2015/09/23

Silveira Ramos fala sobre o "Guião: revista para graduados da Mocidade Portuguesa"

(Imagem de Alberto Coutinho da Silveira Ramos - 1902-1977)



“O nosso inspetor Silveira Ramos, como é conhecido por gerações de graduados do Algarve, que passaram pela E.R.G.A., trabalha na M.P. desde a primeira hora. Diretor em 1938 do Centro do Liceu de Faro, é Delegado Provincial do Algarve em 1940. Cria a primeira Casa da Mocidade do País e desenvolve intensa atividade com um punhado de graduados e dirigentes entusiastas. Em 1942 vem para Lisboa e presta valorosa assistência à equipa do “Guião” - revista dos graduados - onde ainda insere numerosos artigos dedicados às técnicas de formação de rapazes. A partir de 1948 trabalha na E.R.G.A. (Escola Regional de Graduados do Algarve), de que assume o comando no ano seguinte. Presentemente é Diretor - no Liceu Normal de Pedro Nunes de Lisboa – de um curso da M.P. em que os alunos são professores estagiários dos Liceus […]” (Talha-Mar: jornal dos graduados, 1958).

Alberto Coutinho da Silveira Ramos numa numa entrevista publicada na Revista Talha-mar: Jornal dos graduados em 1966, esboça curiosidade e objetivos do Guião: revista para graduados.

À pergunta, como surgiu a ideia de lançar o Guião: revista para graduados, Silveira Ramos fundamenta tal necessidade para aperfeiçoar os graduados, quer a nível técnico, quer a nível pedagógico:

1.    Dinamizar experiências – a Escola Central de Graduados, cujo Diretor foi o Major Ribeiro Viana e o Impostor Fialho Rico, apresenta resultados inestimáveis na formação de graduados. Torna-se indispensável o aproveitamento epistemológico deste saber prático e divulga-lo através da imprensa periódica;
2.     Formação continua – continuar a formação de graduados e ativar as atividades gerais dos graduados através de uma revista com pedagogias adequadas;
3.    Divulgar o regime – impregnar os instruendos com elementos de “portuguesismo na sua atuação”;
4.    Entusiasmar – manter o ideal através da missão de realizar a “educação do rapaz pelo rapaz”   

Apesar desta preocupação “nacionalista”, a publicação permaneceu apenas quatro anos, desde 1949 (n. 1, 28 de maio 1949) até 1953 (n. 22, fev. 1953). Não obstante, teve continuidade em outra publicação com formato e objetivos similares (Talha-Mar: revista para graduados). A “morte” do Guião deve-se, segundo Silveira Ramos, ao “gosto de mudar por mudar e de apresentar coisas novas, deixando de aproveitar a experiência já feita.”

A entrevista que transcrevemos na íntegra aborda vários assuntos referentes ao Guião: revista para graduados e, sobretudo, a continuidade desta publicação periódica – Talha-mar; revista para graduados. Silveira Ramos refere-se às necessidades da continuação de estudos, assim sendo, as revistas são excelentes instrumentos pedagógicos – “o Guião dos graduados ressuscitou no Talha-mar.” Este simples aspeto veio demonstrar a eficácia das publicações periódicas para o ensino cooperativo. 

Passemos, então à entrevista:


Passados oito anos da fundação do “Talha-Mar”, não quisemos deixar de registar nas nossas colunas o depoimento de uma pessoa que desde sempre tem acompanhado a M. P., e muito especialmente as iniciativas dos seus Graduados. Atenção, pois, o I. Q. Dr. Silveira Ramos vai falar.

  
Diga-nos, Senhor Inspetor, passados oito anos da fundação do “Talha-Mar”, algo que possa interessar à História do “Talha-Mar” e à História da M. P.
̶   As suas palavras sugerem, para já, algumas perguntas.

O Senhor inspetor, com a sua predileção pela arte de perguntar, faz lembrar o processo utilizado por Sócrates na procura da Verdade.
̶   Sócrates. Mestre admirável da Arte de interrogar, meu Mestre e Mestre de Todos os Educadores que procurem incessantemente, como ele, distinguir o verdadeiro do falso, o justo do injusto, o ensino passivo com discurso da educação ativa com diálogo… Quando tinha a vossa idade, estudava Ciências Físico-químicas na Universidade do Porto, mas nada sabia de Sócrates nem mesmo de Filosofia, que mais tarde reconheci ser indispensável para realizar uma Educação a sério.


Mas não estudou Filosofia no curso liceal?
̶  Nem um segundo! Frequentei o Curso Complementar de Ciências no Liceu de Alexandre Herculano (Porto), em 1918-1919 e 1919-1920. Neste tempo, quem seguia Ciências não estudava Filosofia. É estranho, mas é assim mesmo. Sou um “self-made man” em Filosofia, para utilizar uma maneira de dizer corretamente usada pelos anglo-saxónicos. Quanto a Inspetor, deixe-me dizer-lhe que não inspecionou nada. Isto vem de que, em 1940, fui nomeado Delegado Provincial do Algarve, como então se dizia, e, tendo deixado a delegação em 1942, fiquei com o posto que tinha – Inspetor. Esta designação fica melhor, quanto a mim, quando é substituída pela de Inspetor-Orientador. Mas está assim determinado e não falemos mais nisso.

De facto, o aspeto positivo da orientação é sempre indispensável e bom é que fique bem explícito.
 ̶  Por reconhecer que é assim, tenho procurado esclarecer-me a mim mesmo nos assuntos pedagógicos e projetar esse esclarecimento. Toda a Ação foi Pensamento; será eficaz, se o Pensamento é claro e bem trabalhado, será ineficiente ou medíocre, se o Pensamento for confuso, abstrato ou desligado das realidades objetivas  ̶  daí a necessidade de cultivar a Reta Razão.

Que me diz relativamente à história do “Talha-Mar”?
̶  A História do “Talha-Mar” deve ser feita por uma equipa, nunca por um só. Vou dar-lhe achegas que, juntas a outras, podem ser úteis ao que pretende.

Ouvi-lo-ei com muito gosto.
Sempre gostei muito da História – História da Física, História da Química, História da Medicina, História da M. P., etc. – porque os ensinamentos que resultam do seu estudo, o encadeamento das ideias e dos factos tal como realmente surgiram, o conhecimento do esforço da vontade e da persistência desse esforço, o exemplo dos homens que se entregaram a um ideal útil aos outros e à construção do futuro – os ensinamentos que se colhem, ia a dizer, valorizam a nossa maneira de pensar e de agir.

Faltou falar da História de Portugal
– Devo dizer que a história de Portugal, que adoro e recomendo a todos os portugueses que a estudem, saboreando-a, nem sempre a vi da mesma maneira. Quando a aprendi, para cumprimento dos programas escolares (Ministério da Instrução), nunca me fizeram sentir o prazer espiritual e a Formação Portuguesa que deve acompanhar o seu estudo. Agora (Ministério da Educação) em muita parte deve ser o mesmo. O “Talha-Mar” e o Boletim MP” têm procurado desenvolver o gosto pelo estudo da História Pátria, passada e atual, por vários meios. É preciso dar Alma a esse estudo. O “Boletim MP” tem feito uns questionários que me parecem ser muito úteis. Não sei até que ponto terão sido realizados…

Desde que se aplique o que lá vem, nada serve o que lá se escreve.
– Sim, temos de compreender claramente a diferença entre palavras e factos. Indicamos os processos, fornecemos os elementos; os Dirigentes e Graduados na sua atuação nas Atividades Gerais e juntamente com as práticas gimnodesportivas devem aproveitar todas as oportunidades para realizar Formação Portuguesa.

 Se assim não for, não passamos de músculos e competições.
– E como ninguém pode dar aquilo que não tem, segue-se que há necessidade de estudos e meditação – desse estudo e meditação que o “Talha-Mar” fomenta e o “Boletim MP” também.

Embora interessante tudo o que acaba de dizer, não nos desviemos do rumo ­ colher elementos para a História da M. P. e do “Talha-Mar” em especial.
– Tenho muito para lhe dizer. Reconheço ser impossível condensá-lo numa só entrevista. O que lhe vou dizer fica muito incompleto, mas, certamente, é melhor do que nada.

“O bom é inimigo do ótimo” – o conhecido aforismo tem aqui, também, a sua aplicação.
̶  É assim mesmo como diz. E como a História de Portugal começa antes de D. Afonso Henriques, com os Lusitanos e o seu grande Chefe Viriato, assim também a História do “Talha-Mar” vem de trás. Vem da admirável Revista dos Graduados – “O Guião”.

 Recorda-se bem dos Graduados que serviram no “Guião”?
̶  Se me recordo, desses admiráveis soldados da Campanha da Educação Nacional  ̶   o C. F. Castelo Branco (Diretor de início), o C. F. Carlos Lima (Diretor que se lhe seguiu), o C. B. Elmano Alves, o C. F. Tovar de Lemos, o C. F. José Palmeirim, o C. F. Fernando Lima e outros!

Como surgiu a ideia de lançar “O Guião”?
̶   A Escola Central de Graduados tinha por essa época como Diretor o então Major Ribeiro Viana e o I. Q. G. Fialho Rico. Tanto a um como a outro, a M. P., neste campo de Formação de Graduados, ficou devendo inestimáveis serviços. Tornava-se necessário continuar pelo ano fora a Formação dos Graduados, ativar as Atividades Gerais, prolongar a Escola através de uma Revista que relembrasse os conhecimentos pedagógicos e técnicos, que aperfeiçoasse os Graduados ao contacto com a Ação Educativa, que os levasse a repensar nos problemas, que impregnasse de Portuguesismo a sua atuação  ̶   em suma, que mantivesse e aumentasse a chama do ideal e do entusiasmo, e também dos conhecimentos técnicos, em quem tinha a alta missão de realizar a educação do rapaz pelo rapaz. O I. Q. G. Fialho Rico foi o grande animador de “O Guião”, como Dirigente “sempre presente, nunca adsorvente”.

O Senhor Inspetor esteve também junto dos Graduados de “O Guião”?
̶  Fui desde 1949 o Diretor da Escola Regional de Graduados do Algarve (curso de Verão)  ̶  compreendia o Algarve e o Baixo Alentejo  ̶ , que tinha sido fundada em 1943 pelo Dr. J. Romão Duarte, então Delegado Provincial do Algarve. De modo que fui também chamado para acompanhar “O Guião” nesta missão de realizar o Binómio Dirigente-Graduado, sempre tão necessário para atingirmos os nossos objetivos.

Quando saiu o primeiro “Guião”?
̶   a 28 de maio de 1949.

E o último?
̶   O último, que é o número 22, deve ter saído por janeiro ou fevereiro de 1953.

Porque é que morreu uma Revista tão boa e tão útil?
̶   Quanto a mim, há uma causa profunda que está na base da sua extinção e que se encontra muitas vezes na vida portuguesa ­  ̶   o gosto de mudar por mudar e de apresentar coisas novas, deixando de aproveitar a experiência já feita. O “Guião” ̶   Revista do Graduado, foi substituído por um Jornal para Todos.

Que nome tinha esse Jornal?
̶   Também se chamada “Guião”, apesar de o nome se referir ao guião da Escola da Escola de Graduados.

Mas é estranho que se tenha utilizado o mesmo nome.
̶   Eu também penso que sim. Mas as coisas passaram-se desta forma.

Deveriam ter sofrido muito com o desaparecimento da Revista dos Graduados  ̶   “O Guião”!
­ ̶   Muitíssimo, meu amigo, como pode calcular; lembro-lhe de ter dito para o I. Q. G. Fialho Rico: Morreu “O Guião” (Revista dos Graduados), mas “O Guião” há de ressuscitar!

Quando começou o novo “Guião”?
̶  O primeiro número saiu a 1 de maio de 1953.

E tinha condições de vida?
̶   Como nunca.

Quando terminou?
̶   Com o número 83, que tem a data de 27 de abril de 1957.

Acha bem o Jornal para Todos?
̶   Sim. Mas há que equacionar este problema  ̶   como outros que nos aparecem  ̶   entrando com todos os dados. Um deles é a questão das prioridades. Se se dispõe de meios suficientes  ̶   este Jornal para Todos é muito útil. Mas se não se dispõe, tem prioridade um Jornal de Graduados. Que serva de lição com que a experiência veio enriquecer os nossos conhecimentos. Como vê, a História é sempre útil.

Mas há quem não aprenda com a experiência
̶   Talvez é verdade  ̶   a estupidez humana tem muita força. É uma realidade que temos de aceitar.

E quanto ao Boletim para os Dirigentes?
̶   Morreu também pela mesma ocasião.

E não foi substituído?
̶   Foi, sim, de certo modo, mas de uma maneira que logo se me afirmou eficaz.

E como se chamava?
̶   “Esmeraldo”.

Era boa, essa publicação?
̶   Era boa sob o ponto de vista cultural; mas se considerarmos o outro aspeto de formação da vida quotidiana das nossas Atividades e da maneira como se deviam realizar para decorrerem dentro do estilo de vida M. P.  ̶   nada nos dizia.

O que lhe sucedeu?
̶   Morreu ao fim de algum tempo, como não podia deixar de ser. O número 1 saiu em 1954 e o número 13 (o último) em 1956.

E depois?
̶   Depois… o vácuo.

Causou prejuízo à vida e progresso da nossa Organização?
̶   Sim; estragos fáceis de compreender e difíceis de reparar. Como sabe, as nossas Atividades Gerais e o nosso campismo Educativo, embora parte de um TODO, são de importância essência. Através delas é que o Graduado atua principalmente como Chefe de rapazes. E o bom Graduado depende em grande parte do bom Dirigente.

E depois desse vácuo?
̶   O “BOLETIM MP” voltou a aparecer em janeiro de 1964, cerca de oito anos depois!

E quanto a “O Guião”?
Estávamos a 5 de abril de 1958, dia memorável para a Educação Nacional (muita gente não entenderá assim, mas isso é lá com eles). O “Guião” dos Graduados ressuscitou no “Talha-Mar”.

Tanto dirigentes como Graduados deviam ter sentido uma grande alegria quando surgiu o novo Jornal dos Graduados.
– Imensa como pode calcular.

Pode juntar alguns pormenores?
Sob a direção do C. F. Fernando Lima, que, com inteligência e com alma, concretizou o pensamento do I Encontro Nacional de Graduados (1 a 4 de Agosto de 1957); com as condições de vida que lhe deu o Dr. Romão Duarte, então Comissário Nacional Adjunto, iniciou-se a vida do “Talha-Mar”. Havia um Corpo de Graduados bem definido e uma atuação desse Corpo como comunidade educacional ao nível rapaz. Era necessário criar nas sedes das Divisões os Núcleos de Graduados. Havia que dinamizar todo o Corpo. O “Talha-mar”, sem descurar a Doutrina e a Técnica da M. P., tinha agora a principal função de servir de apoio à realização do Movimento.

Continua confiando no “Talha-Mar”?
– Confio tanto – e não é um confiar teórico e abstrato, mas concreto e feito de real convívio – que, sem “Talha-Mar”, não acredito na eficiência do Corpo de Graduados; sem Graduados, não acredito na possibilidade de compreensão, nem na realização do muito que há ainda a fazer pela vida e progresso da Educação Nacional.

Tem mais alguma coisa a dizer-nos?
– Só mais duas palavras, por agora. A História de Portugal, do passado e de hoje, pode comparar-se a uma luta de tração: de um lado, estão o Infante D. Henrique e Nun’Alvares Pereira – nossos Patronos; todos “aqueles que por obras valerosas se vão da lei da morte libertando”; os Soldados e Marinheiros desconhecidos da História Pátria de todos os tempos; aqueles que estão servindo nas Forças Armadas nos tempos de hoje; os Dirigentes; graduados e Filiados da M. P. e da M. P. F.: e todos os que, na sua profissão ou no seu lar realizam no dia-a-dia, conscientemente, como Portugueses, a vida e o progresso da Nação […].

A equipa “Talha-Mar”, sector da M. P. que, por sua vez, faz parte da Educação Nacional, lá está do lado dos Patronos! Nesta luta escolheu o lado onde está a Bandeira vitoriosa de Aljubarrota.

Com esta Bandeira – a de D. João I – venceremos!





Referências bibliográficas


Talha-mar: jornal dos graduados. N. 1 (1958).

Talha-mar: jornal dos graduados. N. 109 (1966).


P. M. 



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