2024/07/25

Nos 500 anos do nascimento de Camões - D. Manuel II e Camões - “O rei que amava os livros” (Parte III - Conclusão)

 

Camões como poeta laureado,
por François Gérard.
(Fonte: Wikipedia)

 

 

5. Camões e a camoniana de D. Manuel II

 

 

“Trabalhar o período dos descobrimentos, com o objetivo expresso de ‘erguer bem alto o nome do nosso paiz, demonstrar os feitos dos Portuguezes explica a reverência pela obra de Camões, a maior da literatura portuguesa. A importância de ‘Os Lusíadas’, e de toda a produção de Luís de Camões, constituirão o foco central em todo o processo de constituição da coleção. Infelizmente o volume III, onde deveria figurar o resultado desta intensa procura física e intelectual não chega a ser redigido pelo autor, surpreendido pela morte a 2 de julho de 1932.”

 

(Maria de Jesus Monge in D. Manuel II e os Livros de Camões, p. 23)

 

 

Do grande poeta que dará a conhecer ao mundo os grandes feitos dos portugueses (Camões), D. Manuel II possuía todas as edições quinhentistas e quase todas as publicadas nos séculos XVII e XVIII. Na verdade, relativamente às centenas de livros quinhentistas portugueses que possuía, D. Manuel é o maior bibliógrafo (“aquele que, com caráter de especialidade, escreve sobre livros”) de todos os tempos. Reuniu a camoniana mais importante na posse de um particular, integrando as mais completas edições quinhentistas e todas as sucessivas edições nacionais e estrangeiras, até 1800. Nela encontram-se exemplares da primeira edição d’Os Lusíadas, epopeia maior da língua portuguesa e única obra que Camões publica em vida, dedicando-a ao rei D. Sebastião. Nela, Camões foi capaz de documentar, de modo literário, a grandeza da conquista marítima de Vasco da Gama e os feitos e grandezas do povo português – o povo luso – tratado como herói coletivo na obra, algo diferente dos poemas épicos da Antiguidade. Outro ponto importante e inovador é o modo como, nesta obra, aspetos da religião católica se misturam com elementos da cultura greco-romana (deuses e musas), traço comum no Renascimento português. Contudo, a produção literária de Camões não se esgota no género épico, com Os Lusíadas. É importante, também, a sua produção lírica, com as “Rimas”, publicadas em 1595; o género dramático, com o seus autos e comédias (“Filodemo” e “El-Rei Seleuco”) e o didático, com as suas “Cartas”, inicialmente publicadas na sua obra “Rimas”.

 

“[…] a obra de Camões foi sendo editada em conformidade com o espírito de cada época. Apesar de todos os períodos se revelarem marcados pelo forte predomínio da publicação de ‘Os Lusíadas’, existem épocas em que a Lírica (ou mesmo o Teatro) são objeto de mais interesse; por fim, a obra de Camões surge publicada em conjunto, atestando a ideia de autor completo. A mesma variação é visível através dos diferentes tipos de edições, que ora surgem em registo de modéstia material, ora ganham uma feição ‘monumental’ e celebrativa.”

 

(José Augusto C. Bernardes in D. Manuel II e os Livros de Camões, p. 34)

 

 

 

6. A importância do legado de Camões

 

 

“Por motivos muito variados, no início de século XX, o período de Quinhentos era visto como a idade dourada não só da história de Portugal como da literatura que se escreveu em Português. Nessa medida, Camões era não apenas o cantor das glórias nacionais, mas também o profeta de grandezas futuras. No tempo de D. Manuel II, ler e estudar ‘Os Lusíadas’ constituía assim um exercício obrigatório para quem desejasse evocar o esplendor do século das descobertas e das conquistas, tomando-o como certeza de que o sentimento de declínio que parecia ter tomado conta do país era, afinal, reversível.”

 

(José Augusto C. Bernardes in D. Manuel II e os Livros de Camões, p. 32)

 

 

Portada da 1.ª edição d’Os Lusíadas.
(Fonte: www.fcbraganca.pt)

 

Tendo nascido na primeira metade do século XVI (1524 ou 1525), estima-se que Camões terá morrido por volta de 1579 ou 1580, tendo-se então tornado o maior escritor da renascença portuguesa. Desde essa data, que são inúmeras as pessoas interessadas em estudar a vida e a obra de Camões; vultos da cultura e literatura portuguesa como Jorge de Sena; Costa Pimpão; Agostinho de Campos; António Sérgio; Teófilo Braga; Carolina Michaëlis; Fidelino de Figueiredo; Gonçalo Lopes Vieira; José Maria Rodrigues; Brito Aranha; Oliveira Martins; o Visconde de Juromenha; Faria e Sousa, etc. etc.

 

O legado de Camões – de profundo significado literário, histórico, cultural e artístico –, torna-se, a cada passo, objeto de novos estudos, exposições, conferências e publicações. Poeta de feitos e de desventuras nacionais, Camões muito contribuiu para dar a conhecer ao mundo os grandes feitos dos portugueses na gesta dos mares e dos descobrimentos, enaltecendo, a um mesmo tempo, as virtudes, a importância e nobreza da língua portuguesa.

A celebração cultural dos 500 anos do seu nascimento vem promover o apreço contínuo e renovado pela sua obra, incentivando a reflexão sobre a riqueza e diversidade da herança histórica deixada por Camões. Cumpre, à geração do presente, resgatar o seu enorme talento poético e a capacidade ímpar de nos surpreender.

 

Luís de Camões morre em 1580, sendo enterrado, segundo Faria e Sousa, numa campa rasa na Igreja de Santa Ana, ou no cemitério dos pobres do mesmo hospital, segundo Teófilo Braga. Depois do terramoto de 1755, foram feitas várias tentativas frustradas para se reencontrar os despojos de Camões. A ossada, depositada em 1880 no túmulo que se encontra no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, é com toda a probabilidade de outrem.

Três anos após a revolução de 25 de abril de 1974, de que agora se comemoram os “50 anos”, Camões foi associado publicamente às comunidades portuguesas de além-mar, tornando-se a data da sua morte o “Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas”.

 

D. Manuel II morre em Inglaterra, em 1932, com apenas 43 anos de idade devido a um edema da glote e encontra-se sepultado no Panteão Real da Dinastia de Bragança, no Mosteiro de São Vicente de Fora, em Lisboa.

 

Nas palavras do Professor Doutor José Augusto Bernardes (op. cit., pp. 37 e 38): “No século XXI, Camões continua a ser editado: em formato de livro, como tem vindo a suceder desde 1572, mas também em formato eletrónico ou digital. […] porém, e contra algumas previsões e expectativas, o culto camoniano mantém-se vivo”.

 

JMG

 

REFERÊNCIAS E SUGESTÕES:

(BIBLIOGRAFIA, WEBGRAFIA e ILUSTRAÇÕES)

 

BERNARDES, José Augusto Cardoso, et al. (2015). D. Manuel II e os livros de Camões. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian e Fundação da Casa de Bragança.

CABRAL, António (1933). Cartas D’El-Rei D. Manuel II: o homem, o rei, o portuguez – noticias e revelações – memorias politicas. Lisboa: Livraria Popular de Francisco Franco.

CARVALHO, Joaquim de (1950). Livros de D. Manuel II. Coimbra: Atlântida.

FUNDAÇÃO DA CASA DE BRAGANÇA (2024). Biblioteca [em linha]. [Consult. 21.06.2024]. Disponível: https://www.fcbraganca.pt/biblioteca/biblioteca-paco-ducal/

GUEDES, Carmina Correia (2004). A educação dos príncipes no Paço da Ajuda (1863-1884). Lisboa: Ministério da Cultura; IPPA; Palácio Nacional da Ajuda.

JACOBETTY, Susana (2024). Os livros extraordinários de D. Manuel II. [em linha]. [Consult. 21.06.2024]. Disponível: https://amagazinept.org/2024/03/19/os-livros-extraordinarios-de-d-manuel-ii/

MARTINS, José V. de Pina Martins (1989). Um grande português D. Manuel II 1889-1932 através de alguns livros da sua biblioteca. Lisboa: Fundação da Casa de Bragança.

MONARQUIA PORTUGUESA (2024). Rei D. Manuel II no exílio em Fulwell Park, Inglaterra. [em linha]. [Consult. 19.06.2024]. Disponível: https://monarquiaportuguesa.blogs.sapo.pt/rei-dom-manuel-ii-no-exilio-em-fulwell-211064

MONGE, Maria de Jesus, et al. (2018). A educação dos príncipes nas coleções do museu-biblioteca da Casa de Bragança. Vila Viçosa: Fundação da Casa de Bragança.

PROENÇA, Maria Cândida (2006). D. Manuel II. Lisboa: Círculo de Leitores.

RUAS, João (2002-2004). Biblioteca de D. Manuel II (2 vol.). Caxias: Fundação da Casa de Bragança.

SERRÃO, Joaquim Veríssimo (1991). No primeiro centenário de el-rei D. Manuel II (1889-1932). Lisboa: Academia Portuguesa da História.

VILLAS-BOAS, Miguel (2015). D. Manuel II, o bibliógrafo. [em linha]. [Consult. 18.06.2024]. Disponível: https://plataformacidadaniamonarquica.wordpress.com/2015/06/08/dom-manuel-ii-o-bibliografo/

WIKIPÉDIA (2024). Luís de Camões [em linha]. [Consult. 26.06.2024]. Disponível: https://pt.wikipedia.org/wiki/Lu%C3%ADs_de_Cam%C3%B5es


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