descreve, para cada
elemento, o seu «Estado Natural», «Propriedades», «Preparação», e «Aplicações»,
como pode ver-se no capítulo dedicado ao cloro (páginas 41 a 44 do manual) que
aqui reproduzimos como exemplo.
Como
também pode ver-se, toda a obra recorre a desenhos que representam as operações
referidas, ajudando a complementar e esclarecer as explicações teóricas.
Na
segunda parte da obra, intitulada «Chimica orgânica», o autor descreve produtos
mais complexos como acetonas, álcool etílico, éter, betumes, hulha ou petróleo.
A respeito deste último, diz o autor: “Esta essência mineral encontra-se na
Pérsia, na Índia, na Itália e na América do Norte, sendo este país o que contém
os mais notáveis jazigos (Pensylvania)”. E mais adiante, a respeito das
aplicações práticas destes produtos, esclarece que a principal utilização do
petróleo é a produção de uns “óleos que se empregam para iluminar pela sua
combustão em candeeiros próprios”. Noções que hoje nos fazem sorrir, quando
pensamos na expansão que o chamado ‘ouro negro’ conheceu ao longo do século XX,
quer em termos de procura e de utilização, quer de importância social e
económica.
TSC