Portugal, na primeira década do Séc. XX, está
em nítida mudança político-social – o papel da mulher na sociedade e suas afirmações
são valores posto em causa. Desta forma, começam-se a esboçar movimentos feministas
que, a seu modo, vão traduzindo ideologias e movimentos culturais organizados. A
emancipação da mulher é, assim, entendida como tomada de consciência do valor da
pessoa e, acima de tudo, como definição do papel da mulher na sociedade. A revisão
da estrutura social portuguesa e, sobretudo, do papel da mulher foi progressivo
e moderado.
“Com certo vigor, a dado passo, o movimento feminista em Portugal é, no entanto,
sempre um movimento moderado, nunca declaradamente subversivo nem violento, mais
atento à satisfação das suas reivindicações pela força da persuasão, do direito
e da educação do que pela força dos gritos e das manifestações.” (Silva, 1983: 875)
Luta-se conscientemente pelos direitos e valores
femininos e em 1907, um grupo de mulheres instruídas fundou o Grupo Português
de Estudos Feministas[1],
com o objetivo de difundir ideais de emancipação feminina, fundar uma biblioteca
especializada, publicar estudos destinados a instruir e a educar a mulher portuguesa
nas suas funções de mãe vs. educadora. No entender de Pires (2012:174), “a educação
e instrução da mulher e a independência económica são assim dois dos campos de intervenção
mais expressivos desta associação”.
Este grupo foi dirigido por Ana de Castro Osório
e outras intelectuais (existiram algumas publicações rarefeitas). Em torno deste
efémero grupo, segundo Samara (2010:41), forma-se um importante núcleo feminista
que vai fundar a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, doravante denominada
por LRMP.
“Foi com a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas
(LRMP) que o feminismo se cruzou com o republicanismo, embora tivesse partilhado
outros combates como o do direito à educação. A sessão preparatória da fundação
da Liga em Agosto de 1908 foi presidida por Ana de Castro Osório e secretariada
por Bernardino Machado e Magalhães Lima, tendo lugar no Centro António José de Almeida.
A ideia de criação da Liga tinha tido origem nos republicanos, nomeadamente António
José de Almeida, que convidavam as senhoras a prestarem o seu concurso, de forma
organizada ao combate republicano.” (Samara, 2010:41).
Sexta-feira, 28 de agosto de 1908, assiste-se
à sessão preparatória da fundação da LRMP. Um grupo de ativistas femininas reúne-se,
no Centro António José de Almeida, sob a presidência de Ana de Castro Osório, que
foi secretariada por Bernardino Machado e Magalhães Lima. Nesta reunião, foram lançadas
as bases da criação da LRMP, organização feminina inspirada nos ideais maçónicos
e ligada ao Partido Republicano Português:
“Abrimos a nossa Revista com o discurso pronunciado na reunião preparatória
da Liga Republicana das Mulheres Portuguêsas, pela nossa illustre Presidente e presada
companheira de redação, D. Anna de Castro Osorio, porque elle diz bem qual a ideia
que presidiu á formação da Liga, e os fins que ella se propõe realizar […] Deixae-me
primeiro agradecer a imerecida honra que me foi feita pelos srs. Drs. Bernardino
Machado, Magalhães Lima e António d’Almeida, […].” (Osório, 1909:1)
Ainda que a ideia seja lançada em 1908 por
Ana de Castro Osório e António José de Almeida e apoiada por Bernardino Machado
e Magalhães Lima, acarinhada pelo Partido Republicano, a sedimentação da LRMP será
consolidada, mais tarde, com os Estatutos da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas,
aprovados em assembleia geral de 24 de Julho e 4 de Agosto de 1910 (A mulher
e a criança, A. 2, n. 15 agosto de 1910, p. 8). Os estatutos da LRMP são descritos
em seis capítulos:
― Capítulo I - Fins da associação;
― Capítulo II - Dever das sócias, Direitos das
sócias e Penalidades;
― Capítulo III - Assembleia geral e Eleições;
― Capítulo IV – Direcção;
― Capítulo V – Conselhos fiscais;
― Capítulo VI – Cobradora e empregada e Transitório.
A ata da reunião de assembleia geral realizada
em 24 de julho, de 1910, para revisão e modificação dos estatutos, datada em Lisboa,
24 de julho de 1910 foi assinada por Ana de Castro Osório, Ana Maria Gonçalves Dias
e Maria Veleda. Os Estatutos da LRMP estão datados de 4 de agosto de 1910 e foram
assinados por Maria Veleda, Ana Maria Gonçalves Dias e Georgina de Figueiredo.
Os objetivos da LRMP são, essencialmente, sociopolíticos
e pedagógicos. O Art. 1 do Capítulo 1 resume os fins da Liga: (i) orientar,
(ii) educar e (iii) instruir a mulher portuguesa:
“Orientar, educar e instruir, nos princípios
democráticos a mulher portuguesa, como mãe de família, esposa, filha, educadora,
tornando-a um indivíduo autónomo e consciente, pois que só um novo regímen libertado
de preconceito poderá trazer à sociedade portuguesa a consciência e responsabilidade
do povo livre e altivo.” (LRMP, 1910:8)
Como sabemos, o projeto LRMP foi apoiado pelo
Partido Republicano, que incentivava a luta reivindicativa das mulheres pela igualdade
de direitos que lhe permitisse uma maior intervenção na vida social, económica e
política do país. Também lhe interessava criar mais uma frente de combate à monarquia,
sobretudo, porque o sexo feminino era conotado com o obscurantismo religioso e o
conservadorismo político.
A exaltação da mulher, através de ideais republicanos
e democráticos, impulsionou a aliança entre feminismo e politica. A Liga, desta
forma, encontra terreno fértil para editarem A mulher e a criança, revista
distribuída gratuitamente às associadas e destinada a todo o público feminino –
toda a mulher, per si, constituiu a vanguarda revolucionária do movimento
social da emancipação feminina, um importante núcleo da propaganda republicana e
um precioso reduto na defesa e consolidação dos ideais da liberdade e democracia.
A LRMP foi, contudo, a primeira organização
político-partidária feminina - a ideia da criação da Liga, lançada em 1908, assinala
a divisão entre as intelectuais monárquicas e republicanas adeptas da causa da emancipação
feminina.
Em 1909, segundo A mulher e a criança,
Ano 1, n.º1 de Abril, a comissão dirigente e proprietária é constituída por Ana
de Castro Osório, Maria Benedita Mouzinho de Albuquerque Pinho e Fausta Gama. Com
a implantação da República em 5 de Outubro de 1910, as feministas republicanas que
militavam na Liga julgaram ter chegado o momento de apresentarem as suas reivindicações
ao novo regime político. Ana de Castro Osório demitiu-se da Direção da Liga e da
revista A mulher e a Criança em abril de 1911:
“A presidente da assembleia geral recebeu o pedido da demissão da presidente
da direcção e nossa muito querida camarada, D. Anna de Castro Osorio, devido a ter
de retirar brevemente para o Brazil […] reunida a assembleia geral em 21 de abril,
para apreciar estas desistências, resolveu-se acceitá-l’as […].” (LRMP, 1911:12)
Maria Veleda foi, então, eleita para a substituir
nos dois cargos, imprimindo à direção da coletividade um carácter mais revolucionário
e combativo na luta pelos direitos de todas as mulheres.
P. M.
Bibliografia
ESTEVES, João (2010). “Dos salões literários ao associativismo pacifista, feminista, maçónico, republicano e socialista” [on-line]. Lagos da República [Camara municipal de Lagos].
[Consulta: 2 jan. 2014].
Liga Republicana das Mulheres Portuguesas (1910).
“Estatutos da Liga Republicana das Mulheres Portuguezas”. in: A mulher e a criança,
A. 2, n. 15 (ago. 1910), p. 8-11
Liga Republicana das Mulheres Portuguesas (1910).
“Ultima hora”. in: A mulher e a criança, A. 2, n. 22 (mar. 1911), p. 12
Osório, Ana de Castro (1909). “Liga republicana
das Mulheres Portuguêzas.” in: A mulher e a criança, A. 1, n. 1 (abr. 1909),
p. 1-4
PIRES, Ana Maria Barros (2012). “A liga Republicana
das Mulheres Portuguesas e a enfermagem no século XX”: leituras na imprensa feminista
[online]. Revista de Enfermagem Referência, Vol. serIII, n. 8 (2012),
p. 171-178 .
[Consulta: jan. 2014]
SAMARA, Maria Alice Dias de Albergaria (2010).
As repúblicas da República: história, cultura política e republicanismo. Lisboa:
[s.n.]. (Dissertação de Doutoramento em História Contemporânea Institucional e Política
de Portugal).
SILVA, Maria Regina Tavares da (1983). “Feminismo
em Portugal na voz de mulheres escritoras do início do século XXI.” in: Análise
Social, Vol. 19, n. 77-78-79 (1983), p. 875-907
[Consulta: jan. 2014].
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