2021/07/08

Lisboa Histórica, Cidade Global - Parte I


“Lisboa Histórica, Cidade Global”, encontra-se na Lista Indicativa de Portugal a Património Mundial, assente no conceito de Paisagem Urbana Histórica. Nesta categoria incluem-se aspetos como a topografia, a hidrologia, os recursos naturais, o ambiente, as infraestruturas, os espaços abertos, valores sociais, culturais e identidade. A área inclui a Baixa Pombalina, entre o antigo Terreiro do Paço, a colina do Chiado e a área junto ao rio.

Lisboa tem vestígios de ocupação humana anteriores ao Neolítico. Desde cedo teve contatos com Fenícios, Gregos e Cartagineses devido às condições naturais da região. Mais tarde, conquistada pelos Romanos, Lisboa foi incluída na Lusitânia e, posteriormente com as Invasões Bárbaras, fez parte do Reino Suevo e Visigótico.

Com a conquista muçulmana, Lisboa tornou-se um importante centro administrativo e comercial. Aqui convivem, lado a lado, muçulmanos, moçárabes e judeus. Apesar disso, no norte da Península Ibérica, os reinos cristãos organizam-se e levam a cabo um processo de reconquista. D. Afonso Henriques, com o auxílio dos cruzados, acaba por conquistar Lisboa em 1147. Em 1179 é concedido um Foral à cidade numa tentativa de recuperar as suas importantes ligações comerciais.

Será no século XIV que se farão importantes alterações na urbanização de Lisboa: a drenagem do Terreiro do Paço, novas ruas, muralhas e a crescente importância do Rossio como centro da cidade. Com D. Fernando, na eminência de um conflito militar com Castela, são construídas as Muralhas Fernandinas. Nesta época, surgem corporações de ofícios e as ruas tomam o nome das suas profissões: Rua da Prata, Rua do Ouro; Rua dos Sapateiros, etc. É a burguesia que assume o controle da cidade, favorecendo a expansão do comércio.

Lisboa continua a ser uma confluência de diferentes culturas e religiões, com especial destaque para judeus e muçulmanos que viviam, respetivamente em Judiarias e Mourarias.

A crise de 1383-85 vai marcar um novo período com a formação de uma nova aristocracia que assente o seu poder no comércio. São construídos grandes palácios em várias zonas e surgem os primeiros edifícios de habitação com vários andares. As ruas são estreitas e sinuosas, mas a cidade continua a crescer.

Com o início da expansão portuguesa e o desenvolvimento de novas rotas comerciais, Lisboa é o grande mercado europeu com exclusividade de produtos trazidos de África e do Oriente. No século XVI, a cidade é a mais rica da Europa e o verdadeiro centro do mundo. São construídos diversos monumentos emblemáticos como a Torre de Belém, o Mosteiro dos Jerónimos, o Forte de São Lourenço e diversos palácios. A pavimentação das ruas torna-se uma prioridade, através da utilização de cubos de calcário e basalto, formando desenhos – a calçada portuguesa. Desenvolve-se o Bairro Alto e em 1552 é inaugurada a Feira da Ladra.

Com a introdução da Inquisição em Portugal, a prosperidade de Lisboa começa a decair. A expropriação de terras e a confiscação de bens destrói uma burguesia que desenvolvia e alimentava a cidade.

O domínio filipino agrava toda esta situação: Portugal perde algumas das suas colónias e o comércio vai decair abruptamente. Durante este período constroem-se fortalezas e edifícios católicos, como é o caso do Convento de São vicente de Fora ou a Torre do Bugio. Os problemas financeiros conduzem a população à miséria e ao desemprego com um aumento substancial da criminalidade.

Restaurada a independência, Lisboa encontra-se dominada pelas ordens religiosas, com a fundação de mais de 40 conventos. O surgimento do ouro do Brasil vem reativar a prosperidade de Lisboa: constrói-se o Panteão Nacional e o Aqueduto das Águas Livres, entre outros. Apesar disso, a maior parte da população vive na miséria e Lisboa é descrita como uma cidade suja e degradada.


MJS

2021/07/05

A Arte no Livro - marcas de posse. Super-libros (parte1)

 

«Marca(s) de Posse - Marca de propriedade, marca pessoal ou simplesmente Pertence, é o elemento que se coloca num livro ou documento e que identifica o seu possuidor.»

«Super-libros; ex-libris, ex-dono, carimbos, etiquetas… são muitas das formas de marcas que nos indicam a quem pertenceu determinada obra. Uma obra poderá ter uma, ou mais, marcas de posse, indicando, como tal, a sua “pertença” a um, ou mais, possuidores. Um livro “marcado”, qualquer que seja o tipo de marca, conta uma história que nos leva, além das descrições bibliográficas, até ao “dono”.»

In http://bibliotecadaajuda.blogspot.com

 

O livro pode ser encarado, por um lado, como simples “objeto” ou, considerando os últimos avanços tecnológicos, um produto comercial, apelativo, desenhado para um mercado de consumidores. Contudo, na sua essência, o livro sempre foi mais do que um mero produto. Trata-se de uma criação intelectual e artística, fruto de um processo criativo, que tem simultaneamente uma função informativa e uma dimensão estética. Um livro é mais do que o texto; é o resultado de um processo criativo multifacetado. Ganha muito pelo estado de conservação e estima em que se encontra, mas pode, igualmente, ser muito valorizado pelo tipo de encadernação que o envolve e protege e pela assinatura do artífice responsável. Existem livros que são procurados pela raridade da edição e outros ainda que se tornam procurados, apenas, pela raridade e qualidade das ilustrações. Esse género de livros tem um valor intrínseco de cariz artístico e não literário.

O mesmo acontece com obras encadernadas por encadernadores célebres, pela mestria, originalidade e erudição do trabalho artístico que apresentam, ou por qualquer outro fator que lhes confere reconhecido mérito e valor. Os colecionadores de encadernações dão ao texto uma importância relativa e mesmo secundária; o fator que prezam é o valor artístico da encadernação, a originalidade, a marca da oficina ou a assinatura do artesão encadernador e – caso dos super-libros – a marca de posse que ostenta, i.e., o monograma, emblema ou brasão que as pastas poderão exibir.

Encadernação com super-libros do Conde de Sucena.

(Colecção do autor).


O termo super-libros (ou supralibros), do latim “supra” (sobre; acima; por cima de) + “libros” (livros) indica a propriedade de um livro. Na Europa, não só, mas particularmente, a Inglaterra e a França produziram magníficos exemplares. Os ingleses referem-se-lhes através da expressão “armorial bindings” e os franceses recorrendo ao termo “reliures armoriées”.

De um modo geral e característico, a encadernação armoriada exibe motivos heráldicos ou monogramas em lugar de destaque, que identificam o seu proprietário, surgindo, a maior parte das vezes, gravado a ouro, a seco ou em relevo, sobre a pasta anterior da encadernação (ou em ambas) e, ocasionalmente, na lombada. Também se encontram belos exemplares de super-libros coloridos.

Enquanto o ex-libris consiste numa placa estampada ou colada no interior do livro, os super-libros são aplicados com ferros próprios à capa do livro, aquando da encadernação, conferindo maior relevo e destaque. Estes, podem ser textuais ou figurativos. Os primeiros são geralmente compostos por frases curtas nas capas ou pelas iniciais do proprietário na parte inferior da lombada. Os figurativos, apostos principalmente no centro, costumam ser motivos simbólicos ou heráldicos (o brasão de armas, a referência ao nome, divisa ou emblema identificativo do proprietário, ou da biblioteca particular que o detém).

 

 

Encadernação com super-libros do Marquês de Niza.

(Colecção do autor).

 

Do mesmo modo que os ex-libris, os super-libros (“especialidade icono-bibliographica”, no dizer de Mathias Lima) mais do que um adorno, são uma expressão de orgulho para o proprietário do livro, uma marca única e pessoal e, frequentemente, um motivo ornamental que soma beleza, valor e distinção. Além disso, também podem ter a função de dirimir o furto ou extravio do livro. Associados ao alto clero e nobreza, terão sido usados pela primeira vez durante a Renascença quando a nobre arte da impressão tipográfica facilitou um maior acesso ao livro, permitindo que as primeiras bibliotecas privadas começassem a ser criteriosamente formadas.

«Aliás, o que se passa na tipografia não é senão uma forma particular de apoio à disseminação dos símbolos nacionais, que encontramos igualmente nas filigranas de papel, nos selos pendentes da correspondência oficial, nas moedas e nas iluminuras, para não falarmos das pedras-de-armas. Intencionalmente ou não, a verdade é que a incrustação dos símbolos nacionais na memória coletiva só podia fazer-se com êxito recorrendo às armas falantes.»

(Artur Anselmo, p. 1, 2014)

Então, como agora, os motivos heráldicos constituíam – e ainda têm esse poder – um motivo de regozijo e orgulho para um indivíduo particular ou uma família. Um brasão de armas denota uma determinada posição dentro da classe, prestigia uma instituição que o use e sublinha aspetos particulares de pertença a uma família. Na Europa medieval a atribuição e uso de armas tornou-se um hábito entre os nobres que constituíam uma casta militar distinta, com costumes e direitos próprios. Daqui evoluiu, até que no Renascimento toma sinais muito fortes de privilégio e de marca pessoal. A criação e porte de armas passou a não ser exclusivo de um grupo de nobres, estendendo-se a eclesiásticos, a cidades e demais entidades corporativas. A ‘nobre arte’ da encadernação, de igual modo, acompanhou as necessidades e vontades dos tempos, tornando-se um forte aliado dos que podiam dispor de meios para enriquecer e “iluminar” as suas bibliotecas.

A beleza e raridade destes espécimes, bem como o facto de serem exemplares únicos, tornam os livros com estas características valorizados e procurados por bibliófilos e colecionadores de todo o mundo e, consequentemente, altamente cotados na esfera do mercado livreiro antiquário mundial.

Em Portugal, foram produzidas encadernações com super-libros de rara e invulgar qualidade, muitas dos quais permanecem em valiosas coleções particulares. Por fim, enquanto dedicados estudiosos e divulgadores deste assunto, em território nacional, cumpre destacar os trabalhos dos seguintes autores: Aníbal Fernandes Tomás (1849-1911); Conde de Castro e Solla (1874-1948) e Mathias Lima (1885-1970).


JMG


 

BIBLIOGRAFIA e WEBGRAFIA:


ANSELMO, Artur (2014). Armas nacionais portuguesas como marcas tipográficas. In «Cultura revista de História e Teoria das Ideias», Vol. 33. [em linha]. [Consult. 14.06.2021]. Disponível: https://journals.openedition.org/cultura/2409?lang=en

BIBLIOTECA NACIONAL DA AJUDA (2006). Marcas de posse. [em linha]. [Consult. 08 de junho de 2021]. Disponível: https://bibliotecadaajuda.blogspot.com/search?q=super+libros

CASTRO E SOLLA, Conde de (1915). Super-libros ornamentaes: reproduções e notas descritivas. Lisboa: Typographia editora J. Bastos

GREENWOOD, Ryan (2013). Armorial-bindings: introduction. [em linha]. [Consult. 25.05.2021]. Disponível: https://library.law.yale.edu/news/armorial-bindings-introduction

LIMA, Mathias (1927). Super-libros portugueses inéditos. Porto: Fernando Machado & C.ª, Lda.

SECRETARIADO NACIONAL DE INFORMAÇÃO, CULTURA POPULAR E TURISMO [org.]. (1958). Catálogo da exposição de super-libros. Lisboa: Academia Portuguesa de Ex-Libris.

WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Supralibros. [em linha]. [Consult. 02 de junho de 2021]. Disponível: https://es.wikipedia.org/wiki/Supralibros