2025/11/20

As Bibliotecas e a História - A Biblioteca de Ebla - Tell Mardikh (atual, Síria) - Parte 2

 


As tabuinhas, ao estilo de uma moderna biblioteca, eram colocadas de modo ordeiro em prateleiras. Na sua generalidade, tratava-se sobretudo de textos comerciais e administrativos, económicos, diplomáticos, religiosos, até mesmo epistolares, que nos introduzem na vida do palácio.

«Em 1984, descobriram-se em Tell Brak, na Síria, duas tabuinhas de argila quase retangulares, datando do quarto milénio antes da nossa era. Vi-as, um ano antes da Guerra do Golfo, numa vitrina banal no Museu de Arqueologia de Bagdade. São objetos simples, pouco impressionantes, ambos portadores de umas marcas discretas: um buraquinho em cima e uma espécie de esboço de animal ao centro. Um desses animais talvez seja uma cabra e, nesse caso, o outro será provavelmente uma ovelha. O entalhe, dizem os arqueólogos, representa o número dez. Toda a nossa história começa com estas duas modestas tabuinhas.»

(Alberto Manguel, pág. 55)

 

A Escrita Cuneiforme – uma inscrição para a posteridade

A escrita cuneiforme dos sumérios é adaptada às exigências da língua eblaíta, de origem semita. O sistema gráfico cuneiforme é constituído por símbolos em forma de cunho, marcados na argila por meio de uma cana com uma ponta em forma de cunha. Na sua origem os símbolos representavam, em forma de pictograma, os objetos. Mais tarde, os símbolos evoluíram e passaram a representar uma só consoante. Tratou-se, de facto, de uma grande revelação, pois, até então, pensava-se que no terceiro milénio apenas os sumérios utilizassem a escrita e não se imaginava que as cidades sírias pudessem ter adotado, por sua vez, esse tipo de escrita.

 «Com o intuito de preservar as raras terras férteis, os mesopotâmios inventaram novas técnicas de irrigação e procedimentos arquitetónicos extraordinários e, para organizar uma sociedade crescentemente complexa, com as suas leis, edictos e regras comerciais, esses novos residentes urbanos desenvolveram, pelo final do quarto milénio, uma arte que modificaria para todo o sempre a natureza da comunicação entre os seres humanos: a arte da escrita.» 

(Alberto Manguel, pág. 234)

 

Ebla – uma biblioteca enciclopédica, 300 anos antes de Alexandria

Embora já se tivesse conhecimento de inscrições em escrita cuneiforme desde o século XVII, essas inscrições eram tidas como indecifráveis e, por vezes, consideradas mesmo como simples ornamentos. Tabuinhas com “pegadas de pássaros”, assim se referiam a essas inscrições. Acresce o facto da própria escrita cuneiforme ter sofrido alterações pela evolução que registou o que se reflete nas diferentes características e subtilezas encontradas nos fragmentos. Encontraram-se tabuletas com dados gerais sobre obras com referências à autoria, número de linhas e diversas informações complementares do documento.

Verificou-se, igualmente, que estes povos tinham alcançado um tal nível de cultura que os conduziu, mesmo, à elaboração de um dicionário e da primeira obra literária escrita: a “Epopeia de Gilgamesh”.

 

«A escrita cuneiforme sobreviveu efetivamente aos impérios da Suméria, de Acádia e Assíria, conservando a literatura de 15 línguas e cobrindo uma região ocupada atualmente pelo Iraque, pelo Irão ocidental e pela Síria. Não somos hoje capazes de ler as tabuinhas pictográficas como língua, porque desconhecemos o valor fonético dos seus signos; conseguimos apenas reconhecer uma cabra, uma ovelha. Mas os linguistas conseguiram reconstituir a pronúncia dos textos sumérios e acadianos mais tardios e podemos, ainda que de modo rudimentar, pronunciar sons gravados há milhares de anos.»

(Alberto Manguel, págs. 238 - 239)

 

De facto, entre as composições mitológicas e epopeias, sobressai a “Epopeia de Gilgamesh”, o épico da primeira dinastia babilónica, escrita um milénio antes de Homero (1900 a.C.). Gilgamesh, considerado o Ulisses assírio, é um herói em busca da imortalidade. Entre os diversos factos que aí são relatados, figura o dilúvio, confirmando, assim, a Bíblia; embora com um fundo teológico diferente. A versão mais completa que chegou aos dias de hoje consta de doze tabuinhas de argila. O babilónico antigo (2000 - 1500 a.C.), com o seu esplendor literário, é representado, também, por inúmeras inscrições, de onde sobressai o célebre “Código de Hamurabi”.

 

(continua)

JMG

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