2021/02/25

A Escola Primária de Faiões - uma escola construída pelos populares

Edifício escolar de 3 salas, com cantina, misto, tipo Granito, do núcleo escolar de Faiões. Inclui memória descritiva das obras a efetuar, orçamento das obras de conclusão no valor de 59 800$00. Contém alçado da "Escola primária de Faiões - Chaves - Vedação entrada e fontenário público na estrada de Chaves a Bragança - Escala de 0,02 por metro." e fachada principal, alçado lateral direito, lateral esquerdo, posterior e planta do 1º e 2º pavimentos na escala de 0,01 por metro, realizados pela sociedade Rogério Azevedo/ Baltazar de Castro, Arquitetos. Contém ainda a carta do benemérito António Moraes Sarmento, reitor da Universidade de Coimbra, dirigida ao capitão Gomes da Silva, com os requisitos e condições para a construção da futura escola primária. 

(Imagem da fachada da Escola Primária de Faiões)

Imagem retirada do site SIPA da Direção-Geral do Património Cultural

O processo referente à Escola Primária de Faiões, concelho de Chaves, distrito de Vila Real, encontra-se à guarda da Direção de Serviços de Documentação e de Arquivo da SGEC. A documentação deste processo encontra-se extremada entre fevereiro de 1932 e novembro de 1936. Mandada construir por António Luís de Moraes Sarmento, cujo pai tinha nascido precisamente em Faiões, a carta de intenções do benemérito é enviada do Laboratório de Físico-Química e Química Biológica da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, sendo endereçada ao capitão Gomes da Silva, com a data de 29 de fevereiro de 1932. António de Moraes Sarmento, eminente professor e médico de Coimbra, e grande promotor das águas mineromedicinais da estância termal do Vidago, chegou mesmo a assumir o cargo de Reitor da Universidade coimbrã. Da carta enviada ao oficial flaviense, presumivelmente colocado no Batalhão de Caçadores nº3, atual Regimento de Infantaria 19, cujo lema é “Sempre Excelentes e Valoroso”, importará reter as condições requeridas pelo médico benfeitor:

       “Consoante a comunicação feita a V. Exa. na minha carta de ontem, e o combinado em nossa palestra de 16 do corrente, tomo a liberdade de enviar a V. Exa. pelo correio d`hoje, registado, o “croquis” do terreno onde deverão realisar-se (sic) as construções escolares (quarteirão pertencente a Domingos Sarmento com 51,20 por 14) e seus arredores. Satisfazendo os desejos de V. Exa., volto a dizer-lhe, que, para os meus projectos poderem ter realidade, é necessário construir junto ao edifício escolar (e este para dois sexos) uma sala de reunião para adultos, um ginásio, trez (sic) cabines com chuveiros e podendo ser uma cantina. O Lumbrales, com quem hoje estive, pede-me lhe envie as suas melhores lembranças.”

   Em aditamento, a 3 de março, o benemérito envia de Coimbra, uma nova carta dando conta do seguinte:

      “Segundo notícias hoje recebidas, pode V. Exa. utilizar no projecto a elaborar para a construção do edifício escolar e anexos, não só o terreno indicado na planta que há dias tive a honra de enviar a V. Exa., como ainda o que reputar necessário dos terrenos limítrofes.”

(Desenho da fachada da Escola Primária de Faiões)

Arquivo da Secretaria-Geral da Educação e Ciência PT/MESG/AES/ACE/C/001/17.03.04/00024
Processo referente à escola da freguesia de Faiões, núcleo de Faiões

O Lumbrales enunciado en passant na missiva dirigida ao jovem capitão, não é só um mero cidadão que envia as “melhores lembranças” ao capitão de Infantaria. Com efeito, João Pinto da Costa Leite Lumbrales, será uma personalidade chave na construção do Estado Novo, que vigoraria temporalmente desde a Constituição de 1933 até à queda do regime em abril de 1974. Nascido no Porto em fevereiro de 1905, foi um professor universitário, monárquico convicto e político referencial durante muitas décadas do Estado Novo. Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, onde foram recrutar Salazar para o cargo de ministro das Finanças, na sequência do golpe militar do 28 de maio de 1926, foi discípulo e posteriormente assistente do professor de Finanças Públicas Oliveira Salazar na mesma universidade. Doutorado em Ciências Político-Económicas em 1927, ocupou o cargo de Subsecretário de Estado de Salazar de julho a novembro de 1929. Tendo sido Presidente da Junta Central da Legião Portuguesa e da União Nacional, partido único do regime, foi, contudo, precisamente da década de 1930 e em particular na de `40 (foi ministro do Comércio e Indústria de dezembro de 1937 a agosto de 1940, ocupando de imediato a pasta das Finanças de 29 de agosto de 1940 a 2 agosto de 1950), que Lumbrales contribui para a construção e consolidação do regime político de Oliveira Salazar. Conduziu Portugal nas políticas da aplicação do Plano Marshall (que aliás se oporia numa primeira fase), na sequência da II Guerra Mundial, teve funções na SACOR, mas acabaria por morrer em Madrid no último dia de 1975, na sequência do exílio após a revolução dos Cravos.

   As gentes de Faiões, talvez arreigadas da realidade da conturbada política nacional por esses dias, deitaram mãos à obra e com o trabalho de todos, conseguiram construir a escola que comportaria 3 salas e seria construída de bom granito transmontano. Contam as gentes de Faiões, que em carros de bois, os populares acarretaram 99 carros de pedra, apanhada na vizinha aldeia do Castelo, sendo que por fim o senhor doutor Moraes Sarmento teria dito que eram o suficiente e bastariam para finalizar a obra tão desejada. Com uma traça singular, onde dominam o ar austero e sóbrio da fachada, mas com equilíbrio de formas, onde não faltam uma imitação da torre sineira com relógio, e das arcadas da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, a Escola Primária de Faiões assume uma individualidade singular no panorama das construções escolares nacionais. Consta-se até entre os habitantes de Faiões, que o Presidente do Conselho de Ministros, pela calada da noite, teria feito o acompanhamento das obras e até se teria enamorado da professora residente. (Ao que consta, as histórias do primeiro enamoramento do estadista com a professora primária Felismina de Oliveira já remontavam aos seus tempos de seminarista em Viseu, no já distante ano de 1905, e prolongar-se-iam durante toda a sua vida com mulheres cada vez mais distintas e eruditas …). Com efeito, e no caso da escola de Faiões, as gentes quando querem perpetuar a ação dos governantes, são pródigas em lendas e histórias fantasiosas.

   Composta por três salas de aula, sendo o piso térreo reservado a meninas e o primeiro piso reservado aos rapazes, a escola dispunha de cantina e um espaço bem amplo e aprazível para o recreio dos alunos. Dos custos orçamentados para as obras, consta o valor de 59 800$00 escudos – orçamento datado de 14 de maio de 1934 -, valor significativo para a época da sua construção. Atendendo a que o terreno primitivo foi ampliado, e ainda se construíram 10 casas de um bairro social, para dar apoio a famílias mais carenciadas da aldeia, o valor total das obras rondaria os 120 contos, correspondentes a 600 euros dos nossos dias.

(Planta da Escola Primária de Faiões)

Arquivo da Secretaria-Geral da Educação e Ciência PT/MESG/AES/ACE/C/001/17.03.04/00024

Processo referente à escola da freguesia de Faiões, núcleo de Faiões

Atento ao evoluir das obras, o próprio Morais Sarmento endivida esforços em carta de 5 de março de 1933, e em telegrama de 16 de novembro do mesmo ano, para que sejam pagas com a brevidade possível as folhas de pagamento referentes às obras da escola de Faiões. Por ofício datado de 4 de novembro é enviado ao Diretor Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais uma proposta de ajuste particular para a conclusão das obras, onde o doutor Moraes Sarmento assume por inteiro o valor de 50 000$00 para o desenvolvimento das obras em curso. O processo de conclusão das obras só seria, contudo, finalizado em novembro de 1936.

   Embora a criação da escola aqui retratada seja cronologicamente anterior ao crescimento exponencial que as escolas primárias sofreram com o designado Plano dos Centenários, a beneficência de particulares para a construção das escolas primárias, quer em terrenos, quer em verbas monetárias, ou ambos os contributos, é uma nota com alguma constância na história da construção escolar em Portugal. Assim, só no concelho de Chaves, são vários os núcleos escolares que tiveram beneméritos que deram o primeiro impulso para que fossem construídas escolas nos seus locais de nascitura, ou de afeição. São disso exemplo, as escolas primárias de Castelões (1933, doação ao Estado de terreno e edifício escolar, pelo professor António Moura de Morais Soares, nos termos do art. 16º do decreto 19 531); Vilar de Nantes (1934, doação do edifício escolar por Manuel Batista Carneiro, nos termos do mesmo preceito legal); Vila Verde da Raia (1935, cedência ao Estado do terreno, por D. Luiza de Moraes Sarmento) e de Outeiro Seco (1936, doação de edifício pelo padre Albano Dias, cujo imóvel apresenta no frontispício, a encimar a porta principal, a expressão “Instruir e Construir”).


Propostas de leitura:

DACOSTA, Fernando – Nascido no Estado Novo (narrativa). Lisboa: Editorial Notícias, 2001.


Descrição da Escola Primária de Faiões, no site SIPA:

http://www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=9294


A.M. 

Sem comentários: