2012/07/24

Manual escolar - Património Museológico




A história do livro é testemunha de que os manuais escolares passam de utensílios úteis a raros e, em alguns casos, ganham o estatuto de objetos museológicos. Consequentemente, esta vicissitude também se expande aos seus conteúdos programáticos, valores e pedagogias.


“O manual escolar é um produto/mercadoria com profundas repercussões no domínio da sociologia do conhecimento; a sua construção como objecto produto/cultural é também uma questão da ordem do saber; da ordem do livro e da ordem da cognição. Uma epistemologia do manual escolar constitui um desafio conceptual, cuja complexidade, extensível à história do livro, se particulariza, em síntese, numa dialéctica entre discurso e episteme.” (Magalhães, 2006:6)


 

No entender de Magalhães (2006:6), o manual escolar deverá ser perspetivado como produto/mercadoria e produto/cultura. Quando entendemos o manual escolar como um produto/mercadoria referimo-nos, essencialmente, ao enquadramento histórico desses utensílios pedagógicos. O estudo diacrónico do manual escolar representa-nos, em si mesmo, ciclos de conhecimento e, acima de tudo, petrifica as várias áreas do saber, quer ao nível da história, quer ao nível da ciência. 

 

A par desta perspetiva materialista, o manual escolar entendido como produto/cultura será sempre definido como uma estrutura cognitiva. O livro como um produto cultural tem vindo, ao longo do tempo, a desenvolver novos conceitos, novas abordagens e atitudes científicas.

 

Para além desta perspetiva dualista, a Secretaria-Geral do Ministério da Educação e Ciência, nomeadamente, a Divisão de Serviços de Documentação e de Arquivo, entende o manual escolar como objeto/arte. Entendemos o manual escolar na sua vertente museológica: o livro como objeto de arte, não como repositório de conteúdos de arte, mas arte em si mesmo.

 

“O livro pode apresentar-se como livro-objeto, como livro de artista ou livro de artista artesanal; pode fazer parte dos livros de bibliófilo ou manifestar-se como documento de performances, de trabalhos conceituais ou experiências de land art; pode assumir a forma de livro ilustrado por artistas ou de livro-objeto, livro-poema ou poema-livro, e outras denominações, as quais podem diferir a partir da concepção do referido objecto. Em realidade, não estão claros os limites entre o que é um livro de artista e o que não é, pois existem diferenças conceituais de autor para autor.” (Panek, 2006:41)

 

Como verificamos, Panek (2006:41) entende o livro como livro-objeto e livro-artista. A distinção dos vários conceitos, neste investigador, nem sempre é oportuna, ainda assim, podemos adiantar que o primeiro conceito diz respeito à usabilidade e utilidade dos livros, o segundo, descreve a necessidade de plasticidade das diversas tipologias monográficas.

 

Face ao exposto, podemos afirmar que existe o livro útil e o livro contemplação. Quanto à forma, a conceção tradicional do livro exige um conjunto milimétrico de fólios, geralmente, impressos e unidos entre si de modo a criarem um exemplar. As ilustrações contidas nestes artefactos pedagógicos, as encadernações ornamentadas, as observações manuscritas, os autógrafos, etc. fazem do livro como objeto de estudo museológico.

 

“Acreditando no valor pedagógico da imagem enquanto forma de comunicação e mais ainda, se esta for a imagem de uma obra de arte, temos igualmente o intento de observar e caracterizar a utilização das imagens das obras de arte inseridas no manual, sabendo que, para a grande maioria dos alunos, é por este intermédio que desenvolvem o seu primeiro contacto com a arte.” (Ribeiro, 2005:6)

 

Como afirma Ribeiro (2005:6), o valor pedagógico das imagens, das ilustrações e das gravuras inseridas nos manuais escolares fazem destes um meio privilegiado de comunicação estética nas escolas. O livro é um objeto de arte e cultura. Entendemos que a panóplia de manuais escolares depositados na Secretaria-Geral do Ministério da Educação e Ciência deverão também ser perspetivados segundo o pressuposto arte/cultura.

 

A própria semântica e a estilística contida nos manuais escolares, em si mesmo, testemunham a plasticidade e evolução dos saberes: as pedagogias reencontram-se com a arte. Por exemplo, a Cartilha maternal ou Arte de leitura de João de Deus[1], no próprio título contém o binómio arte vs. leitura.

 

Para além desta hermenêutica, os técnicos da Divisão de Serviços de Documentação e de Arquivo, nas suas práticas de catalogação, são sensíveis à descrição de ponto de acesso secundários - o ilustrador e outras menções de responsabilidades afins fazem parte integrante das pistas de acesso à informação, destacamos os seguintes exemplos:

 

Leituras : para o ensino técnico / realização de Virgílio Couto ; colab. de Júlio Martins, Xavier Roberto ; capa de Almada Negreiros

 

§     Escola Secundária António Sérgio (V.N Gais) - RES 241-1

§     Escola Secundária Dr. António Mário Sacramento  (Aveiro ) – RES 1

§     Biblioteca Histórica da Educação - FG 113-1

 

Terra-Mãe : leituras para o 1.º e 2.º anos dos cursos  ; colab. de José Salvado Sampaio, Venâncio Ferro ;  il. de Dário Sousa Rodil

 

§     Escola Secundária Soares Basto (Oliveira de Azeméis) – RES 47

§     Escola Secundária der Vila Real de Santo António – RES 34

§     Biblioteca Histórica da Educação - ESDMF 484

 

Mar sem fim : para o ciclo preparatório do ensino secundário, 1.º ano / Virgílio Couto ; colab. Júlio Martins, Xavier Roberto, M. Fernanda Severo Alves ; il. de Calvet de Magalhães... [et al.]

 

§     Escola Secundária Sebastião e Silva (Oeiras) - RES 451

§     Escola Secundária der Vila Real de Santo António – RES 32

§     Biblioteca Histórica da Educação -  JBM 122

 

 Almada Negreiros, Calvet de Magalhães, Dário Sousa Rodil, entre outros, emprestaram aos manuais escolares cor, movimento e plasticidade. A arte chega a todos e reflete a igualdade de oportunidades, sem qualquer distinção e preconceito sociocultural.


 

“Finalmente reflectiremos sobre o papel particular das ilustrações nos manuais escolares, as mensagens e as especificidades sociais, culturais e étnicas e a sua importância na estandardização da igualdade de oportunidades e de atitudes e comportamentos dos alunos na escola e na sociedade.” (Queirós, 2004:27)

 

Em nome desta estandardização descrita por Queirós (2004:27), a Divisão de Serviços de Documentação e Arquivo descreve as autorias da conceção estética dos manuais escolares nos registos bibliográficos. Desta forma, usa uma panóplia de meta dados, tais como: inscrição pormenorizada no campo 215^c, anotações aquando pertinentes no capo 300^a e especificações várias no campo 702 ou 712 no ^4 (120, 130, 140, 240, 440, 510, 600, 750, etc.).

 

A título de curiosidade, resta-nos sublinhar que com Pires de Lima foram regulamentadas, no Decreto n.° 37 112, de 22 de Outubro de 1948, as normas de elaboração de conteúdos, seleção e ilustração de textos.

 

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

CARVALHO, Maria da Graça Serreira pena (2010). O manual escolar como objecto de design [on-line]: Tese apresentada às Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa para a obtenção do grau de Doutor em design

<http://www.repository.utl.pt/bitstream/10400.5/2791/1/Tese%20vol.1%20CD.pdf> [Consulta: Maio 2011]

 

COSTA, Fernando Monteiro da (2010). Da Capo al Coda, manualística de Educação Musical em Portugal (1967-2004): configurações, funções, organização [on-line]: Tese de doutoramento em História, Faculdade de Letras Universidade do Porto, 2010

<http://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/51228/2/tesedoutfernandocosta000116641.pdf> [Consulta: Maio 2011]

 

KUHN, Thomas S. (1996). A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva.

  

_________  (1979). Lógica da descoberta ou psicologia da pesquisa [on-line]: Extraído das atas do Colóquio Internacional sobre Filosofia da Ciência, (Londres, 1965)

<http://www.estondela.pt/Biblioteca/livros/filosofia/logica_descoberta_psic_pesquisa.pdf> [Consulta: Maio 2011]

 

MAGALHÃES, Justino (2006). O manual escolar no quadro da história cultural, para uma historiografia do manual escolar em Portugal [on-line]:  Sísifo. Revista de Ciências da Educação; Vol. 1 (2006), p. 5-14

<http://sisifo.fpce.ul.pt/pdfs/01-Justino.pdf> [Consulta: Maio 2011]

 

MERLEAU-PONTY,  M. (1999). Fenomenologia da percepção (trad. Carlos Alberto Ribeiro de Moura). São Paulo : Martins Fontes.

 

OLIVEIRA, Anderson Rodrigo de Oliveira (2007). A revolução coperniciana na obra Crítica da Razão Pura de Immanuel Kant [on-line]: Trabalho de conclusão do curso

de filosofia do Instituto de Filosofia Santo Tomás de Aquino, Seminário Diocesano de

São Carlos, 21 de Nov. de 2007

<http://br.monografias.com/trabalhos-pdf/revolucao-copernicana-razao-pura-ant.pdf> [Consulta: Maio 2011]

 

PANEK, Bernadette (2006). Livro de artista: uma integração entre poetas e artistas [on-line]: Anais, IV Fórum de pesquisa científica em arte, Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Curitiba, 2006

<http://www.embap.pr.gov.br/arquivos/File/anais4/bernadette_panek.pdf> [Consulta: Maio 2011]

 

PINTO, Mariana oliveira (2003). Estatuto e função dos manuais escolares de língua portuguesa [on-line]: Revista Iberoamericana de Educación; (2003), p. 174-183

<http://www.ipv.pt/millenium/millenium28/14.pdf> [Consulta: Maio 2011]

 

QUEIRÓS, T. (2004). [Des]igualdade de Oportunidades nos Manuais Escolares de Educação Física do 2.° ciclo do Ensino Básico? Análise das ilustrações e das percepções de professores/as-estaaiários/as. Dissertação de Mestrado em Ciência do Desporto - Desporto para Crianças e Jovens. Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física da Universidade do Porto, Porto.

 

RIBEIRO, Ângelo (2005). A imagem da imagem da obra de arte no uso dos manuais de Educação Visual [on-line]: Tese de Mestrado Educação, Tecnologia Educativa, Julho 2005

http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/3961/1/A%20imagem%20da%20imagem%20da%20arte%20no%20uso%20dos%20manuais%20de%20Educa%C3%A7%C3%A3o%20Vi.pdf > [Consulta: Maio 2011]

 

SANTO, Esmeralda Maria (2006). Os manuais escolares, a construção de saberes e a autonomia do aluno, auscultação a alunos e professores [on-line]: Revista Lusófona de Educação; Vol. 8 (2006), p. 103-115

<http://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/rle/n8/n8a07.pdf> [Consulta: maio 2011]

 

ARAIVA, Carlos Alberto Alexandre (2003). Evolução histórica da abordagem do eletromagnetismo e indução eletromagnética nos livros de texto para o ensino secundário. 2003. Dissertação (Mestrado)-Universidade de Aveiro, Aveiro, 2003

 

VISEU, Floriano (2009). O manual escolar na prática docente do professor de matemática [on-line]: Actas do X Congresso Internacional Galego Português de Psicopedagogia. Braga: Universidade do Minho, 2009

<http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/10095/1/o%20manual%20escolar%20na%20pr%c3%a1tica%20docente%20do%20professor%20de%20matem%c3%a1tica.pdf>  [Consulta: Maio 2011]

 

 

PM




[1] Cartilha maternal ou arte de leitura /João de Deus. - 23.ª ed. – Lisboa: Imprensa Nacional, 1911. - 139 p. ; il. 18 cm. Cota: BMEP MAN 51

 


Sem comentários: