2025/11/10

As Bibliotecas e a História - A Biblioteca de Ebla - Tell Mardikh (atual, Síria) - Parte 1

 

 

«Sem exceção, todas as bibliotecas do Próximo Oriente deixaram de existir e caíram no esquecimento. Os escritos daqueles grandes impérios permaneceram sepultados nas areias dos desertos ao pé das suas cidades destruídas, e os restos descobertos da sua escrita eram indecifráveis. O esquecimento foi tão completo que, quando os viajantes encontraram inscrições cuneiformes nas ruínas das cidades aqueménidas muitos pensaram que eram simples decorações nas jambas das janelas e portas. Depois de séculos de silêncio, foi a paixão dos investigadores que desenterrou os seus vestígios e conseguiu decifrar as línguas esquecidas das suas tabuinhas.»

(Irene Vallejo, pág. 70)



 

Ebla – centro literário e de saber


No Próximo Oriente antigo, bibliotecas e arquivos como hoje os conhecemos, não existiam. Hoje em dia, as funções principais que atribuímos aos arquivos são as de preservar o património documental de uma determinada sociedade e cultura e facilitar o seu acesso e recuperação. No antigo oriente, os arquivos encontravam-se em templos e palácios e apenas os monarcas, sacerdotes e escribas a eles tinham permissão de aceder.

Um dos mais importantes e destacados centros literários e de saber que se desenvolveram nesta região localizava-se na cidade-estado de Ebla (atualmente conhecida como Tell Mardikh), uma antiga cidade localizada no norte da Síria, a cerca de 55 Km a sudoeste de Alepo. Na época do Império Romano encontrava-se na fronteira entre Roma e o Oriente, enquadrando-se na história de um conflito milenar pelo controlo das passagens das caravanas e da riqueza que estas transportavam. Constituiu-se como uma importante cidade-estado em dois períodos: no início do 3.º milénio a.C. e, novamente, entre 1800 e 1650 a.C.

 

Mesopotâmia – importância e desenvolvimento


Entre o quarto e o quinto milénio antes de Cristo, a sociedade organizada em molde urbano, na bacia mediterrânica, desenvolvia-se, apenas, na região da Mesopotâmia (correspondente, sensivelmente, ao atual Iraque). A região era atravessada por dois grandes e importantes rios: o Tigre e o Eufrates, sendo que aí se encontravam cidades como: Lagash, Kish, Um, Uruk e Ur. Durante três milénios esta área foi considerada a mais rica e evoluída, pois controlava as vias de comércio que provinham da China e da Índia. Até cerca de 1968, os arqueólogos supunham, mesmo, que as civilizações urbanas eram uma peculiaridade quase exclusiva da Mesopotâmia. Na realidade, quando na Grécia e na Itália ainda se vivia da caça e se habitava em cabanas e os egípcios ainda se encontravam no alvorecer da sua civilização, esta região do globo já demonstrava enorme progresso e desenvolvimento.

 

«Nas margens dos rios da Mesopotâmia não havia juncos de papiro, e outros materiais como a pedra, a madeira ou a pele, eram escassos, mas a argila era abundante. Por isso os sumérios começaram a escrever sobre a terra que sustentava os seus passos. Conseguiam uma superfície para escrever modulando pequenas massas de argila de cerca de vinte centímetros de comprimento, com uma forma retangular e plana, parecidas aos nossos tablets de sete polegadas. E desenvolveram um estilo de escrita à base de fendas de buril na argila mole.»

(Irene Vallejo, pág. 68)

 


Mesopotâmia – esplendor cultural


Possivelmente, os mais antigos espécimes de escrita autêntica até hoje descobertos, são os que se encontraram em dois bocados de basalto bem trabalhados, com cerca de quatro polegadas quadradas: um (a placa de Hoffman) está no Seminário Teológico Geral, em Nova Iorque, e o outro, no Museu da Universidade da Pensilvânia, em Filadélfia. Ambos vieram da Mesopotâmia e mostram uma forma pictográfica muito primitiva dos caracteres pré-cuneiformes da região. A sua data só pode conjeturar-se – talvez a de 6000 a.C. esteja, mais ou menos, certa. Quase tão antigos, e também gravados com carateres cuneiformes, são dois bocados de pedra fina (diorito esverdeado) adquiridos por A. Blau, próximo da cidade de Uruk (no atual Iraque), em 1886, conhecidos por «monumentos Blau», posteriormente adquiridos pelo Museu Britânico, local onde se conservam. Embora a leitura da sua iconografia seja algo controversa, têm sido datados de cerca de 5500 a 5000 a.C.

 

«Desde a origem que os leitores exigem livros em formatos adaptados ao uso que lhes tencionam dar. As primitivas tabuinhas da Mesopotâmia eram placas de argila, em geral quadradas, mas por vezes oblongas, com sete ou oito centímetros de largura, que se seguravam comodamente numa mão. Um livro consistia de várias dessas tabuinhas, provavelmente guardadas numa bolsa de couro ou numa caixa, para que o leitor pudesse tirar uma atrás da outra, numa ordem determinada. É possível que os mesopotâmios também possuíssem livros encadernados de maneira muito semelhante à dos nossos volumes; há monumentos funerários em pedra neo-hititas que representam objetos semelhantes a códices – talvez uma série de tabuinhas ligadas umas às outras dentro de uma capa – mas nenhum desses livros chegou aos nossos dias.»

(Alberto Manguel, pág. 171)

Bibliotecas de argila


Das ruínas das antigas cidades da Babilónia e da Assíria têm-se retirado grandes quantidades de placas de argila, de todos os tamanhos e formas, o que dá um testemunho inequívoco de que os antigos Acádios, Babilónios e Assírios possuíam materiais de escrita muito próprios e que conseguiram perdurar. As placas de argila aportam marcas em forma de cunha que ainda hoje testemunham a capacidade e a atividade criativa destas antigas culturas.

Em 1975, uma expedição arqueológica conduzida por Paolo Matthiae, que há onze anos se encontrava a proceder a escavações nas ruínas da antiga Ebla, trouxe à luz do dia a sala dos arquivos de estado do grande palácio de Ebla, o que constituiu um extraordinário achado histórico. Já antes, em 1924, tinham sido encontradas várias tabuletas de argila datadas de entre 4100 a.C. e 3100 a.C., na quarta camada do templo da deusa Ishtar, em Uruk. O mesmo em Ur e Adab. Nippur, na mesma região, também revelou uma enorme quantidade de plaquinhas de argila – muitas delas de cunho literário –, mas, também, sobre muitas outras áreas do conhecimento como, por exemplo: matemática, astronomia, história, compêndios religiosos, códigos de leis e tratados, etc. –, que permitem perceber que naquele local habitou uma população que prezava o conhecimento e que o pretendia perpetuar.

Grande contributo adveio do facto do material natural que abundava na região da Mesopotâmia ter propiciado a criação e utilização de pequenos blocos ou tabuletas, inscritos na chamada escrita cuneiforme, dando origem a verdadeiras “bibliotecas de argila”.

 

(continua)

JMG


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