O processo referente à Escola Primária de São Martinho de Anta, concelho de Sabrosa, distrito de Vila Real, encontra-se à guarda da Direção de Serviços de Documentação e de Arquivo da SGEC.
A documentação mais antiga desta escola, integrada no designado Plano dos Centenários – grande empreendimento de construção de escolas em larga escala a nível nacional, pelo Estado Novo entre 1941 e 1969, como forma de comemoração do terceiro centenário da Restauração da Independência (1640) e o oitavo centenário da Independência de Portugal (1143) -, encontra-se extremada entre os anos de 1935 e 1973.
Arquivo da
Secretaria-Geral da Educação e Ciência. PT/MESG/AES/ACE/C/001/17.10.03/00021
Processo referente à escola da freguesia de Sabrosa, núcleo de São Martinho de Anta
Tipologicamente, é um edifício de
2 salas de aula, misto, do tipo “Conde Ferreira”. Além de outras tipologias, o Plano dos Centenários contemplava os
projetos-tipo “Conde Ferreira”, alusivos ao grande benemérito e filantropo
portuense Joaquim Ferreira dos Santos, 1º conde de Ferreira (Campanhã, 1782 –
Bonfim, 1866), que tendo feito fortuna no Brasil e Angola e não possuindo
herdeiros legítimos, legou em forma de testamento toda a sua riqueza às mais
variadas obras de carácter público – ao antigo Hospital dos Alienados no Porto, que atualmente tem o seu nome, foi
concedida uma verba de 600 000 reis, e constitui talvez a sua obra de
maior envergadura.
A este respeito, e atendendo a
importância da educação no país, importará reter o que o conde Ferreira deixou
expresso sobre a construção das escolas:
"Convencido de que
a instrução pública é um elemento essencial para o bem da Sociedade, quero que
os meus testamenteiros mandem construir e mobilar cento e vinte casas para
escolas primárias de ambos os sexos nas terras que forem cabeças de concelho
sendo todas por uma mesma planta e com acomodação para vivenda do professor,
não excedendo o custo de cada casa e mobília a quantia de 1200 reis e pronta
que esteja cada casa não mandarão construir mais de duas casas em cada cabeça
de concelho e preferirão aquelas terras que bem entenderem".
Das 120 escolas previstas,
segundo um modelo-tipo datado de 1866, com uma verba testamentária de 144 000
reis (o equivalente a 718,25 euros na conversão atual), foram construídas 91
escolas primárias, das quais 21 foram, entretanto, demolidas. As restantes 70
continuam a funcionar para os mais diversos fins, desde ensino a serviços
municipais, passando por sedes de juntas de freguesias, bibliotecas, museus
municipais ou mesmo instalações de forças de segurança.
Cada escola do tipo “Conde Ferreira”, seguindo um projeto apresentado em 1866, é encimada por um pequeno frontão, que lembra um campanário, com um sol em alto-relevo, apresentando-se como contraponto da igreja, com a qual procura concorrer, sendo um símbolo do positivismo nascente.
Arquivo da
Secretaria-Geral da Educação e Ciência. PT/MESG/AES/ACE/C/001/17.10.03/00021
Processo referente à escola da freguesia de Sabrosa, núcleo de
São Martinho de Anta
Entre outras singularidades, a
escola primária de São Martinho está ligada ao nome de Adolfo Correia da Rocha
(São Martinho de Anta, 1907 – Coimbra, 1995), mais conhecido pelo pseudónimo de
Miguel Torga. O futuro médico, iniciou precisamente os seus estudos primários
nesta escola, antes de rumar ao Porto, a Lamego, de uma passagem de 5 anos pelo
Brasil e depois à cidade dos Estudantes, onde se licenciou em Medicina no ano
de 1933.
O seu primeiro título “Ansiedade” data de 1928, mas seria com “Bichos” e “Contos da Montanha”, datados de 1940 e 1941 respetivamente, que o
escritor começaria a atingir a notoriedade que hoje lhe reconhecemos. A sua
obra literária diversifica-se entre a Prosa, a Poesia, o Teatro, Ensaios e
Discursos, tendo uma produção literária de mais de 50 títulos em 6 décadas.
Seguramente marcado pelo ambiente que o viu nascer, e pelas agruras da vivência
transmontana e alto-duriense, a obra de Torga é fortemente marcada por um forte
cunho de traça humanista, que rejeita a divindade transcendente, omnipresente e
omnisciente e centra-se muito na figura do Homem, como elemento transformador
da Vida e do Devir.
A este propósito, importará
referir que o pseudónimo Miguel Torga, se por um lado tem origem precisamente em
dois grandes mestres das letras ibéricas – Miguel de Cervantes e Unamuno -, o
apelido Torga remete para uma planta bravia de montanha, que tem raízes sobre o
granito áspero das terras transmontanas, mas cujo caule é incrivelmente
retilíneo. Há notícia que o médico Torga, dois anos antes na sua casa de
Coimbra, e em conversa informal com Natália Correia, lhe diagnosticara uma
ligeira gripe sazonal. Recomendara-lhe que passasse numa farmácia e comprasse
um antipirético, o que a escritora fizera logo de seguida. Pouco tempo depois, a
escritora de “Antologia da Poesia Portuguesa Erótica e Satírica”, que lhe valeu uma pena de prisão de 3 anos,
com pena suspensa e do programa televisivo “Mátria”, sucumbiria
em março de 1993, de ataque cardíaco. Por outro lado, o escritor que consagrou
a expressão “Reino Maravilhoso”, desapareceria
em janeiro de 1995, vítima de carcinoma. Ambos insubmissos. Ambos intemporais.
Duas propostas de
leitura:
ALVES, Jorge Fernandes, Percursos de um brasileiro do Porto – O Conde de Ferreira. Porto: Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1992.
DACOSTA, Fernando, Os Mal-Amados. Lisboa: Casa das Letras, 2008.
Descrição da
Escola de São Martinho de Antas, no site SIPA: http://www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=12913
A. M.
1 comentário:
O ofício de historiador é por vezes penoso e delongado no tempo. O tempo breve nunca é bom para quem quer construir História. Com tempo, em tempo, sempre que recuperamos algo da História, é de nós que falamos, é dos nossos que resgatamos o que o tempo por vezes fez esquecer.
Um artigo breve, mas que creio estar bem construído.
Bem-hajam !!
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