2021/06/03

A Escola Primária da aldeia de Minas da Borralha - do minério transmontano, do contrabando camuflado e colaboracionista à matéria-prima cobiçada pelos Senhores da Guerra

 Edifício escolar de 2 salas, tipo Indefinido, misto, existente no núcleo das Minas da Borralha, freguesia de Salto, concelho de Montalegre. Inclui plantas e alçados do edifício, bem como troca primitiva de correspondência com a sociedade mineira francesa “Mines de Borralha”. Contém ainda informação sobre o edifício escolar que a empresa pretende construir para instrução dos filhos dos trabalhadores da citada sociedade mineira.

O processo referente à Escola Primária de Minas da Borralha, concelho de Montalegre, distrito de Vila Real, encontra-se à guarda da Direção de Serviços de Documentação e Arquivo da SGEC. A documentação deste processo encontra-se extremada entre maio de 1943 e dezembro de 1966. As primeiras notícias sobre aquilo que seria o grande complexo extrativo das minas da Borralha, dão conta da primeira concessão a um engenheiro francês, logo em 1902, após ouvir a um trabalhador de nome Domingos Borralha, que trabalhando nas minas de Coelhoso, Bragança, teria comentado que na sua terra natal “existiam muitas pedras iguais às que ali eram exploradas e que as usavam para atirar às cabras e construir muros.” Da confirmação in situ do engenheiro gaulês nada sabemos, mas logo no primeiro ano a céu aberto foi possível extrair 70 toneladas do volfrâmio, sendo que no ano subsequente e com algumas perfurações, foi possível extrair das entranhas da terra 170 toneladas do mesmo mineral, o que equivale a um crescimento homólogo anual de 242,86 %. O potencial da jazida mineira foi tão promissor, que logo em 1904, o complexo já dispunha de eletrificação. De produção ininterrupta desde 1902 a 1986, ano do seu encerramento – se considerarmos as interrupções do triénio 1944/ 46 e do quadriénio 1958/62 – o couto mineiro foi-se expandindo até aos 2000 hectares, chegando a empregar cerca de 2000 trabalhadores (há notícia que as minas e a população da aldeia chegou mesmo à cifra das 5000 pessoas) e atingindo uma profundidade de 210 metros. O auge da sua produção ocorreu nas décadas de `30, `40 e 50 do século passado, num claro indicador da procura do volfrâmio (ou tungsténio) ter um grande crescimento no esforço de guerra durante a II Guerra Mundial e depois nas guerras da Coreia, já na década de 1950.

Fonte: Plano dos Centenários, Peças desenhadas da Escola Primária do núcleo da Borralha, freguesia de Salto, concelho de Montalegre

O primeiro ofício datado de 31 de maio de 1943, enviado da sociedade “Mines de Borralha”, com sede social provisória na rue de Sully, 50, em Lyon, mas que detinha escritório em Lisboa, no largo do Corpo Santo, 13, 3º Esquerdo, solicita ao Ministério das Obras Públicas e Comunicações a autorização para “… a construção de uma escola primária, para ambos os sexos, destinada aos filhos dos nossos operários, que calculamos serem cêrca (sic) de 200. Embora a escola seja particular, gratuita e rural, pretendemos que o edifício destinado ao seu funcionamento seja construído de harmonia com os planos existentes para as escolas oficiais.” A autorização ministerial ocorre logo a 5 de junho, sendo que a Direção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais, após o parecer da Repartição de Estudos e de Obras de Edifícios, informa a citada sociedade mineira a 19 de junho, enviando “Cópias de um projecto de uma escola de duas aulas e outra de um de 3 salas (…). Aproveitando o ensejo, cabe-me esclarecer que pretendendo Vª Exas. mandar construir escolas para uma população de cêrca (sic) de 200 crianças, de ambos os sexos, afigura-se a esta Direcção Geral aconselhável a construção de um edifício de 2 salas e outro de 3, ou dois de três salas, o que permitiria a completa separação dos sexos e, no caso da 2ª solução, uma margem para o acréscimo da população escolar.”

Do processo nada mais consta da opção tomada, mas tendo em consideração a documentação posterior, datada já de dezembro de 1966, a escola construída a expensas da sociedade mineira foi bem mais modesta e parca em recursos do que a proposta sugerida pelas entidades oficiais. Com efeito, e tendo em conta uma planta de 25 de novembro de 1966, constatamos que o edifício escolar que a sociedade mineira pretendeu então doar ao Estado “(…) está implantado num terreno de cerca de 1000 m.q. e que se compõe de 2 salas de aula, uma residência para professores, um pequeno alpendre e 2 retretes.” A exposição da vistoria solicitada pela Direção Geral do Ensino Primário e comunicada à Delegação para as Obras de Construção de Escolas Primárias é demolidora da avaliação que faz do espaço físico da escola, propondo que “Atendendo às deficiências de concepção de que o imóvel enferma e às obras de que necessita, julga esta Delegação que nem pode constituir solução capaz para as instalações do ensino nem há interesse em aceitar a doação, que a entidade proprietária se propõe fazer ao Estado.” Destarte, a concordância do Estado em recusar a doação, ficou logo plasmada por assinatura ministerial de 27 de dezembro de 1966.

A História, contudo, não se esgota nas fontes documentais estritamente institucionais; vai além do que a memória documental atesta, testemunha e comprova. Malgrado o explicitado supra, as gentes que trabalharam no couto mineiro da Borralha têm outras (boas) lembranças da aldeia que ganhou notoriedade nos tempos áureos da exploração volfrâmica. Da tradição oral, e de quem trabalhou nas minas, há a memória que que a todos era oferecida casa no bairro operário, água e energia elétrica. Havia um pequeno posto da GNR, Correios, posto médico, um refeitório, uma sala para projeção de cinema e escola, a primeira entre Braga e Chaves e onde os alunos aprendiam uma profissão para os diversos trabalhos da mina. Dessas “profissões” aprendidas em contexto de trabalho, importa referir a de escombreiro, maquinista de galerias, entivador (colocava madeiras para escoramento em minas) e eletricista. Dessa memória oral, há testemunhos de que na aldeia industrial foram construídas lavarias para a lavagem e separação do minério, uma fundição única na Península Ibérica, onde se procedia à transformação do volfrâmio em ferro tungsténio, além de oficinas, armazéns, carpintarias de apoio às várias galerias, britadores, o “stockwerk”, e bairros operários que chegaram a albergar cerca de 5000 pessoas. Além dos quadros de pessoal das “Mines de Borralha”, a exploração mineira feita a céu aberto, contava com os apanhistas, trabalhadores que tinham licença da empresa para apanhar o minério, com a condição de no final do dia o vender à sociedade mineira, além dos farristas, que mais não eram contrabandistas que à margem das regras, negociavam o volfrâmio “extra-muros”. Destes últimos, e porque o lucro e enriquecimento fáceis são sempre sedutores, conta-se que os farristas se “davam ao luxo” de fumar notas de 500 escudos, conquanto uma pedra de volfrâmio de 1 Kg valesse 1000 escudos, nos anos 40. Esta constatação não é displicente, porque foi exatamente durante a década de `40 que o volfrâmio teve mais procura, na medida que foi fundamental para o esforço de II Grande Guerra. Portugal e o governo de Salazar, foram essenciais para as duas frentes em conflito (Aliados e forças do Eixo), uma vez que de forma camuflada vendiam, quer a uns, quer a outros, não só o volfrâmio para a economia de guerra, bem como outros produtos essenciais como conservas, lã e calçado. Quer as forças aliadas, mormente os Ingleses através do Ministério da Guerra Económica (Ministry of Economic Warfare), quer os alemães, tinham no Portugal neutral, mas colaboracionista para ambos os lados (local privilegiado de espiões, refugiados, jogos diplomáticos e informadores de Guerra), testas-de-ferro encarregados de comprar tudo aquilo de que o inimigo necessitasse. Os ingleses, por exemplo, não necessitavam de volfrâmio, que obtinham das suas colónias, só o compravam para “secar” os alemães. Ao invés, e mesmo após o bloqueio de volfrâmio imposto pelos Aliados, Salazar continuava a fornecer a Alemanha, contrabandeando bens essenciais à guerra – quer os já citados, quer reexportando petróleo norte-americano, fosfatos do norte de África, matérias-primas das suas colónias, além de açúcar e estanho, mesmo que por cá vigorasse o racionamento de bens essenciais… -, seguindo para a Suíça em comboios fechados, através de territórios ocupados pelas forças nazis. Os alemães, ao invés pagavam a conivência portuguesa, com lingotes de ouro extorquidos aos bancos holandeses e belgas, após a invasão nazi destes territórios, o pagamento de juros e a compra de divisas. Os anos de 1941-43 são um período de ouro para as finanças públicas portugueses, com a compra cada vez maior de produtos estratégicos para o esforço de guerra, em ambos os lados das forças beligerantes. Com efeito, este triénio, ficou marcado pela primeira e única vez na época contemporânea, em que a balança comercial portuguesa foi positiva.

Fonte: © Olhares.com                   foto de Vítor Ribeiro

Com o fecho das minas em 1986, a Câmara Municipal já investiu cerca de 2 000 000 euros, para a reabilitação deste espaço. Assim, em julho de 2015 abriu um núcleo do Ecomuseu do Barroso, onde se insere o Centro Interpretativo das Minas da Borralha, que compreende entre outros um centro do núcleo museológico (receção, auditório, balneários e algumas zonas de exposição); a fundição; edifício para futuras exposições; a casa dos compressores; edifício longitudinal, com quatro compressores de grandes dimensões e o Arquivo, piso onde se encontra um grande espólio documental, relacionado com todas as atividades relativas às minas. Já durante este ano de 2021, a atividade mineira poderá ser retomada na Borralha, através de um projeto da empresa Minerália – Minas, Geotecnia e Construções, Lda, com sede em Braga, para um contrato de concessão de exploração de volfrâmio, estanho e molibdénio, mas essa intenção está a ter muitos entraves por parte de população devido a problemas da extração a céu aberto do minério, bem como de sustentabilidade ambiental.

 


Algumas propostas de leitura e duas propostas musicais:


PIMENTEL, Irene Flunser – Judeus em Portugal durante a II Guerra Mundial. Lisboa: A Esfera dos Livros. 2006

ROSAS, Fernando – Portugal entre a Paz e a Guerra 1939-1945. Lisboa: Editorial Estampa.1995

https://www.publico.pt/2011/11/06/jornal/minas-mineiros-e-guerras-as-corridas-ao-volframio-23357897

https://www.rtp.pt/noticias/mundo/portugal-e-o-dia-d-como-salazar-escapou-por-um-triz_n1152272

Red Hill Mining Town – U2 - The Joshua Tree, 1987

Os Senhores da Guerra – Madredeus – O Espírito da Paz, 1994


M.M.

2021/05/31

O Arquipélago dos Açores e a Dorsal Médio-Atlântica


A Dorsal Médio-Atlântica faz parte da lista de candidatos a Património Mundial da Unesco. Trata-se de uma cordilheira submarina situada sob o Oceano Atlântico e o Oceano Ártico em que, os seus pontos mais altos, emergem e formam ilhas. 

Fazendo parte do sistema global de dorsais oceânicas, pensa-se que a sua formação se deve a um limite divergente entre as placas norte-americana e euroasiática (Atlântico Norte) e as placas sul-americana e africana (Atlântico Sul). 

Foi descoberta por Bruce Heezen e Marie Tharp na década de 50, conduzindo à formulação da teoria de Alfred Wegener da deriva continental e da expansão do fundo oceânico. 

Esta dorsal entende-se por cerca de 11.300 km, quase todos submersos, à exceção da Islândia, Ilha de Ascensão e Açores, situando-se o seu ponto mais elevado na Ilha do Pico. 

No caso particular dos Açores, as ilhas das Flores e Corvo encontram-se na placa norte americana e as outras ilhas, na fronteira entre a placa euroasiática e africana, resultado da ação da atividade vulcânica desta zona. A área combina falhas tectónicas, com geração de sismos e fenómenos de vulcanismo. O fundo oceânico é menos profundo pois a crosta oceânica é extremamente elevada. 


A Ilha de Santa Maria foi a primeira a formar-se, há cerca de 6 milhões de anos e a Ilha da Pico, a última, com 186 mil anos. As movimentações, o vulcanismo e a variação do nível do mar conjugam-se aqui, sendo responsáveis pelo processo de formação e desaparecimento de múltiplas ilhas. De acordo com estudos recentes, há uma enorme probabilidade de todas as ilhas se afundarem, não só devido ao seu peso, mas também devido aos movimentos verticais. 

Contrariando esta tendência de afundamento, a ilha de Santa Maria e a ilha das Flores têm experienciado um processo de elevação com redução de atividade vulcânica. 

Para além das nove ilhas que se conhecem neste arquipélago, existem manifestações de outras pequenas ilhas que aparecem e desaparecem: o banco D. João de Castro, a ilha Sabrina e o vulcão da Serreta. 

Em 1720 formou-se uma ilha no banco D. João de Castro (entre São Miguel e Terceira) devido a uma erupção vulcânica. Apesar disso, a ilha desapareceu em julho de 1721 devido à erosão marinha. 

Em junho de 1811 houve algumas erupções na ilha de São Miguel que conduziram ao aparecimento da ilha Sabrina. Era uma espécie de cone com 100 metros de altura e 300 de diâmetro. Desapareceu passados três meses e nunca voltou a surgir, encontrando-se atualmente a 28 metros de profundidade.

Em dezembro de 1998, entre a Terceira e S. Jorge, ocorreu uma erupção vulcânica no Atlântico. Tratava-se do vulcão submarino da Serreta que cessou a sua atividade em agosto de 2001. 

 

MJS