Edifício escolar de 3
salas, com cantina, misto, tipo Granito, do núcleo escolar de Faiões. Inclui
memória descritiva das obras a efetuar, orçamento das obras de conclusão no
valor de 59 800$00. Contém alçado da "Escola primária de Faiões - Chaves -
Vedação entrada e fontenário público na estrada de Chaves a Bragança - Escala
de 0,02 por metro." e fachada principal, alçado lateral direito, lateral
esquerdo, posterior e planta do 1º e 2º pavimentos na escala de 0,01 por metro,
realizados pela sociedade Rogério Azevedo/ Baltazar de Castro, Arquitetos.
Contém ainda a carta do benemérito António Moraes Sarmento, reitor da
Universidade de Coimbra, dirigida ao capitão Gomes da Silva, com os requisitos
e condições para a construção da futura escola primária.
Imagem retirada do site
SIPA da Direção-Geral do Património Cultural
O processo referente à Escola Primária de Faiões, concelho de
Chaves, distrito de Vila Real, encontra-se à guarda da Direção de Serviços de
Documentação e de Arquivo da SGEC. A documentação deste processo encontra-se
extremada entre fevereiro de 1932 e novembro de 1936. Mandada construir por
António Luís de Moraes Sarmento, cujo pai tinha nascido precisamente em Faiões,
a carta de intenções do benemérito é enviada do Laboratório de Físico-Química e
Química Biológica da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, sendo
endereçada ao capitão Gomes da Silva, com a data de 29 de fevereiro de 1932.
António de Moraes Sarmento, eminente professor e médico de Coimbra, e grande
promotor das águas mineromedicinais da estância termal do Vidago, chegou mesmo
a assumir o cargo de Reitor da Universidade coimbrã. Da carta enviada ao oficial
flaviense, presumivelmente colocado no Batalhão de Caçadores nº3, atual
Regimento de Infantaria 19, cujo lema é “Sempre
Excelentes e Valoroso”, importará reter as condições requeridas pelo médico
benfeitor:
“Consoante a comunicação feita a V.
Exa. na minha carta de ontem, e o combinado em nossa palestra de 16 do
corrente, tomo a liberdade de enviar a V. Exa. pelo correio d`hoje, registado,
o “croquis” do terreno onde deverão realisar-se (sic) as construções escolares
(quarteirão pertencente a Domingos Sarmento com 51,20 por 14) e seus arredores.
Satisfazendo os desejos de V. Exa., volto a dizer-lhe, que, para os meus
projectos poderem ter realidade, é necessário construir junto ao edifício
escolar (e este para dois sexos) uma sala de reunião para adultos, um ginásio,
trez (sic) cabines com chuveiros e podendo ser uma cantina. O Lumbrales, com
quem hoje estive, pede-me lhe envie as suas melhores lembranças.”
Em aditamento, a 3 de março, o
benemérito envia de Coimbra, uma nova carta dando conta do seguinte:
“Segundo notícias hoje recebidas, pode V.
Exa. utilizar no projecto a elaborar para a construção do edifício escolar e
anexos, não só o terreno indicado na planta que há dias tive a honra de enviar
a V. Exa., como ainda o que reputar necessário dos terrenos limítrofes.”
O Lumbrales enunciado en passant
na missiva dirigida ao jovem capitão, não é só um mero cidadão que envia as “melhores lembranças” ao capitão de
Infantaria. Com efeito, João Pinto da Costa Leite Lumbrales, será uma
personalidade chave na construção do Estado Novo, que vigoraria temporalmente
desde a Constituição de 1933 até à queda do regime em abril de 1974. Nascido no
Porto em fevereiro de 1905, foi um professor universitário, monárquico convicto
e político referencial durante muitas décadas do Estado Novo. Licenciado em
Direito pela Universidade de Coimbra, onde foram recrutar Salazar para o cargo
de ministro das Finanças, na sequência do golpe militar do 28 de maio de 1926, foi
discípulo e posteriormente assistente do professor de Finanças Públicas
Oliveira Salazar na mesma universidade. Doutorado em Ciências
Político-Económicas em 1927, ocupou o cargo de Subsecretário de Estado de
Salazar de julho a novembro de 1929. Tendo sido Presidente da Junta Central da
Legião Portuguesa e da União Nacional, partido único do regime, foi, contudo, precisamente
da década de 1930 e em particular na de `40 (foi ministro do Comércio e
Indústria de dezembro de 1937 a agosto de 1940, ocupando de imediato a pasta das
Finanças de 29 de agosto de 1940 a 2 agosto de 1950), que Lumbrales contribui
para a construção e consolidação do regime político de Oliveira Salazar.
Conduziu Portugal nas políticas da aplicação do Plano Marshall (que aliás se
oporia numa primeira fase), na sequência da II Guerra Mundial, teve funções na
SACOR, mas acabaria por morrer em Madrid no último dia de 1975, na sequência do
exílio após a revolução dos Cravos.
As gentes de Faiões,
talvez arreigadas da realidade da conturbada política nacional por esses dias,
deitaram mãos à obra e com o trabalho de todos, conseguiram construir a escola
que comportaria 3 salas e seria construída de bom granito transmontano. Contam
as gentes de Faiões, que em carros de bois, os populares acarretaram 99 carros
de pedra, apanhada na vizinha aldeia do Castelo, sendo que por fim o senhor
doutor Moraes Sarmento teria dito que eram o suficiente e bastariam para
finalizar a obra tão desejada. Com uma traça singular, onde dominam o ar
austero e sóbrio da fachada, mas com equilíbrio de formas, onde não faltam uma
imitação da torre sineira com relógio, e das arcadas da Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra, a Escola Primária de Faiões assume uma individualidade
singular no panorama das construções escolares nacionais. Consta-se até entre
os habitantes de Faiões, que o Presidente do Conselho de Ministros, pela calada
da noite, teria feito o acompanhamento das obras e até se teria enamorado da
professora residente. (Ao que consta, as histórias do primeiro enamoramento do
estadista com a professora primária Felismina de Oliveira já remontavam aos
seus tempos de seminarista em Viseu, no já distante ano de 1905, e
prolongar-se-iam durante toda a sua vida com mulheres cada vez mais distintas e
eruditas …). Com efeito, e no caso da escola de Faiões, as gentes quando querem
perpetuar a ação dos governantes, são pródigas em lendas e histórias
fantasiosas.
Composta por três salas de aula, sendo o piso térreo reservado a meninas e o primeiro piso reservado aos rapazes, a escola dispunha de cantina e um espaço bem amplo e aprazível para o recreio dos alunos. Dos custos orçamentados para as obras, consta o valor de 59 800$00 escudos – orçamento datado de 14 de maio de 1934 -, valor significativo para a época da sua construção. Atendendo a que o terreno primitivo foi ampliado, e ainda se construíram 10 casas de um bairro social, para dar apoio a famílias mais carenciadas da aldeia, o valor total das obras rondaria os 120 contos, correspondentes a 600 euros dos nossos dias.
Processo referente à escola da freguesia de Faiões, núcleo de Faiões
Atento ao evoluir
das obras, o próprio Morais Sarmento endivida esforços em carta de 5 de março
de 1933, e em telegrama de 16 de novembro do mesmo ano, para que sejam pagas
com a brevidade possível as folhas de pagamento referentes às obras da escola
de Faiões. Por ofício datado de 4 de novembro é enviado ao Diretor Geral dos
Edifícios e Monumentos Nacionais uma proposta de ajuste particular para a conclusão
das obras, onde o doutor Moraes Sarmento assume por inteiro o valor de
50 000$00 para o desenvolvimento das obras em curso. O processo de
conclusão das obras só seria, contudo, finalizado em novembro de 1936.
Embora a criação da
escola aqui retratada seja cronologicamente anterior ao crescimento exponencial
que as escolas primárias sofreram com o designado Plano dos Centenários, a beneficência de particulares para a
construção das escolas primárias, quer em terrenos, quer em verbas monetárias, ou
ambos os contributos, é uma nota com alguma constância na história da
construção escolar em Portugal. Assim, só no concelho de Chaves, são vários os
núcleos escolares que tiveram beneméritos que deram o primeiro impulso para que
fossem construídas escolas nos seus locais de nascitura, ou de afeição. São
disso exemplo, as escolas primárias de Castelões (1933, doação ao Estado de
terreno e edifício escolar, pelo professor António Moura de Morais Soares, nos
termos do art. 16º do decreto 19 531); Vilar de Nantes (1934, doação do
edifício escolar por Manuel Batista Carneiro, nos termos do mesmo preceito
legal); Vila Verde da Raia (1935, cedência ao Estado do terreno, por D. Luiza
de Moraes Sarmento) e de Outeiro Seco (1936, doação de edifício pelo padre
Albano Dias, cujo imóvel apresenta no frontispício, a encimar a porta
principal, a expressão “Instruir e Construir”).
Propostas de leitura:
DACOSTA, Fernando – Nascido no Estado Novo (narrativa). Lisboa: Editorial Notícias, 2001.
Descrição da Escola Primária de Faiões, no site SIPA:
http://www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=9294
A.M.
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