2014/01/29

Órgão da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas: a revista "A mulher e a criança"



         

 

 


(Fotografia de várias mulheres fundadoras da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas)



Portugal, na primeira década do Séc. XX, está em nítida mudança político-social – o papel da mulher na sociedade e suas afirmações são valores posto em causa. Desta forma, começam-se a esboçar movimentos feministas que, a seu modo, vão traduzindo ideologias e movimentos culturais organizados. A emancipação da mulher é, assim, entendida como tomada de consciência do valor da pessoa e, acima de tudo, como definição do papel da mulher na sociedade. A revisão da estrutura social portuguesa e, sobretudo, do papel da mulher foi progressivo e moderado.

 

“Com certo vigor, a dado passo, o movimento feminista em Portugal é, no entanto, sempre um movimento moderado, nunca declaradamente subversivo nem violento, mais atento à satisfação das suas reivindicações pela força da persuasão, do direito e da educação do que pela força dos gritos e das manifestações.” (Silva, 1983: 875)

 

Luta-se conscientemente pelos direitos e valores femininos e em 1907, um grupo de mulheres instruídas fundou o Grupo Português de Estudos Feministas[1], com o objetivo de difundir ideais de emancipação feminina, fundar uma biblioteca especializada, publicar estudos destinados a instruir e a educar a mulher portuguesa nas suas funções de mãe vs. educadora. No entender de Pires (2012:174), “a educação e instrução da mulher e a independência económica são assim dois dos campos de intervenção mais expressivos desta associação”.

 

Este grupo foi dirigido por Ana de Castro Osório e outras intelectuais (existiram algumas publicações rarefeitas). Em torno deste efémero grupo, segundo Samara (2010:41), forma-se um importante núcleo feminista que vai fundar a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, doravante denominada por LRMP.


 

“Foi com a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas (LRMP) que o feminismo se cruzou com o republicanismo, embora tivesse partilhado outros combates como o do direito à educação. A sessão preparatória da fundação da Liga em Agosto de 1908 foi presidida por Ana de Castro Osório e secretariada por Bernardino Machado e Magalhães Lima, tendo lugar no Centro António José de Almeida. A ideia de criação da Liga tinha tido origem nos republicanos, nomeadamente António José de Almeida, que convidavam as senhoras a prestarem o seu concurso, de forma organizada ao combate republicano.” (Samara, 2010:41).

 

Sexta-feira, 28 de agosto de 1908, assiste-se à sessão preparatória da fundação da LRMP. Um grupo de ativistas femininas reúne-se, no Centro António José de Almeida, sob a presidência de Ana de Castro Osório, que foi secretariada por Bernardino Machado e Magalhães Lima. Nesta reunião, foram lançadas as bases da criação da LRMP, organização feminina inspirada nos ideais maçónicos e ligada ao Partido Republicano Português:

 

“Abrimos a nossa Revista com o discurso pronunciado na reunião preparatória da Liga Republicana das Mulheres Portuguêsas, pela nossa illustre Presidente e presada companheira de redação, D. Anna de Castro Osorio, porque elle diz bem qual a ideia que presidiu á formação da Liga, e os fins que ella se propõe realizar […] Deixae-me primeiro agradecer a imerecida honra que me foi feita pelos srs. Drs. Bernardino Machado, Magalhães Lima e António d’Almeida, […].” (Osório, 1909:1)

 

Ainda que a ideia seja lançada em 1908 por Ana de Castro Osório e António José de Almeida e apoiada por Bernardino Machado e Magalhães Lima, acarinhada pelo Partido Republicano, a sedimentação da LRMP será consolidada, mais tarde, com os Estatutos da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, aprovados em assembleia geral de 24 de Julho e 4 de Agosto de 1910 (A mulher e a criança, A. 2, n. 15 agosto de 1910, p. 8). Os estatutos da LRMP são descritos em seis capítulos:

― Capítulo I - Fins da associação;

― Capítulo II - Dever das sócias, Direitos das sócias e Penalidades;

― Capítulo III - Assembleia geral e Eleições;

― Capítulo IV – Direcção;

― Capítulo V – Conselhos fiscais;

― Capítulo VI – Cobradora e empregada e Transitório.



(Imagem da capa da revista "A mulher e a criança" Órgão da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas)

 

A ata da reunião de assembleia geral realizada em 24 de julho, de 1910, para revisão e modificação dos estatutos, datada em Lisboa, 24 de julho de 1910 foi assinada por Ana de Castro Osório, Ana Maria Gonçalves Dias e Maria Veleda. Os Estatutos da LRMP estão datados de 4 de agosto de 1910 e foram assinados por Maria Veleda, Ana Maria Gonçalves Dias e Georgina de Figueiredo.

 

Os objetivos da LRMP são, essencialmente, sociopolíticos e pedagógicos. O Art. 1 do Capítulo 1 resume os fins da Liga: (i) orientar, (ii) educar e (iii) instruir a mulher portuguesa:


 “Orientar, educar e instruir, nos princípios democráticos a mulher portuguesa, como mãe de família, esposa, filha, educadora, tornando-a um indivíduo autónomo e consciente, pois que só um novo regímen libertado de preconceito poderá trazer à sociedade portuguesa a consciência e responsabilidade do povo livre e altivo.” (LRMP, 1910:8)


Como sabemos, o projeto LRMP foi apoiado pelo Partido Republicano, que incentivava a luta reivindicativa das mulheres pela igualdade de direitos que lhe permitisse uma maior intervenção na vida social, económica e política do país. Também lhe interessava criar mais uma frente de combate à monarquia, sobretudo, porque o sexo feminino era conotado com o obscurantismo religioso e o conservadorismo político.

 

A exaltação da mulher, através de ideais republicanos e democráticos, impulsionou a aliança entre feminismo e politica. A Liga, desta forma, encontra terreno fértil para editarem A mulher e a criança, revista distribuída gratuitamente às associadas e destinada a todo o público feminino – toda a mulher, per si, constituiu a vanguarda revolucionária do movimento social da emancipação feminina, um importante núcleo da propaganda republicana e um precioso reduto na defesa e consolidação dos ideais da liberdade e democracia.

 

A LRMP foi, contudo, a primeira organização político-partidária feminina - a ideia da criação da Liga, lançada em 1908, assinala a divisão entre as intelectuais monárquicas e republicanas adeptas da causa da emancipação feminina.

 

Em 1909, segundo A mulher e a criança, Ano 1, n.º1 de Abril, a comissão dirigente e proprietária é constituída por Ana de Castro Osório, Maria Benedita Mouzinho de Albuquerque Pinho e Fausta Gama. Com a implantação da República em 5 de Outubro de 1910, as feministas republicanas que militavam na Liga julgaram ter chegado o momento de apresentarem as suas reivindicações ao novo regime político. Ana de Castro Osório demitiu-se da Direção da Liga e da revista A mulher e a Criança em abril de 1911:


“A presidente da assembleia geral recebeu o pedido da demissão da presidente da direcção e nossa muito querida camarada, D. Anna de Castro Osorio, devido a ter de retirar brevemente para o Brazil […] reunida a assembleia geral em 21 de abril, para apreciar estas desistências, resolveu-se acceitá-l’as […].” (LRMP, 1911:12)


Maria Veleda foi, então, eleita para a substituir nos dois cargos, imprimindo à direção da coletividade um carácter mais revolucionário e combativo na luta pelos direitos de todas as mulheres.

 

 

P. M.

 

 

Bibliografia


ESTEVES, João (2010). “Dos salões literários ao associativismo pacifista, feminista, maçónico, republicano e socialista” [on-line]. Lagos da República [Camara municipal de Lagos].

[Consulta: 2 jan. 2014].

 

Liga Republicana das Mulheres Portuguesas (1910). “Estatutos da Liga Republicana das Mulheres Portuguezas”. in: A mulher e a criança, A. 2, n. 15 (ago. 1910), p. 8-11

 

Liga Republicana das Mulheres Portuguesas (1910). “Ultima hora”. in: A mulher e a criança, A. 2, n. 22 (mar. 1911), p. 12

 

Osório, Ana de Castro (1909). “Liga republicana das Mulheres Portuguêzas.” in: A mulher e a criança, A. 1, n. 1 (abr. 1909), p. 1-4

 

PIRES, Ana Maria Barros (2012). “A liga Republicana das Mulheres Portuguesas e a enfermagem no século XX”: leituras na imprensa feminista [online]. Revista de Enfermagem Referência, Vol. serIII, n. 8 (2012), p. 171-178 .

[Consulta: jan. 2014]

 

SAMARA, Maria Alice Dias de Albergaria (2010). As repúblicas da República: história, cultura política e republicanismo. Lisboa: [s.n.]. (Dissertação de Doutoramento em História Contemporânea Institucional e Política de Portugal).

 

SILVA, Maria Regina Tavares da (1983). “Feminismo em Portugal na voz de mulheres escritoras do início do século XXI.” in: Análise Social, Vol. 19, n. 77-78-79 (1983), p. 875-907

[Consulta: jan. 2014].

 


 





[1] Em 1907 surgiu o Grupo Português de Estudos Feministas, fundado e dirigido por Ana de Castro Osório e que marcou o início da liderança desta escritora no movimento feminista. E embora tenha sido uma experiência limitada a um núcleo restrito de intervenientes, com objetivos modestos, constituiu um marco ao ser a primeira agremiação que assumiu a palavra feminista na sua designação e ao evidenciar a preponderância das ativistas republicanas e maçónicas. Presidida por Ana de Castro Osório, teve a adesão de várias professoras e das médicas Adelaide Cabete, Carolina Beatriz Ângelo e Sofia Quintino, e procurou difundir os ideais feministas e doutrinar as portuguesas através da constituição de uma biblioteca especificamente virada para os seus interesses, propondo-se publicar estudos que tivessem por assunto a propaganda feminista no seu aspeto geral, de forma a contrariar o predomínio asfixiante das coleções românticas dirigidas às mulheres. (Cf. Esteves, 2010).

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