(Imagem de Alberto Coutinho da Silveira Ramos - 1902-1977)
“O nosso inspetor Silveira
Ramos, como é conhecido por gerações de graduados do Algarve, que passaram pela
E.R.G.A., trabalha na M.P. desde a primeira hora. Diretor em 1938 do Centro do
Liceu de Faro, é Delegado Provincial do Algarve em 1940. Cria a primeira Casa
da Mocidade do País e desenvolve intensa atividade com um punhado de graduados
e dirigentes entusiastas. Em 1942 vem para Lisboa e presta valorosa assistência
à equipa do “Guião” - revista dos graduados - onde ainda insere numerosos
artigos dedicados às técnicas de formação de rapazes. A partir de 1948 trabalha
na E.R.G.A. (Escola Regional de Graduados do Algarve), de que assume o comando
no ano seguinte. Presentemente é Diretor - no Liceu Normal de Pedro Nunes de
Lisboa – de um curso da M.P. em que os alunos são professores estagiários dos
Liceus […]” (Talha-Mar: jornal dos
graduados, 1958).
Alberto Coutinho da Silveira Ramos numa numa
entrevista publicada na Revista Talha-mar:
Jornal dos graduados em 1966, esboça
curiosidade e objetivos do Guião: revista para graduados.
À pergunta, como surgiu a ideia de lançar o Guião:
revista para graduados, Silveira Ramos fundamenta tal necessidade para aperfeiçoar
os graduados, quer a nível técnico, quer a nível pedagógico:
1.
Dinamizar
experiências – a Escola Central de Graduados, cujo
Diretor foi o Major Ribeiro Viana e o Impostor Fialho Rico, apresenta
resultados inestimáveis na formação de graduados. Torna-se indispensável o
aproveitamento epistemológico deste saber prático e divulga-lo através da imprensa
periódica;
2.
Formação continua – continuar a
formação de graduados e ativar as atividades gerais dos graduados através de
uma revista com pedagogias adequadas;
3.
Divulgar
o regime – impregnar os instruendos com elementos de
“portuguesismo na sua atuação”;
4.
Entusiasmar –
manter o ideal através da missão de realizar a “educação do rapaz pelo rapaz”
Apesar desta preocupação “nacionalista”, a
publicação permaneceu apenas quatro anos, desde 1949 (n. 1, 28 de maio 1949)
até 1953 (n. 22, fev. 1953). Não obstante, teve continuidade em outra
publicação com formato e objetivos similares (Talha-Mar: revista para graduados). A “morte” do Guião deve-se,
segundo Silveira Ramos, ao “gosto de mudar por mudar e de apresentar coisas
novas, deixando de aproveitar a experiência já feita.”
A entrevista que transcrevemos na íntegra
aborda vários assuntos referentes ao Guião:
revista para graduados e, sobretudo, a continuidade desta publicação
periódica – Talha-mar; revista para
graduados. Silveira Ramos refere-se às necessidades da continuação de
estudos, assim sendo, as revistas são excelentes instrumentos pedagógicos – “o Guião dos graduados ressuscitou no Talha-mar.” Este simples aspeto veio
demonstrar a eficácia das publicações periódicas para o ensino cooperativo.
Passemos,
então à entrevista:
Passados oito anos da fundação do
“Talha-Mar”, não quisemos deixar de registar nas nossas colunas o depoimento de
uma pessoa que desde sempre tem acompanhado a M. P., e muito especialmente as
iniciativas dos seus Graduados. Atenção, pois, o I. Q. Dr. Silveira Ramos vai
falar.
Diga-nos, Senhor Inspetor, passados
oito anos da fundação do “Talha-Mar”, algo que possa interessar à História do
“Talha-Mar” e à História da M. P.
̶ As suas palavras sugerem, para já, algumas
perguntas.
O Senhor inspetor, com a sua
predileção pela arte de perguntar, faz lembrar o processo utilizado por
Sócrates na procura da Verdade.
̶ Sócrates. Mestre admirável da Arte de
interrogar, meu Mestre e Mestre de Todos os Educadores que procurem
incessantemente, como ele, distinguir o verdadeiro do falso, o justo do
injusto, o ensino passivo com discurso da educação ativa com diálogo… Quando tinha
a vossa idade, estudava Ciências Físico-químicas na Universidade do Porto, mas
nada sabia de Sócrates nem mesmo de Filosofia, que mais tarde reconheci ser
indispensável para realizar uma Educação a sério.
Mas não estudou Filosofia no curso
liceal?
̶ Nem um segundo! Frequentei o Curso
Complementar de Ciências no Liceu de Alexandre Herculano (Porto), em 1918-1919
e 1919-1920. Neste tempo, quem seguia Ciências não estudava Filosofia. É
estranho, mas é assim mesmo. Sou um “self-made man” em Filosofia, para utilizar
uma maneira de dizer corretamente usada pelos anglo-saxónicos. Quanto a
Inspetor, deixe-me dizer-lhe que não inspecionou nada. Isto vem de que, em
1940, fui nomeado Delegado Provincial do Algarve, como então se dizia, e, tendo
deixado a delegação em 1942, fiquei com o posto que tinha – Inspetor. Esta
designação fica melhor, quanto a mim, quando é substituída pela de
Inspetor-Orientador. Mas está assim determinado e não falemos mais nisso.
De facto, o aspeto positivo da
orientação é sempre indispensável e bom é que fique bem explícito.
̶ Por
reconhecer que é assim, tenho procurado esclarecer-me a mim mesmo nos assuntos
pedagógicos e projetar esse esclarecimento. Toda a Ação foi Pensamento; será
eficaz, se o Pensamento é claro e bem trabalhado, será ineficiente ou medíocre,
se o Pensamento for confuso, abstrato ou desligado das realidades objetivas ̶ daí
a necessidade de cultivar a Reta Razão.
Que me diz relativamente à história do
“Talha-Mar”?
̶ A História do “Talha-Mar” deve ser feita por
uma equipa, nunca por um só. Vou dar-lhe achegas que, juntas a outras, podem
ser úteis ao que pretende.
Ouvi-lo-ei com muito gosto.
– Sempre
gostei muito da História – História da
Física, História da Química, História da Medicina, História da M. P., etc. – porque
os ensinamentos que resultam do seu estudo, o encadeamento das ideias e dos
factos tal como realmente surgiram, o conhecimento do esforço da vontade e da
persistência desse esforço, o exemplo dos homens que se entregaram a um ideal
útil aos outros e à construção do futuro – os ensinamentos que se colhem, ia a
dizer, valorizam a nossa maneira de pensar e de agir.
Faltou
falar da História de Portugal
– Devo dizer que a história de Portugal, que adoro
e recomendo a todos os portugueses que a estudem, saboreando-a, nem sempre a vi
da mesma maneira. Quando a aprendi, para cumprimento dos programas escolares
(Ministério da Instrução), nunca me fizeram sentir o prazer espiritual e a
Formação Portuguesa que deve acompanhar o seu estudo. Agora (Ministério da Educação)
em muita parte deve ser o mesmo. O “Talha-Mar” e o Boletim MP” têm procurado
desenvolver o gosto pelo estudo da História Pátria, passada e atual, por vários
meios. É preciso dar Alma a esse estudo. O “Boletim MP” tem feito uns
questionários que me parecem ser muito úteis. Não sei até que ponto terão sido
realizados…
Desde que
se aplique o que lá vem, nada serve o que lá se escreve.
– Sim, temos de compreender claramente a diferença
entre palavras e factos. Indicamos os processos, fornecemos os elementos; os
Dirigentes e Graduados na sua atuação nas Atividades Gerais e juntamente com as
práticas gimnodesportivas devem aproveitar todas as oportunidades para realizar
Formação Portuguesa.
Se assim não for, não passamos de músculos e
competições.
– E como ninguém pode dar aquilo que não tem,
segue-se que há necessidade de estudos e meditação – desse estudo e meditação
que o “Talha-Mar” fomenta e o “Boletim MP” também.
Embora
interessante tudo o que acaba de dizer, não nos desviemos do rumo colher elementos
para a História da M. P. e do “Talha-Mar” em especial.
– Tenho muito para lhe dizer. Reconheço ser
impossível condensá-lo numa só entrevista. O que lhe vou dizer fica muito
incompleto, mas, certamente, é melhor do que nada.
“O bom é inimigo do ótimo” – o
conhecido aforismo tem aqui, também, a sua aplicação.
̶ É assim mesmo como diz. E como a História de
Portugal começa antes de D. Afonso Henriques, com os Lusitanos e o seu grande
Chefe Viriato, assim também a História do “Talha-Mar” vem de trás. Vem da
admirável Revista dos Graduados – “O Guião”.
Recorda-se bem dos Graduados que serviram no
“Guião”?
̶ Se me recordo, desses admiráveis soldados da
Campanha da Educação Nacional ̶ o C. F. Castelo Branco (Diretor de início),
o C. F. Carlos Lima (Diretor que se lhe seguiu), o C. B. Elmano Alves, o C. F.
Tovar de Lemos, o C. F. José Palmeirim, o C. F. Fernando Lima e outros!
Como surgiu a ideia de lançar “O
Guião”?
̶ A Escola Central de Graduados tinha por essa
época como Diretor o então Major Ribeiro Viana e o I. Q. G. Fialho Rico. Tanto
a um como a outro, a M. P., neste campo de Formação de Graduados, ficou devendo
inestimáveis serviços. Tornava-se necessário continuar pelo ano fora a Formação
dos Graduados, ativar as Atividades Gerais, prolongar a Escola através de uma
Revista que relembrasse os conhecimentos pedagógicos e técnicos, que aperfeiçoasse
os Graduados ao contacto com a Ação Educativa, que os levasse a repensar nos
problemas, que impregnasse de Portuguesismo a sua atuação ̶ em
suma, que mantivesse e aumentasse a chama do ideal e do entusiasmo, e também
dos conhecimentos técnicos, em quem tinha a alta missão de realizar a educação do rapaz pelo rapaz. O I. Q. G.
Fialho Rico foi o grande animador de “O Guião”, como Dirigente “sempre
presente, nunca adsorvente”.
O Senhor Inspetor esteve também junto
dos Graduados de “O Guião”?
̶ Fui desde 1949 o Diretor da Escola Regional
de Graduados do Algarve (curso de Verão)
̶ compreendia o Algarve e o Baixo
Alentejo ̶ , que tinha sido fundada em
1943 pelo Dr. J. Romão Duarte, então Delegado Provincial do Algarve. De modo
que fui também chamado para acompanhar “O Guião” nesta missão de realizar o
Binómio Dirigente-Graduado, sempre tão necessário para atingirmos os nossos
objetivos.
Quando saiu o primeiro “Guião”?
̶ a 28 de maio de 1949.
E o último?
̶ O último, que é o número 22, deve ter saído
por janeiro ou fevereiro de 1953.
Porque é que morreu uma Revista tão
boa e tão útil?
̶ Quanto a mim, há uma causa profunda que está
na base da sua extinção e que se encontra muitas vezes na vida portuguesa ̶ o
gosto de mudar por mudar e de apresentar coisas novas, deixando de aproveitar a
experiência já feita. O “Guião” ̶
Revista do Graduado, foi substituído por um Jornal para Todos.
Que nome tinha esse Jornal?
̶ Também se chamada “Guião”, apesar de o nome
se referir ao guião da Escola da Escola de Graduados.
Mas é estranho que se tenha utilizado
o mesmo nome.
̶ Eu também penso que sim. Mas as coisas
passaram-se desta forma.
Deveriam ter sofrido muito com o
desaparecimento da Revista dos Graduados
̶ “O Guião”!
̶ Muitíssimo, meu amigo, como pode
calcular; lembro-lhe de ter dito para o I. Q. G. Fialho Rico: Morreu “O Guião”
(Revista dos Graduados), mas “O Guião” há de ressuscitar!
Quando começou o novo “Guião”?
̶ O primeiro número saiu a 1 de maio de 1953.
E tinha condições de vida?
̶ Como nunca.
Quando terminou?
̶ Com o número 83, que tem a data de 27 de
abril de 1957.
Acha bem o Jornal para Todos?
̶ Sim. Mas há que equacionar este
problema ̶ como outros que nos aparecem ̶ entrando
com todos os dados. Um deles é a questão das prioridades. Se se dispõe de meios
suficientes ̶ este Jornal para Todos é muito útil. Mas se
não se dispõe, tem prioridade um Jornal de Graduados. Que serva de lição com
que a experiência veio enriquecer os nossos conhecimentos. Como vê, a História
é sempre útil.
Mas há quem não aprenda com a experiência…
̶ Talvez é verdade ̶ a
estupidez humana tem muita força. É uma realidade que temos de aceitar.
E quanto ao Boletim para os
Dirigentes?
̶ Morreu também pela mesma ocasião.
E não foi substituído?
̶ Foi, sim, de certo modo, mas de uma maneira
que logo se me afirmou eficaz.
E como se chamava?
̶ “Esmeraldo”.
Era boa, essa publicação?
̶ Era boa sob o ponto de vista cultural; mas
se considerarmos o outro aspeto de formação da vida quotidiana das nossas
Atividades e da maneira como se deviam realizar para decorrerem dentro do
estilo de vida M. P. ̶ nada nos dizia.
O que lhe sucedeu?
̶ Morreu ao fim de algum tempo, como não podia
deixar de ser. O número 1 saiu em 1954 e o número 13 (o último) em 1956.
E depois?
̶ Depois… o vácuo.
Causou prejuízo à vida e progresso da
nossa Organização?
̶ Sim; estragos fáceis de compreender e
difíceis de reparar. Como sabe, as nossas Atividades Gerais e o nosso campismo
Educativo, embora parte de um TODO, são de importância essência. Através delas
é que o Graduado atua principalmente como Chefe de rapazes. E o bom Graduado
depende em grande parte do bom Dirigente.
E depois desse vácuo?
̶ O “BOLETIM MP” voltou a aparecer em janeiro
de 1964, cerca de oito anos depois!
E quanto a “O Guião”?
Estávamos
a 5 de abril de 1958, dia memorável para a Educação Nacional (muita gente não
entenderá assim, mas isso é lá com eles). O “Guião” dos Graduados ressuscitou
no “Talha-Mar”.
Tanto dirigentes como Graduados deviam
ter sentido uma grande alegria quando surgiu o novo Jornal dos Graduados.
– Imensa como pode calcular.
Pode juntar alguns pormenores?
– Sob
a direção do C. F. Fernando Lima, que, com inteligência e com alma, concretizou
o pensamento do I Encontro Nacional de Graduados (1 a 4 de Agosto de 1957); com
as condições de vida que lhe deu o Dr. Romão Duarte, então Comissário Nacional
Adjunto, iniciou-se a vida do “Talha-Mar”. Havia um Corpo de Graduados bem
definido e uma atuação desse Corpo como comunidade educacional ao nível rapaz.
Era necessário criar nas sedes das Divisões os Núcleos de Graduados. Havia que
dinamizar todo o Corpo. O “Talha-mar”, sem descurar a Doutrina e a Técnica da M.
P., tinha agora a principal função de servir de apoio à realização do
Movimento.
Continua confiando no “Talha-Mar”?
– Confio tanto – e não é um confiar teórico e
abstrato, mas concreto e feito de real convívio – que, sem “Talha-Mar”, não
acredito na eficiência do Corpo de Graduados; sem Graduados, não acredito na
possibilidade de compreensão, nem na realização do muito que há ainda a fazer
pela vida e progresso da Educação Nacional.
Tem mais
alguma coisa a dizer-nos?
– Só mais duas palavras, por agora. A História de
Portugal, do passado e de hoje, pode comparar-se a uma luta de tração: de um
lado, estão o Infante D. Henrique e Nun’Alvares Pereira – nossos Patronos;
todos “aqueles que por obras valerosas se vão da lei da morte libertando”; os
Soldados e Marinheiros desconhecidos da História Pátria de todos os tempos;
aqueles que estão servindo nas Forças Armadas nos tempos de hoje; os
Dirigentes; graduados e Filiados da M. P. e da M. P. F.: e todos os que, na sua
profissão ou no seu lar realizam no dia-a-dia, conscientemente, como
Portugueses, a vida e o progresso da Nação […].
A
equipa “Talha-Mar”, sector da M. P. que, por sua vez, faz parte da Educação
Nacional, lá está do lado dos Patronos! Nesta luta escolheu o lado onde está a
Bandeira vitoriosa de Aljubarrota.
Com
esta Bandeira – a de D. João I –
venceremos!
Referências
bibliográficas
Talha-mar:
jornal dos graduados. N. 1 (1958).
Talha-mar:
jornal dos graduados. N. 109 (1966).
P. M.
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