2012/03/26

Educação de Adultos - O caso do ensino recorrente

(Imagem da capa do Curso Técnico de Secretariado - Informática para Secretariado
Ministério da Educação - Ensino Secundário recorrente por Unidades Capitalizáveis)


A educação de adultos em Portugal, tal como a conhecemos hodiernamente, é recente. Em finais de 1975, com a reestruturação dos serviços da Direcção-Geral da Educação Permanente, começa-se a definir o sistema nacional de educação de adultos, o chamado Plano de Educação de Adultos. Em 1976, a Portaria n.º 419/76, explicita, no seu preâmbulo, a nova conceção da educação:

 

“Tem-se verificado, porém, que a perspetiva adotada de encorajar um processo de aprendizagem relativamente aos adultos, que faça destes - individualmente ou em grupo - sujeitos da sua própria educação e agentes criadores de uma verdadeira cultura nacional, não se compadece com a manutenção em vigor das portarias que regulam os programas e exames da chamada ‘4ª classe para adultos’.

 

Neste sentido, não é relevante a existência de programas rígidos - contendo marcos de um saber teórico desenraizado da prática das populações. Opta-se aqui pela definição de capacidades a desenvolver e a demonstrar pelos adultos, em função das suas zonas de interesses ou de intervenção.” (Portaria n.º 419/76)

 

A Portaria acima mencionada define normas orientadoras do processo de aprendizagem e, simultaneamente, estabelece critérios da avaliação final de educação de adultos. Esta nova conceção de educação assenta na elaboração de programas intersubjetivos, ou seja, os marcos teóricos de aprendizagem devem ser canalizados para as necessidades reais da população, diremos dos interesses e aptidões a desenvolver pelas comunidades escolares.

 

Os cursos gerais de ensino secundário recorrente, por sua vez, são criados pelo Despacho nº 273/ME/92, de 10 de Novembro. Por seu turno, o Despacho n.º 41/SEED/94, de 14 de Junho, cria, em regime experimental, cursos técnicos de ensino secundário recorrente.

 

“Considerando que o Decreto-Lei nº 74/91, de 9 de Fevereiro, no artigo 10.º, determina que os planos curriculares do ensino secundário recorrente sejam estabelecidos em função das características e necessidades dos destinatários, devendo os mesmos incluir componentes de carácter regional e de natureza artística e profissional; Tendo em conta o disposto nos Despachos nºs 273/ME/92, de 10 de Novembro, e 41/SEED/94, de 14 de Junho; Assim, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 8º do Decreto-Lei n.º 74/91, de 9 de Fevereiro, e no nº 8 do Despacho Normativo nº 193/91, de 5 de Setembro […].” (Portaria nº 144/98)

 

Como verificamos, a Portaria n.º 144/98 de 6 de março (D.R. Série B, n.º 55, 1998), tal como a portaria anteriormente referida, n.º 419/76, consolidam a mesma preocupação: os programas devem ser estabelecidos em função das características e necessidades dos destinatários.

 

“O ensino recorrente de adultos insere-se numa política de educação que visa permitir a frequência dos ensinos básico e secundário aos indivíduos que já não se encontram em idade escolar normal no ciclo de estudos que vão frequentar. […]. Os planos curriculares e os programas e métodos de estudo são organizados de forma diversificada, tendo em conta os grupos etários a que se destinam. O ensino recorrente faculta a obtenção de certificados e diplomas equivalentes aos do ensino regular.” (Mesquita, 2007:49)

 

Mesquita (2007:49) reforça a ideia de que os planos curriculares são organizados de forma diversificada de modo a suprimir lacunas educacionais dos grupos etários a que se destinam. Assim sendo, a pergunta urge: o que é e em que consiste o ensino de adultos, nomeadamente, o ensino recorrente?

 

O ensino recorrente correspondeu a uma vertente da educação de adultos, em contexto escolar, proporcionando uma segunda oportunidade de formação que permita conciliar a frequência de estudos com uma atividade profissional, compreendendo cursos científico-humanísticos. Os cursos organizam-se por disciplina, em regime modular (três módulos capitalizáveis por ano), segundo um referencial de três anos, e podem ser frequentados nas modalidades (i) presencial e (ii) não presencial.[1]

 

“Verificamos que no ensino recorrente, devido à especificidade dos seus alunos, na maioria trabalhadores estudantes, haveria necessidade de se implementar um espaço alternativo de discussão. Este serviria de prolongamento do espaço físico da sala de aula. Aqui, os alunos, moderados pelo professor, sempre que necessário, podem tecer comentários, tirar dúvidas e esclarecerem-se uns aos outros. Isto é, contribuem, em conjunto, para uma aprendizagem colaborativa.” (Gomes, 2006:3)

 

O público que frequentou esta modalidade de ensino foi, no entender de Gomes (2006:3) um estrato específico de alunos, tornando, assim, indispensável a criação de espaços e estruturas escolares alternativas que, a seu modo, primavam por um objetivo comum – a aprendizagem colaborativa.


Todos os cursos do ensino recorrente conferiam aos formandos diplomas do ensino secundário, certificavam a qualificação profissional e davam acesso a estudos de nível superior. Grosso modo, este processo educacional apresenta-se como uma modalidade especial de educação que, em termos sociais, protagonizava o acesso a direitos fundamentais de educação e cultura.

 

O ensino recorrente, nos contextos políticos de então, foi a resposta a uma realidade concreta - o insucesso escolar -, provenientes de consideráveis assimetrias sociais, que, a todo o custo convinha minimizar por vários motivos, a saber:

 

a.    Credenciar a comunidade que não usufruiu, na idade própria, da escolaridade dita “normal”;

b.    Reintegrar adultos e jovens no mundo do trabalho, através da especialização profissional;

c.    Flexibilizar e adequar vivências, necessidades, problemas e interesses de grupos sui generis;

d.    Criar condições necessárias a uma formação centrada no aluno, respeitando o seu ritmo individual de aprendizagem;

e.    Disponibilizar métodos e meios - unidades capitalizáveis (UC) - para cumprir a missão da escola e o itinerário individual de cada aluno.

 

Segundo o N.º 2, do Artigo 5 (oferta formativa) do D.R., 1.º Série, n.º 70 de abril de 2011, o ensino secundário recorrente visa proporcionar uma segunda oportunidade de formação que permita conciliar a frequência de estudos com a atividade profissional e compreende: a) cursos científicos-humanísticos, b) cursos tecnológicos e c) cursos artísticos especializados.

Estes cursos possibilitam a aquisição de conhecimentos e competências ao nível do ensino secundário, permitindo a obtenção de um certificado escolar de 12º ano  e, no caso dos cursos tecnológicos e dos cursos do ensino artístico especializado, uma qualificação profissional de nível 3. No âmbito da Reforma do ensino secundário, existiram os seguintes cursos do ensino secundário recorrente:

Cursos Científico-humanísticos:

-  Curso de Ciências e Tecnologias;

-  Curso de Ciências Socioeconómicas;

-  Curso de Ciências Sociais e Humanas;

-  Curso de Línguas e Literaturas;

-  Curso de Artes Visuais.

 

Cursos Tecnológicos

-  Curso de Construção Civil e Edificações;

-  Curso de Eletrotecnia e Eletrónica;

-  Curso de Informática;

-  Curso de Design de Equipamento;

-  Curso de Multimédia;

-  Curso de Administração;

-  Curso de Marketing;

-  Curso de Ordenamento do Território e Ambiente;

-  Curso de Ação Social;

-  Curso de Desporto.

 

Cursos Artísticos Especializados

-  Curso de Comunicação Audiovisual;

-  Curso de Design de Comunicação;

-  Curso de Design de Produto;

-  Curso de Produção Artística.

Como verificamos, a modalidade de opções de ensino é englobante e os seus destinatários não são menos abrangentes. Segundo o Relatório de base de Portugal (OCDE, 2003:16) esta modalidade de ensino:

“Destina-se à escolarização de indivíduos que já não se encontram na idade escolar normal de frequência dos ensinos básico (a partir dos 15 anos) e secundário (a partir dos 18 anos). Existe oferta de ensino recorrente para todos os níveis escolares não superiores. O ensino recorrente organiza-se segundo um plano de estudos, adequado ao nível etário a que se destina e atribui certificados e diplomas equivalentes aos conferidos pelos ensinos básico e secundário regular: certificado de iniciação profissional (nível I) e certificados de qualificação profissional (nível II e III).” (OCDE, 2003:16)

 

A abrangência deste relatório é assinalável, o ensino básico e o secundário, não obstante, existem algumas alterações políticas em todo este percurso educacional. Por conseguinte, a Portaria nº 550-E/2004, de 21 de maio, criou diversos cursos científico-humanísticos, tecnológicos e artísticos especializados e aprovou os respetivos planos de estudo, estabelecendo os princípios orientadores da organização e da gestão do currículo, bem como a avaliação e certificação dos cursos de ensino recorrente de nível secundário, nos termos estabelecidos pelo Decreto-Lei nº 74/2004, de 26 de março, retificado pela Declaração de Retificação nº 44/2004, de 25 de Maio.

 

O Decreto-Lei nº 24/2006, de 6 de fevereiro, retificado pela Declaração de Retificação nº 23/2006, de 7 de abril, introduz alterações ao Decreto-Lei nº 74/2004, de 26 de março, que importa neste momento materializar, ajustando as regras de organização, funcionamento e avaliação dos cursos do ensino recorrente de nível secundário definidos pela portaria suprarreferida.

 

Atendendo aos reajustamentos políticos da história da educação, a Secretaria-Geral do Ministério da Educação e Ciência apresenta um acervo significativo de documentos – programas escolares do ensino secundário recorrente – que, a seu modo, protagonizam e a história da educação em Portugal a partir da década de noventa. O referido fundo está disponível na interface própria do Ministério da Educação e poderá ser consultado in loco.

 

 

Bibliografia

 

DECRETO-LEI N.º 50/2011 de 8 de Abril. Diário da República, nº 70 de 8 de abril de 2011 – I Série

 

DECRETO-LEI Nº 74/2004 de 26 de março. Diário da República, nº 70 de abril de 1011 – I Série.

 

GOMES, Álvaro Manuel Maia (2006). Adaptação e implementação do Fórum Dyn3W: uma experiência na disciplina de Bases de Programação do ensino recorrente (10.º ano) [on-line]: Dissertação submetida à Faculdade de Ciências da Universidade do Porto para a obtenção do grau de Mestre em educação multimédia

<http://nautilus.fis.uc.pt/cec/teses/alvaro/tese_completa.pdf> [Consulta: fevereiro 2012]

 

MESQUITA, Maria João Silva Teixeira Guedes (2007). b-Learning no ensino secundário recorrente: uma proposta baseada na construção do conhecimento [on-line]: Dissertação apresentada à Universidade de Aveiro para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Gestão de Informação, realizada sob a orientação Dr. Luís Borges Gouveia, Professor Associado da Universidade Fernando Pessoa.

 <http://www2.ufp.pt/~lmbg/monografias/mmesquita_msc_ua07.pdf> [Consulta: fevereiro 2012]

 

OCDE (2003) Os sistemas de qualificação e do seu impacto na aprendizagem ao longo da vida : relatório de base de Portugal [on-line]: Ministério da Educação, Ministério da Segurança Social, da Família e da Criança

<http://www.oecd.org/dataoecd/17/19/33776836.pdf> [Consulta: fevereiro 2012]

 

PORTARIA Nº 144/98 de 6 de março. Diário da República, nº 55 de 6 de março de 1998 – I Série B.

 

PORTARIA Nº 419/76 de 13 de julho. Diário da República, n.º 162 de 13 de julho de 1976 – I Série.

 

 

P.M.



[1] A modalidade de frequência presencial assentava em denominadores de avaliação contínua, cuja assiduidade era pontuada para a avaliação final. A outra modalidade, a não presencial, dava aos alunos autonomia de aprendizagem, sendo que os alunos realizavam provas de avaliação em datas predeterminadas.

 

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