O Estado Novo[1] decidiu, inicialmente, utilizar manuais escolares adotados durante a República. Após alguma controvérsia, optou pelo livro único cuja utilização permitia uniformizar conteúdos e práticas pedagógicas. Efetivamente, a 1.ª República (1910-1926) definiu contextos ideológicos distintos dos períodos que antecederam e precederam o Estado Novo, este, em si mesmo, reflete a ideologia do regime, suprimindo-se determinados períodos da história de Portugal e enaltecendo outros (cf. Sole, 2017).
O Estado Novo, a seu modo, reconstrói uma representação da sociedade tendo em vista a exaltação do passado nacionalista para a construção do homem novo. Assim, o livro único surge como forma de expurgar os manuais que não se enquadravam nos valores e ideologia dominantes, e como instrumento de inculcação ideológica, corporizando o sistema ideológico oficial: conservador, nacionalista e rural.
“Os livros únicos assumem esse
propósito antropologizante, aspirando à moldagem dos alunos através de
conteúdos centrados numa axiologia hierarquizadora tendo em vista a harmonia
social. Ao haver uma cultura escolar de ‘ritualização, gestualidade,
socialização’ e formação vertida do manual, como aconteceu durante o Estado
Novo, existe uma propensão para a homogeneização, contextualização e meta-projeção
do que nele se veiculava.” (Pires, et al. 2009:10)
Em 1933 a escolha de livros e compêndios, dentro dos adotados superiormente, é confiada individualmente aos professores e não pode ser objeto de resoluções coletivas tomadas em reuniões prévias convocadas para o efeito as quais estão proibidas – Circular nº 22, de 15 de outubro de 1933.
Os manuais escolares apresentam-se como um meio eficaz de inculcar a ideologia nascente, tornando-se, por tal motivo, imprescindível o controle do seu conteúdo por parte dos organismos oficiais que surgem com os decretos: n.º 20741 de 11 de janeiro de 1932; n.º 23982 de 8 de junho de 1934; n.º 24610 de 24 de outubro de 1934; n.º 25447 de 1 de junho de 1935 e a Portaria 8210 de 28 de agosto de 1935.
Foi
a 24 de novembro de 1936, decretado que a cada classe escolar corresponderá um
único livro, compreendendo as matérias de todas as disciplinas (Decreto Lei nº
27/279, artigo 2.º). Efetivamente, no
artigo 15.º, do mesmo decreto, foi decretada a imediata caducidade de aprovação
oficial de todos os livros do ensino primário – em 1937 foi aberto um concurso
público destinado à produção dos textos para o livro único – exaltado nacionalismo e espírito cristão.
“Apesar de (muito provavelmente) os escritores terem feito esse
esforço, os resultados não foram positivos e, por esse mesmo motivo, foi
decretado em 1940 que ‘a elaboração dos textos e a sua ilustração colorida são
confinadas a uma comissão de técnicos, escolhidos de entre os de reconhecido
mérito pedagógico, literário e artístico. Essa mesma comissão uniu forças e
trabalhou, tendo publicado no ano de 1941, o primeiro livro único destinado à primeira
classe do Ensino Primário Elementar.’” (Basto, 2015:43)
Em 1940 foi nomeada uma comissão especial para
escrever e ilustrar os novos manuais de leitura que tiveram como principal
fonte de inspiração os livros escolares italianos. Surgem, assim, livros da
série escolar da 1ª à 4ª classe. Os seus conteúdos assentavam na ideia da harmonia
social, veiculando um sentimento de amor à pátria que tinha como referência
o Chefe de Estado e o Presidente da República.
“Naturalmente que os métodos mais
divulgados no Estado Novo suportam a organização da informação nos livros, de
forma enciclopédica e deliberadamente ideológica e consubstanciam essa mesma
informação nos testes, nos exercícios e nos exames; isto é, este modelo está
naturalmente configurado e estruturado para transmitir a informação […].”
(Simão, 2014)
O
esforço do Estado Novo, grosso modo, para preservar a identidade de instrução
nacional, perspetivava uma escolarização elementar, onde, por conseguinte, o manual
escolar, petrificado em livro único, representa uma verdadeira pedagogia e
tendência conteudista.
P.M.
BIBLIOGRAFIA:
BASTO, Joana
(2015). A
representação de género em manuais escolares do ensino primário do estado novo [em linha].
Mestrado
em design de comunicação, apresentado à Escola
Superior de Artes e Design de Matosinhos [Consult. 14 de janeiro 2021].
Disponível: https://comum.rcaap.pt/handle/10400.26/9352
CARVALHO,
Rómulo (1986). História do Ensino em Portugal.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
NETO, Aida Celeste Caetano (2015). Os manuais do ensino primário elementar e a inculcação dos valores do Estado Novo [em linha]. Mestrado em ensino do português como língua segunda e estrangeira [Consult. 14 de janeiro de 2021]. Disponível: https://run.unl.pt/bitstream/10362/15980/1/Os%20Manuais%20do%20Ensino%20Prim%C3%A1rio%20Elementar%20e%20a%20Inculca%C3%A7%C3%A3o%20dos%20Valores%20do%20Estado%20Novo.pdf
PIRES, Cristina Maria Mesquita Gomes, [et al.] (2009). A iconografia nos manuais escolares do Estado Novo. Bragança: Instituto Politécnico de Bragança.
SECRETARIA-GERAL DA EDUCAÇÂO E CIÊNCIA (2021).
Organograma [em linha]. Lisboa: SGEC
[Consult. 14 de janeiro de 2021]. Disponível: https://www.sec-geral.mec.pt/pt-pt/organograma
SIMÃO, Francisco (2014). “Educação
e ensino: notas sobre manuais escolares
um instrumento ideológico ao serviço do Estado Novo” [em linha]: PROFFORMA, Nº 13, Junho 2014
[consult. 14 de janeiro de 2021]. Disponível: http://cefopna.edu.pt/revista/revista_13/es_01_13_fs.htm
SOLE, Maria Glória (2017). “A história nos manuais escolares do ensino primário em Portugal: representações sociais e a construção de identidade(s)” [em linha]: Historia y Memoria de la Educación; 6 (2017): 89-127 [Consult. 14 de janeiro de 2021]. Disponível: http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/47748/1/17128-37024-1-PB.pdf
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Os encantos do "Lápis Azul", e a censura que de forma insinuosa se esconde nas entrelinhas ...
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