(Imagens de algumas representações teatrais)
O Arquivo Histórico do Ministério
da Educação (AHME) é detentor de documentação fundamental para a compreensão da
evolução histórica do atual Teatro Nacional D. Maria II. Através da Repartição
de Instrução Artística (RIA) e principalmente através da Direção Geral do
Ensino Superior e Belas Artes (DGESBA), podemos traçar com algum detalhe a
história deste teatro nacional. Desde a nota da exploração do então Teatro
Nacional Almeida Garrett pela “Sociedade Artística do Teatro Nacional Almeida
Garrett”, datada de 11 de maio de 1914, passando pelas sucessivas revisões de
contratos de adjudicação pela concessionária “Companhia Amélia Rey
Colaço-Robles Monteiro”, despacho da reabertura do teatro antes da conclusão
das obras, datado de 29 de janeiro de 1930, cedência pelo Teatro Nacional de
São Carlos (TNSC) de uma roca de pedal e uma sanfona a Robles Monteiro, datada
de 27 de janeiro de 1931 até ao deferimento de autorização para a realização de
uma conferência literária por Mme. Marcelle Tynaire, datada de 21 de fevereiro
de 1931, são vários os motivos para os quais se dá agora uma breve notícia
histórica.
(Imagem de alguns atores e de uma cortina de teatro onde está escrito "Os Maias")
Fundada pelo casal Amélia Rey
Colaço e por Manuel Robles Monteiro, a Companhia de teatro durou 53 anos
(1921-74), sendo considerada a companhia de teatro mais duradoura da Europa. A
estreia da Companhia ocorreu com a representação em cena a 18 de junho de 1921
no Teatro Nacional de São Carlos (TNSC) com a peça “Zilda” de Alfredo Cortez, demarcando-se da tradição dos
espetáculos do Teatro Nacional, de onde acabavam de sair, para formar esta nova
companhia. Em 1921, candidataram-se à exploração do então Teatro Nacional
Garrett (futuro Dona Maria II), ganhando o concurso, malgrado as condições
pouco apelativas do concurso quanto à concretização da função de um Teatro
Nacional, aos custos associados, considerando as parcas ou nulas contrapartidas
financeiras. Logo a 30 de dezembro desse mesmo ano estreiam-se em palco com “Peraltas e Sécias” de Marcelino
Mesquita. Foi a Companhia residente do Teatro Nacional Dª Maria II (TNDM II) de
1929 a 2 de dezembro de 1964, quando ocorreu o incêndio que destruiria o
edifício e todo o recheio do teatro nacional. Ainda assim, a 15 de dezembro, 13
dias depois do nefasto acontecimento, a Companhia apresentou-se nas Portas de
Santo Antão (Coliseu de Lisboa), com a peça “Macbeth”
de William Shakespeare sem cenários e de luto. Depois do incêndio, ocuparam o
Teatro Avenida, o Capitólio no Parque Mayer e o Teatro da Trindade, ao Bairro
Alto.
(Imagem de uma atriz e respetivo figurino para uma representação teatral)
Durante a década de `30, construíram um
repertório nacional de 116 peças portuguesas, das quais 63 foram estreias
nacionais. Durante as décadas seguintes levaram a cena (mise en scene, na terminologia francesa) grandes autores
contemporâneos nacionais e estrangeiros, como José Régio, Bernardo Santareno,
Francisco Rebello, Luís de Sttau Monteiro, Eugene O`Neill, Brech, Pirandello,
Cocteau, Arthur Miller, Ionesco, Francisco Garcia Lorca, entre outros. As
representações mais modernas eram fortemente censuradas pelo regime político,
obrigando a fortes negociações por parte de Amélia Colaço e Robles Monteiro. Esta caraterística foi uma constante ao longo da vida da
Companhia, cujo percurso “resume
paradigmaticamente a história do teatro português sob o fascismo – no que fez,
no que não fez e no que não lhe foi permitido fazer” (REBELLO 2000: 137).
(Imagem da capa da obra "Vinte Anos no Teatro Nacional Dona Maria II")
Em
1931, estreou mundialmente “Um sonho, mas
talvez não”, de Luigi Pirandello, com a presença do autor; estreou ainda
uma placa giratória no palco, com “D.
Sebastião” (1933), de Tomaz Ribeiro Colaço e em 1940 “O padre Setúbal” de Maeterlinck, escrita propositadamente para a Companhia.
A partir de 1934 a Companhia fez várias digressões pela designada província,
encenando grandes espetáculos ao ar livre, como o “Auto de Santo António” no adro da Sé de Lisboa (1934), a “Castro” no mosteiro de Alcobaça (1935),
ou “Sonho de uma noite de Verão”
(1944) no parque de Palhavã. Concomitantemente, organizou vários ciclos de
conferências no Nacional, com oradores nacionais e estrangeiros a fim de
alargar os horizontes culturais além da arte estritamente teatral.
Amélia
Rey Colaço foi desde sempre uma figura proeminente na vida da Companhia, não só
na arte estrita de representação, mas e sobretudo, no que dizia respeito à
escolha de repertórios, pela distribuição dos papéis e na maioria dos casos
pela montagem e decoração ( a designada encenação teatral), cujo requinte
constituía uma imagem de marca. A Robles Monteiro, embora com representações
mais esporádicas, cabiam outras funções de carácter administrativo e
organizacional. Após a sua morte, em 1958, este papel foi sendo assumido por
Amélia e pela filha Mariana Rey Monteiro, que dividia também com a mãe a
direção de grupo.
A
Companhia foi responsável pelo lançamento de atores de grande renome do futuro
panorama teatral, como Raúl de Carvalho, Maria Lalande, Eunice Muñoz e Cármen
Dolores, entre outros. Embora bem consolidada no panorama artístico nacional, a
Companhia era muito exigente em matéria de coesão e disciplina, lançado para
esse efeito o “Regulamento dos ensaios e
espetáculos” datado de 1965.
(Imagens de páginas do Regulamento de ensaios e espetáculos)
Em 1967, novo incêndio assola a Companhia no
Teatro Avenida, aquando da representação de “Feliz
Aniversário” de Pinter, obrigando toda a Companhia a deslocar-se para o
Capitólio (1968-70). Já no Parque Mayer, a Companhia enfrenta novo incêndio,
quando se encontrava em representação “Equilíbrio
Instável” de Edward Albee. Numa fase final, a Companhia deslocou-se para o
Teatro Trindade, partilhando as representações com uma companhia de Ópera e
Opereta. As crescentes dificuldades financeiras e o desinteresse do público – a
que não seriam estranhos os tempos conturbados que se viviam no Portugal de
abril de 1974 -, levaram a fundadora Amélia Rey Colaço a encerrar a Companhia
em maio de 1974, após 53 anos de atividade ininterrupta.
(Documento de encerramento da Companhia de Amélia Rey Colaço)
Embora
extinta a Companhia em ano de revolução, para os mais saudosos ainda é bom
recordar a participação de Mariana Rey Monteiro, no papel da matriarca Dona
Efígénia Augusta Lorena Marques Vila, presidente da administração da Sociedade Vinícola Marques Vila, Lda., na
primeira telenovela portuguesa, Vila Faia,
(RTP, maio a setembro de 1982), contracenado entre outros, com os consagrados
Ruy de Carvalho, Nicolau Breyner, António Feio, Tozé Martinho e Rosa Lobato
Faria – estes quatro últimos já falecidos -, Ana Zanatti, Francisco Nicholson,
Glória de Matos, Vítor Norte e Margarida Carpinteiro, provas inequívocas que o
teatro e a arte de representação nacionais continuam com vitalidade e em grande
performance criativa.
M.M.
Outras
propostas de leitura:
BARROS,
Júlia Leitão de (2009). Fotobiografias
século XX: Amélia Rey Colaço. Lisboa: Círculo de Leitores.
MARQUES,
Paulo (2008). Amélia Rey Colaço:
a Imperadora (1898-1990). Lisboa: Parceria A. M. Pereira Livraria
Editora/Público.
REBELLO,
Luiz Francisco (2000). Breve
história do teatro português, 5ª ed. Mem Martins: Publicações
Europa-América.
___
(2010). Três espelhos: uma visão
panorâmica do teatro português do Liberalismo à Ditadura (1820-1926).
Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda.
SENA,
Jorge de (1988). Do teatro em
Portugal. Lisboa: Edições 70.
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