«Sem
exceção, todas as bibliotecas do Próximo Oriente deixaram de existir e caíram
no esquecimento. Os escritos daqueles grandes impérios permaneceram sepultados
nas areias dos desertos ao pé das suas cidades destruídas, e os restos
descobertos da sua escrita eram indecifráveis. O esquecimento foi tão completo
que, quando os viajantes encontraram inscrições cuneiformes nas ruínas das
cidades aqueménidas muitos pensaram que eram simples decorações nas jambas das
janelas e portas. Depois de séculos de silêncio, foi a paixão dos
investigadores que desenterrou os seus vestígios e conseguiu decifrar as
línguas esquecidas das suas tabuinhas.»
(Irene Vallejo, pág. 70)
Ebla – centro literário e de saber
No Próximo Oriente antigo, bibliotecas e arquivos como hoje os conhecemos, não existiam. Hoje em dia, as funções principais que atribuímos aos arquivos são as de preservar o património documental de uma determinada sociedade e cultura e facilitar o seu acesso e recuperação. No antigo oriente, os arquivos encontravam-se em templos e palácios e apenas os monarcas, sacerdotes e escribas a eles tinham permissão de aceder.
Um
dos mais importantes e destacados centros literários e de saber que se
desenvolveram nesta região localizava-se na cidade-estado de Ebla (atualmente
conhecida como Tell Mardikh), uma antiga cidade localizada no norte da Síria, a
cerca de 55 Km a sudoeste de Alepo. Na época do Império Romano encontrava-se na
fronteira entre Roma e o Oriente, enquadrando-se na história de um conflito
milenar pelo controlo das passagens das caravanas e da riqueza que estas
transportavam. Constituiu-se como uma importante cidade-estado em dois
períodos: no início do 3.º milénio a.C. e, novamente, entre 1800 e 1650 a.C.
Mesopotâmia
– importância e desenvolvimento
Entre o quarto e o quinto milénio
antes de Cristo, a sociedade organizada em molde urbano, na bacia
mediterrânica, desenvolvia-se, apenas, na região da Mesopotâmia
(correspondente, sensivelmente, ao atual Iraque). A região era atravessada por
dois grandes e importantes rios: o Tigre e o Eufrates, sendo que aí se encontravam
cidades como: Lagash, Kish, Um, Uruk e Ur. Durante três milénios esta área foi
considerada a mais rica e evoluída, pois controlava as vias de comércio que provinham
da China e da Índia. Até cerca de 1968, os arqueólogos supunham, mesmo, que as
civilizações urbanas eram uma peculiaridade quase exclusiva da Mesopotâmia. Na
realidade, quando na Grécia e na Itália ainda se vivia da caça e se habitava em
cabanas e os egípcios ainda se encontravam no alvorecer da sua civilização,
esta região do globo já demonstrava enorme progresso e desenvolvimento.
«Nas
margens dos rios da Mesopotâmia não havia juncos de papiro, e outros materiais
como a pedra, a madeira ou a pele, eram escassos, mas a argila era abundante.
Por isso os sumérios começaram a escrever sobre a terra que sustentava os seus
passos. Conseguiam uma superfície para escrever modulando pequenas massas de
argila de cerca de vinte centímetros de comprimento, com uma forma retangular e
plana, parecidas aos nossos tablets
de sete polegadas. E desenvolveram um estilo de escrita à base de fendas de
buril na argila mole.»
(Irene Vallejo, pág. 68)
Mesopotâmia – esplendor cultural
Possivelmente, os mais antigos
espécimes de escrita autêntica até hoje descobertos, são os que se encontraram
em dois bocados de basalto bem trabalhados, com cerca de quatro polegadas
quadradas: um (a placa de Hoffman) está no Seminário Teológico Geral, em Nova
Iorque, e o outro, no Museu da Universidade da Pensilvânia, em Filadélfia.
Ambos vieram da Mesopotâmia e mostram uma forma pictográfica muito primitiva
dos caracteres pré-cuneiformes da região. A sua data só pode conjeturar-se –
talvez a de 6000 a.C. esteja, mais ou menos, certa. Quase tão antigos, e também
gravados com carateres cuneiformes, são dois bocados de pedra fina (diorito
esverdeado) adquiridos por A. Blau, próximo da cidade de Uruk (no atual
Iraque), em 1886, conhecidos por «monumentos Blau», posteriormente adquiridos
pelo Museu Britânico, local onde se conservam. Embora a leitura da sua
iconografia seja algo controversa, têm sido datados de cerca de 5500 a 5000
a.C.
«Desde
a origem que os leitores exigem livros em formatos adaptados ao uso que lhes
tencionam dar. As primitivas tabuinhas da Mesopotâmia eram placas de argila, em
geral quadradas, mas por vezes oblongas, com sete ou oito centímetros de
largura, que se seguravam comodamente numa mão. Um livro consistia de várias
dessas tabuinhas, provavelmente guardadas numa bolsa de couro ou numa caixa,
para que o leitor pudesse tirar uma atrás da outra, numa ordem determinada. É
possível que os mesopotâmios também possuíssem livros encadernados de maneira
muito semelhante à dos nossos volumes; há monumentos funerários em pedra
neo-hititas que representam objetos semelhantes a códices – talvez uma série de
tabuinhas ligadas umas às outras dentro de uma capa – mas nenhum desses livros
chegou aos nossos dias.»
(Alberto Manguel, pág. 171)
Bibliotecas de argila
Das
ruínas das antigas cidades da Babilónia e da Assíria têm-se retirado grandes
quantidades de placas de argila, de todos os tamanhos e formas, o que dá um
testemunho inequívoco de que os antigos Acádios, Babilónios e Assírios possuíam
materiais de escrita muito próprios e que conseguiram perdurar. As placas de
argila aportam marcas em forma de cunha que ainda hoje testemunham a capacidade
e a atividade criativa destas antigas culturas.
Em
1975, uma expedição arqueológica conduzida por Paolo Matthiae, que há onze anos
se encontrava a proceder a escavações nas ruínas da antiga Ebla, trouxe à luz
do dia a sala dos arquivos de estado do grande palácio de Ebla, o que
constituiu um extraordinário achado histórico. Já antes, em 1924, tinham sido
encontradas várias tabuletas de argila datadas de entre 4100 a.C. e 3100 a.C.,
na quarta camada do templo da deusa Ishtar, em Uruk. O mesmo em Ur e Adab.
Nippur, na mesma região, também revelou uma enorme quantidade de plaquinhas de
argila – muitas delas de cunho literário –, mas, também, sobre muitas outras
áreas do conhecimento como, por exemplo: matemática, astronomia, história,
compêndios religiosos, códigos de leis e tratados, etc. –, que permitem
perceber que naquele local habitou uma população que prezava o conhecimento e
que o pretendia perpetuar.
Grande
contributo adveio do facto do material natural que abundava na região da
Mesopotâmia ter propiciado a criação e utilização de pequenos blocos ou
tabuletas, inscritos na chamada escrita cuneiforme, dando origem a verdadeiras
“bibliotecas de argila”.
(continua)
JMG

