2012/04/30

Diário de Sebastião da Gama - Escola Veiga Beirão, em Lisboa


(Retrato de Sebastião da Gama)


Em 11 de janeiro de 1949, Sebastião da Gama[1] tinha 24 anos e iniciava o seu estágio de professor na Escola Comercial de Veiga Beirão, em Lisboa. Este dia data a primeira página do seu “Diário” – foi há 63 anos e reza assim:


 

(Imagem de um excerto do Diário de Sebastião da Gama de 11 de janeiro de 1949. Do lado esquerdo encontra-se o original e do lado direito a transcrição)
 

 

  

                                                                                                                 

O Diário de Sebastião da Gama foi escrito em 1949, mas, publicado postumamente em 1958. Esta obra nasce do registo do estágio profissional de Sebastião da Gama, tutorado pelo metodólogo Virgílio Couto[2], na Escola Comercial de Veiga Beirão, em Lisboa. Ou como afirma Sebastião da Gama, no seu Diário (1958:171) da Veiga Beirão.

 

 


 

Segundo Silva (2010:1), o Diário é um interessantíssimo testemunho da experiência vivida deste poeta português enquanto estagiário da disciplina de português. Mediante a leitura da obra, torna-se evidente que, durante o estágio, Sebastião da Gama optou por organizar todos os conteúdos segundo a forma com que habitualmente se constroem e estruturam os diários íntimos e pessoais, de modo a tornar esta compilação num dos seus espaços e tempos de reflexão acerca da prática pedagógica:

 

“Este texto iniciador do Diário apresenta-se como uma declaração de intenções, como um programa próprio, como um perfil do que deve ser o professor, como deveria ser ele, Sebastião da Gama, enquanto professor, haja em vista o cruzamento das intenções do professor orientador do estágio e da visão que o novo professor perfilhava quanto à sua função – ‘vão ser as aulas de Português o que eu gosto que elas sejam’" (Ribeiro, 2010).

 

A mensagem central do Diário reside na criatividade do ato de ensinar: a referida obra é fruto de um relato das volatilidades da língua portuguesa, onde, por conseguinte, os ensinamentos ganham valor pedagógico.

 

“Através da leitura do Diário é possível identificar quatro aspetos que são essenciais para a caracterizar uma maneira própria de ser professor. Em primeiro lugar, o respeito pelo saber dos alunos […]. Em segundo lugar, um esforço permanente de relação e de negociação […]. Depois, o respeito pelas diferenças […]. Finalmente, a tentativa de transformar a aula num espaço e num tempo de camaradagem […].” (Nóvoa, 2003:614)

 

Como verificamos, Nóvoa (2003:614) apresenta, no Dicionário de educadores portugueses, uma visão humanista de Sebastião da Gama, sobretudo de respeito e de inter-relações humanas e espaciais. Entendemos, porém, que não poderemos resumir a ética pedagógica de Sebastião da Gama a esta dualidade, assim, destacamos logo na primeira página, acima transcrita, alguns conceitos e pedagogias, a saber:

 

                    I.            aprender descontraído (como quem brinca ou como quem se lembra de alguma coisa…);

                  II.            respeito pelo Outro (aceitar os rapazes como rapazes: deixa-los ser…);

                    III.            aprender de boa-fé (…até o barulho é uma coisa agradável, quando feito de boa-fé);

                IV.            aprender vs. felicidade (o que eu quero principalmente é que vivam felizes).

 

A primeira página do Diário de Sebastião da Gama é o alicerce e começo da sua pedagogia. Efetivamente, são aqui traçados os grandes pilares da sua didática, a qual, assenta em vetores humanos e epistemológicos, tais como: a respeitabilidade, a boa-fé e a felicidade.

 

Atendendo a este “epilogus pedagógico”, diremos, então, que a didática de Sebastião da Gama assenta em princípios judaico-cristãos – o respeito do outro como a si mesmo e o caminho da fé no reencontro da felicidade –, introduz, como verificamos, na sua pedagogia uma vitória sobre o individualismo metodológico.

 

“Em 1944, com vinte anos de idade, viveu um momento de grande e fundamental importância para a sua vida. Converte-se à fé crista, numa adesão total e plena de amor a Cristo e à Eucaristia, comungando pela primeira vez ca Capela de S. Luís dos Franceses, em Lisboa, na Festa do Espírito Santo.” (Santos, p. 16)

 

 

Assim sendo, o Diário do jovem professor é, atualmente, considerado um poema em prosa que, a seu modo, contém um acervo. Denotamos, assim, logo na primeira página e, ao longo de todo o seu Diário, que a fé cristã reestruturou toda a sua vida, inclusive a sua pedagogia.

   

Na Secretaria-Geral do Ministério da Educação e Ciência, contamos com alguns dos seus preciosos escritos, tais como: Diário; Cabo da Boa esperança; Pelo sonho é que vamos; Campo aberto; Serra-mãe: Poemas; Itinerário paralelo e O Segredo é amar.

 

 

 P.M.

 

 

 

 

Bibliografia:

 

 

GAMA, Sebastião da (1958). Diário. Lisboa: Ed. Ática.

 

 

NÓVOA, António (dir.) (2003). Dicionário de educadores portugueses. Lisboa: Ed. Asa.

 

Ribeiro, João Reis (2010). Sebastião da Gama: 60 anos sobre o Diário [on-line]: Jornal O sul.

<http://jornalosul.hostzi.com/index.php?option=com_content&view=category&layout=blog&id=59&Itemid=65> [Consulta: 30 de abril de 2012]

 

 

SANTOS, Alexandre Francisco Ferreira dos (2007). Sebastião da Gama: milagre de vida em busca do eterno: uma leitura de sua obra [on-line]. Dissertação de Mestrado

<http://repositorioaberto.uab.pt/bitstream/10400.2/610/2/2Dissertacao_SGama_texto.pdf> [Consulta: 30 de abril de 2012]

 

 

SILVA, Steven Marta da (2010). A importância das estratégias argumentativas para o ensino da filosofia: uma reflexão sobre a relação estabelecida entre estagiário, alunos e professora orientadora [on-line]. Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa

<http://run.unl.pt/handle/10362/5261> [Consulta: 30 de abril de 2012]

 



[1] Sebastião Artur Cardoso da Gama nasceu a 10 de Abril de 1924, em Vila Nogueira de Azeitão. Nesta mesma vila fez a escola primária e prosseguiu os estudos liceais no Liceu Nacional de Setúbal e no Liceu Pedro Nunes em Lisboa. Aos catorze anos foi-lhe diagnosticada uma tuberculose óssea pelo que, por razões terapêuticas, passou a viver no Portinho da Arrábida e prosseguiu o currículo liceal no regime de estudo individual. Em 1942, matricula-se na Faculdade de Letras de Lisboa onde, em 11 de Julho de 1947, se licencia em Filologia Românica com a classificação de 17 valores, defendendo a tese sobre o tema “A Poesia Social do Século XIX”. Foi ainda enquanto estudante, em 1945, que editou o seu primeiro livro de poemas: Serra-Mãe. Terminado o curso em 1947, nesse mesmo ano é colocado como professor provisório na Escola Comercial e Industrial de João Vaz, em Setúbal. Também, em 1947, edita o seu 2º livro de poemas: Cabo da Boa Esperança. Permanecerá em Setúbal, como professor provisório, até Janeiro de 1949. É precisamente em 11 de Janeiro de 1949 que, inicia o estágio pedagógico na Escola Comercial de Veiga Beirão, em Lisboa. Por sugestão do seu metodólogo, inicia a escrita do Diário que, valendo-lhe como trabalho de estágio. É hoje considerado obra de leitura obrigatória para todos os professores. No ano lectivo de 1950/51 inicia as suas funções como professor efectivo da Escola Comercial e Industrial de Estremoz. É neste ano que publica o seu terceiro livro de poemas: Campo Aberto. Vítima de doença que o perseguia desde os catorze anos morre na madrugada do dia 7 de Fevereiro de 1952, no Hospital de S. Luís, em Lisboa.

 

[2] Virgílio Couto professor metodólogo, responsável pelo acompanhamento do estágio de Português de Sebastião da Gama na Escola Veiga Beirão. Nesta altura era também subdiretor da escola (cf. Diário do Governo, de 3 de Novembro de 1948). Foi autor de numerosas publicações de carácter didático, designadamente: Leituras (1948), Olhai Que Ledos Vão...: a história de Portugal contada na prosa e nos versos dos escritores portugueses (1958) e Mar Alto (1961). Alguns dos seus títulos foram adotados como manuais escolares.

 


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