A história do livro é testemunha de que os
manuais escolares passam de utensílios úteis a raros e, em alguns casos, ganham
o estatuto de objetos museológicos. Consequentemente, esta vicissitude também
se expande aos seus conteúdos programáticos, valores e pedagogias.
“O manual escolar é um produto/mercadoria com profundas repercussões no domínio da sociologia do conhecimento; a sua construção como objecto produto/cultural é também uma questão da ordem do saber; da ordem do livro e da ordem da cognição. Uma epistemologia do manual escolar constitui um desafio conceptual, cuja complexidade, extensível à história do livro, se particulariza, em síntese, numa dialéctica entre discurso e episteme.” (Magalhães, 2006:6)
No entender de Magalhães
(2006:6), o manual escolar deverá ser perspetivado como produto/mercadoria e produto/cultura.
Quando entendemos o manual escolar como um produto/mercadoria referimo-nos, essencialmente,
ao enquadramento histórico desses utensílios pedagógicos. O estudo diacrónico
do manual escolar representa-nos, em si mesmo, ciclos de conhecimento e, acima
de tudo, petrifica as várias áreas do saber, quer ao nível da história, quer ao
nível da ciência.
A par desta perspetiva
materialista, o manual escolar entendido como produto/cultura será sempre
definido como uma estrutura cognitiva. O livro como um produto cultural tem
vindo, ao longo do tempo, a desenvolver novos conceitos, novas abordagens e
atitudes científicas.
Para
além desta perspetiva dualista, a Secretaria-Geral do Ministério da Educação e
Ciência, nomeadamente, a Divisão de Serviços de Documentação e de Arquivo,
entende o manual escolar como objeto/arte.
Entendemos o manual escolar na sua vertente museológica: o livro como objeto de
arte, não como repositório de conteúdos de arte, mas arte em si mesmo.
“O livro pode apresentar-se como livro-objeto, como livro de artista ou livro de artista artesanal; pode fazer parte dos livros de bibliófilo ou manifestar-se como documento de performances, de trabalhos conceituais ou experiências de land art; pode assumir a forma de livro ilustrado por artistas ou de livro-objeto, livro-poema ou poema-livro, e outras denominações, as quais podem diferir a partir da concepção do referido objecto. Em realidade, não estão claros os limites entre o que é um livro de artista e o que não é, pois existem diferenças conceituais de autor para autor.” (Panek, 2006:41)
Como verificamos, Panek (2006:41) entende o livro
como livro-objeto e livro-artista. A distinção dos vários
conceitos, neste investigador, nem sempre é oportuna, ainda assim, podemos
adiantar que o primeiro conceito diz respeito à usabilidade e utilidade dos livros,
o segundo, descreve a necessidade de plasticidade das diversas tipologias
monográficas.
Face ao exposto, podemos afirmar que existe o livro útil e o livro contemplação. Quanto à forma, a conceção tradicional do livro
exige um conjunto milimétrico de fólios, geralmente, impressos e unidos entre
si de modo a criarem um exemplar. As ilustrações contidas nestes artefactos
pedagógicos, as encadernações ornamentadas, as observações manuscritas, os
autógrafos, etc. fazem do livro como objeto de estudo museológico.
“Acreditando no valor pedagógico da imagem enquanto forma de comunicação e mais ainda, se esta for a imagem de uma obra de arte, temos igualmente o intento de observar e caracterizar a utilização das imagens das obras de arte inseridas no manual, sabendo que, para a grande maioria dos alunos, é por este intermédio que desenvolvem o seu primeiro contacto com a arte.” (Ribeiro, 2005:6)
Como afirma Ribeiro (2005:6), o valor
pedagógico das imagens, das ilustrações e das gravuras inseridas nos manuais
escolares fazem destes um meio privilegiado de comunicação estética nas escolas.
O livro é um objeto de arte e cultura. Entendemos que a panóplia de manuais
escolares depositados na Secretaria-Geral do Ministério da Educação e Ciência deverão
também ser perspetivados segundo o pressuposto arte/cultura.
A própria semântica e a estilística contida nos
manuais escolares, em si mesmo, testemunham a plasticidade e evolução dos
saberes: as pedagogias reencontram-se com a arte. Por exemplo, a Cartilha maternal ou Arte de leitura de
João de Deus[1],
no próprio título contém o binómio arte
vs. leitura.
Para além desta hermenêutica, os técnicos da Divisão
de Serviços de Documentação e de Arquivo, nas suas práticas de catalogação, são
sensíveis à descrição de ponto de acesso secundários - o ilustrador e outras
menções de responsabilidades afins fazem parte integrante das pistas de acesso
à informação, destacamos os seguintes exemplos:
Leituras : para o
ensino técnico / realização de Virgílio Couto ; colab. de Júlio Martins, Xavier
Roberto ; capa de Almada Negreiros
§ Escola Secundária
António Sérgio (V.N Gais) - RES 241-1
§ Escola Secundária Dr.
António Mário Sacramento (Aveiro ) – RES
1
§ Biblioteca Histórica
da Educação - FG 113-1
Terra-Mãe : leituras
para o 1.º e 2.º anos dos cursos ;
colab. de José Salvado Sampaio, Venâncio Ferro ; il. de Dário Sousa Rodil
§ Escola Secundária
Soares Basto (Oliveira de Azeméis) – RES 47
§ Escola Secundária der
Vila Real de Santo António – RES 34
§ Biblioteca Histórica
da Educação - ESDMF 484
Mar sem fim : para o
ciclo preparatório do ensino secundário, 1.º ano / Virgílio Couto ; colab. Júlio
Martins, Xavier Roberto, M. Fernanda Severo Alves ; il. de Calvet de Magalhães... [et al.]
§ Escola Secundária
Sebastião e Silva (Oeiras) - RES 451
§ Escola Secundária der
Vila Real de Santo António – RES 32
§ Biblioteca Histórica
da Educação - JBM 122
“Finalmente reflectiremos sobre o papel particular das ilustrações nos manuais escolares, as mensagens e as especificidades sociais, culturais e étnicas e a sua importância na estandardização da igualdade de oportunidades e de atitudes e comportamentos dos alunos na escola e na sociedade.” (Queirós, 2004:27)
Em nome desta estandardização descrita por
Queirós (2004:27), a Divisão de Serviços de Documentação e Arquivo descreve as
autorias da conceção estética dos manuais escolares nos registos
bibliográficos. Desta forma, usa uma panóplia de meta dados, tais como:
inscrição pormenorizada no campo 215^c, anotações aquando pertinentes no capo
300^a e especificações várias no campo 702 ou 712 no ^4 (120, 130, 140, 240,
440, 510, 600, 750, etc.).
A título de curiosidade, resta-nos sublinhar
que com Pires de Lima foram regulamentadas, no Decreto n.° 37 112, de 22 de
Outubro de 1948, as normas de elaboração de conteúdos, seleção e ilustração de
textos.
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PM
[1] Cartilha maternal ou arte de leitura /João de Deus. - 23.ª ed. – Lisboa:
Imprensa Nacional, 1911. - 139 p. ; il. 18 cm. Cota: BMEP MAN 51
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