2021/07/22

Exposição Virtual: "Mobiliário Escolar no Museu Virtual da Educação"

O mobiliário constitui uma importante fonte para o conhecimento das práticas escolares, uma vez que influencia significativamente o desenvolvimento dos alunos em vários aspetos. Em Portugal, este passou a ser um tema de discussão a partir da década de 30/40, quando foram desenhados alguns modelos de carteiras adaptadas à estrutura das crianças. 

A coleção de mobiliário escolar disponibilizada no Museu Virtual da Educação compreende várias peças utilizadas em contexto escolar. É o caso da carteira, um móvel de assento e de escrita, com um ou dois lugares. O tampo é geralmente inclinado, rebatível ou não, e o assento é fixo. Inicialmente construídas em madeira, as carteiras passaram a integrar elementos metálicos para minimizar os problemas dos xilófagos. Por baixo do tampo, existe por vezes, uma prateleira para colocação de material escolar. O quadro negro era, na maior parte das vezes constituído por uma armação em madeira que sustentava a placa de ardosia sobre a qual se escrevia com giz. Na base da ardósia existe um rebordo em forma de calha a todo o comprimento para colocação dos pedaços de giz e do apagador. 

Outro tipo de elementos também deve ser referido, como é o caso dos bancos corridos, colocados nos corredores ou cantinas, mesas, bancos e secretárias. Parte integrante da vida escolar, o quadro de honra destinava-se a distinguir os alunos que se destacavam ao nível da sua progressão académica. 

Para além destes, existe todo o tipo de mobiliário de apoio à prática letiva como os armários, as estantes, as vitrinas, as bancadas de laboratório ou os relógios. A partir dos finais da década de 60 do século XX deixam de se utilizar carteiras de tampo inclinado e a clássica secretaria do professor. As áreas de trabalho tornam-se mais amplas e o mobiliário obedece a aspetos ergonómicos, funcionais, técnicos, estéticos e económicos, permitindo mais flexibilidade e adaptabilidade nas salas de aula.

Conjunto de banco e carteira

ME/400439/829

Escola Secundária Sebastião e Silva

Carteira escolar de um lugar, constituída por banco e mesa contíguos, em madeira, montados em estrutura de ferro pintada de preto, sobre calha de madeira. O assento tem encosto de uma travessa; a mesa, destinada à escrita, apresenta tampo inclinado, rebatível, com calha para colocação de material riscador; sob o tampo encontra-se uma prateleira destinada à colocação de material escolar.


Quadro

ME/404445/138

Escola Secundária Alexandre Herculano

Antigo quadro rebatível utilizado nas aulas de diversas disciplinas. É constituído por uma armação em madeira que sustenta a placa de ardosia sobre a qual se escrevia com giz. A armação tem uma estrutura basculante que permite ajustar a melhor posição do quadro. Na base da ardósia a armação em madeira tem um rebordo em forma de calha a todo o comprimento para colocação dos pedaços de giz e do apagador.


Banco

ME/152171/85

Escola Secundária Infante D. Henrique

Banco corrido, de espaldar, com três lugares. Assenta sobre oito pernas de secção quadrangular, travejadas. Possui dois braços em cada extremo e duas traves a meio da zona do espaldar. Foi executado na década de 30/40 pelos alunos e mestres da escola.


Secretária

ME/403556/233

Escola Básica e Secundária de Carcavelos

Secretária constituída por tampo fixo retangular, assente sobre duas caixas laterais constituídas por três gavetas sobrepostas, com espelhos de fechadura metálicos e puxadores paralelepipédicos maciços, em madeira, situados por baixo dos espelhos. Ao centro, sob o tampo, tem uma gaveta, mais larga. Entre os dois corpos laterais existe um espaço destinado à cadeira. Cada conjunto de gavetas está assente em quatro pés retangulares.


Vitrine

ME/401109/357

Escola Secundária de Camões

Armário/vitrina com quatro módulos. Trata-se de uma vitrina para exposição de peças, em que cada um dos quatro módulos é constituído por duas partes sobrepostas e portas de vidro com moldura simples de madeira. No interior contem prateleiras também em vidro. O módulo inferior é avançado, possuindo na zona superior um compartimento com porta inclinada e, na zona inferior, uma gaveta.


Cadeira

ME/152171/84

Escola Secundária Infante D. Henrique

Cadeira, que faz parte de um conjunto de 3, executadas na década de 30/40 pelos alunos e mestres da escola. A cadeira tem costas fixas, braços e assento de madeira sem estofo. A cadeira roda sobre um eixo fixo num pé de galo e não apresenta decoração ou acabamento específico.


MJS


2021/07/19

Mértola


(Imagem  da cidade de Mértola. Retirada da internet)

Mértola encontra-se na lista indicativa para a candidatura de Bens a Património Mundial em Portugal. Trata-se de um município do distrito de Beja, sendo o sexto mais extenso de Portugal com 1.292.87 Km2 de área.

É banhada pelo rio Guadiana e caracteriza-se geologicamente por zonas de peneplanície e pelo vale do Guadiana. O seu clima é temperado mediterrânico, com verões quentes e invernos amenos.

Habitada desde o neolítico, Mértola conserva edifícios romanos de grande monumentalidade. Mírtilis Júlia foi a sua designação durante este período, mudando depois para Martulá com as invasões muçulmanas. Nesta fase tornou-se o porto fluvial mais ocidental do Mediterrâneo, com um castelo, tendo sido a capital de um emirado independente, a Taifa de Mértola.

Com D. Sancho II, Mértola foi reconquistada sob o comando de Paio Peres Correia em 1238 e assistiu a um período de grande desenvolvimento.

Só muito mais tarde, no final do século XIX, é que o município recupera a prosperidade e o crescimento demográfico através da descoberta do filão mineiro em S. Domingos. Com o encerramento da mina em 1965 houve uma crise social e económica, fazendo com que inúmeros habitantes se mudassem para Lisboa ou para o exterior do país.

Entre os monumentos mais importantes podem-se destacar alguns como o castelo de Mértola, a Igreja Matriz, o Convento de São Francisco, o Museu Municipal e todo o centro histórico.

(Imagem  da cidade de Mértola e do seu castelo. Retirada da internet)

O atual castelo, resulta do inicialmente construído durante a ocupação muçulmana e foi alvo de várias alterações, nomeadamente o acrescento da Torre de Menagem edificada em 1292 por D. João Fernandes. Aqui se encontra um importante núcleo museológico e pode-se desfrutar de uma vista sobre toda a vila.

A Igreja Matriz ou Igreja de Nossa Senhora da Anunciação, foi uma mesquita, convertida durante o século XIII. Conserva a estrutura da construção anterior, incluindo quatro portas de arco em ferradura e o mihrab, que indica a direção de Meca.

O Convento foi edificado no século XVII por iniciativa de Diogo Nunes de Figueira Negreiros. Atualmente é um importante polo cultural, com jardins, exposições, um museu da água e uma reserva ornitológica.

 

MJS

2021/07/15

Peça do mês de julho

Osmómetro

Instrumento utilizado em contexto das práticas pedagógicas nas aulas de Física, utilizado para observar a endosmose e medir a sua pressão. É muitas vezes designado por Endosmómetro de Dutrochet. A endosmose é a corrente de difusão que se estabelece de fora para dentro entre dois líquidos ou gases de diferentes densidades, separados por uma parede membranosa. É composto por um recipiente de vidro, com tampa de madeira, no interior do qual está outro recipiente com o fundo permeável (membrana). Deste, parte um tubo capilar de vidro que está ligado a uma régua graduada de madeira. Permite observar a endosmose e medir a sua pressão.

Está inventariado com o número ME/152171/208 e pertence ao espólio museológico da Escola Secundária Infante D. Henrique.

MJS


2021/07/12

Escola Secundária de Camões: o património em destaque #3

A Escola Secundária de Camões é detentora de um espólio bibliográfico com cerca de 26 000 registos. Nesse âmbito, a Instituição divulga a peça do mês, a obra de Luís de Camões, patrono da Escola, com o título Rimas Várias


(Imagem da primeira página da obra de Luís de Camões, Rimas Várias e respetiva descrição)


Trata-se de uma obra encadernada conjuntamente com os Tomos III, IV e V de 1689. A capa e a contracapa são em pele gravada com baixo relevo. Na lombada encontra-se gravado o título e no sopé "Bibliotheca do Lyceu de Camõ[es]". As duas folhas de guarda são marmoreadas a ocre, bordeaux e preto. Na folha de rosto encontra-se o carimbo da biblioteca da escola e escrito a azul a inscrição "E 8, P2". Tem todas as páginas em excelente estado de conservação, embora a capa e a lombada estejam danificadas. 

Aceda à ficha completa da peça aqui

Lisboa Histórica, Cidade Global - Parte II

 

(Vista da cidade de Lisboa, com o Castelo de S. Jorge, o Tejo e a Margem Sul. Retirada da internet)


O Terramoto de 1755 é um marco na história da cidade e vem alterar toda a situação pois Lisboa fica em ruínas. O responsável pela reconstrução da cidade vai ser Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal. As suas reformas são extremamente abrangentes. A nível social, o poder da Igreja é substancialmente reduzido e os Jesuítas são expulsos do país; a aristocracia tradicional é executada e afastada; a Inquisição é extinta e os cristãos-novos acedem a altos cargos governamentais. Ao nível económico fomenta-se o desenvolvimento da indústria e terminam os impostos e direitos alfandegários prejudiciais ao comercio.

Lisboa é reconstruída de acordo com as novas teorias de organização urbana. O projeto é financiado, em parte, pelo ouro do Brasil. A capital enche-se de estaleiros de obras. A nobreza refugia-se nas suas quintas e o Rei instala-se em Belém num palácio provisório.

O projeto de reconstrução é da autoria de Eugénio dos Santos e Carlos Mardel, baseando-se no espírito iluminista e pragmático. As ruas tornam-se largas e retilíneas com uma disposição ortogonal, com iluminação e arejamento. A segurança é reforçada com maior patrulhamento e facilidade de acesso. As regras de construção dos edifícios também são alteradas: existe um esqueleto de madeira, a gaiola pombalina, que tinha uma malha retangular com travamentos das diagonais. O objetivo era que a flexibilidade da madeira conseguisse suportar um terramoto. A madeira assentava num embasamento em alvenaria que daria peso ao conjunto. O rés do chão da maior parte dos prédios destinava-se ao comércio, oficinas ou armazéns. Os edifícios assentavam em estacas que eram inseridas no solo para garantir a solidez da construção. Os prédios teriam paredes corta-fogos a separá-los.

O processo foi acelerado devido à opção de estandardização de fachadas, janelas, portas e azulejos na entrada. O centro da cidade seria a Rua Augusta que ligava o Rossio aos limites norte e sul. Nesta época constrói-se o arco da Rua Augusta e o Terreiro do Paço destinava-se a armazéns e casas comerciais, mas acabou por ser ocupado por ministérios e tribunais. Foi também projetado o espaço da Praça da Figueira, o novo mercado.


(Imagem do Arco da Rua Augusta na Baixa lisboeta. Retirada da internet)

A reconstrução da cidade só terminou cerca de 1806 devido à falta de capacidade económica. Há novos bairros na Estela, Rato, Alcântara, Ajuda, Sapadores e Amoreiras, estimulando a classe média a investir. Surgem igualmente os primeiros cafés como o Martinho da Arcada e o Nicola.

Com o reinado de D. Maria I, o Marquês de Pombal é afastado e a nobreza e o clero retomam as suas posições de destaque. É construída a Basílica da Estrela e o Teatro de São Carlos.

As invasões francesas alteram novamente as circunstâncias, sobretudo com a saída da Família Real para o Brasil. A de tropas inglesas prejudicou grandemente a burguesia lisboeta. De seguida, os vários anos de lutas liberais enfraqueceram o país.

No entanto, é implantado o projeto de iluminação pública de Lisboa, entre 1823 e 1848. São construídas novas redes de estradas, surgem os barcos a vapor e lança-se o caminho de ferro em 1856. Lisboa é uma cidade pobre e suja, inserida num país com um enorme atraso económico, educativo e mesmo civilizacional.

Fontes Pereira de Melo leva a cabo várias reformas: a rede de caminhos de ferro com ligação entre Lisboa e Porto; novas estações de comboios como a Estação do Rossio e a Estação de Santa Apolónia; a implementação da luz elétricas em 1878.

Torna-se premente fazer uma reabilitação urbana. Nesse sentido, apoia-se o uso de azulejos ou a pintura rosa das fachadas dos prédios. São criados sistemas de esgotos e de tratamento de água, as ruas tornam a ser calcetadas, surgem os transportes coletivos, elétricos e elevadores. O Chiado é o centro cultural e comercial da cidade, com novos cafés, grémios e grandes armazéns da moda.

Em 1886, o Passeio Público é substituído pela Avenida da Liberdade da autoria de Ressano Garcia. A partir daqui surge um novo eixo urbano apoiado pela Praça do Marquês e pelas Avenidas Novas. Os edifícios públicos são uma constante, como o Liceu Camões (1907) ou a Maternidade Alfredo da Costa (1909). Com a construção da Avenida Fontes Pereira de Melo, este eixo estende-se até à Praça Duque de Saldanha e à Avenida da República. Em 1892 o Campo Pequeno acolhe a Praça de Touros.

A cidade transforma-se com o surgimento de novos bairros: Campo de Ourique, Estefânia, Avenida Almirante Reis. A Baixa perde a sua importância, embora funcione como centro comercial. Surgem teatros, jardins (Jardim da Estrela) e posteriormente, bairros operários. Com o desenvolvimento industrial, os proletários que trabalham nas fábricas vivem em bairros degradados, espalhados por várias zonas da cidade.

Em finais do século XIX, a indústria predominante em Lisboa é a do tabaco, a par dos têxteis, vidros, conservas e borrachas. As zonas industriais localizam-se em Alcântara, Bom Sucesso e Santo Amaro. As classes mais pobres vivem em bairros de lata nos arredores da cidade ou instalam-se em terrenos abandonados construindo núcleos fechados conhecidos como pátios. Os bairros operários multiplicam-se.

Com o fim da monarquia, o período da República é bastante turbulento. Segue-se o período de ditadura liderado por Salazar. Nesta época Lisboa tem um enorme crescimento demográfico favorecido pela recuperação económica.

O êxodo rural atinge níveis elevados, sobretudo nos anos 50 e 60. Os arredores de Lisboa estão cheios de bairros miseráveis, onde se agrupavam estes camponeses desenraizados.

Após o 25 de abril de 1974 e com a adesão a União Europeia em 1986, surgem novos planos urbanísticos de realojamento desta população. A renovação de espaços como a Mouraria e o impulso dado pela Expo 98 contribuíram decisivamente para um novo traçado de Lisboa.


MJS

2021/07/08

Lisboa Histórica, Cidade Global - Parte I


(Imagem de um elétrico a circular numa típica ria lisboeta. Retirada da internet)

“Lisboa Histórica, Cidade Global”, encontra-se na Lista Indicativa de Portugal a Património Mundial, assente no conceito de Paisagem Urbana Histórica. Nesta categoria incluem-se aspetos como a topografia, a hidrologia, os recursos naturais, o ambiente, as infraestruturas, os espaços abertos, valores sociais, culturais e identidade. A área inclui a Baixa Pombalina, entre o antigo Terreiro do Paço, a colina do Chiado e a área junto ao rio.

Lisboa tem vestígios de ocupação humana anteriores ao Neolítico. Desde cedo teve contatos com Fenícios, Gregos e Cartagineses devido às condições naturais da região. Mais tarde, conquistada pelos Romanos, Lisboa foi incluída na Lusitânia e, posteriormente com as Invasões Bárbaras, fez parte do Reino Suevo e Visigótico.

Com a conquista muçulmana, Lisboa tornou-se um importante centro administrativo e comercial. Aqui convivem, lado a lado, muçulmanos, moçárabes e judeus. Apesar disso, no norte da Península Ibérica, os reinos cristãos organizam-se e levam a cabo um processo de reconquista. D. Afonso Henriques, com o auxílio dos cruzados, acaba por conquistar Lisboa em 1147. Em 1179 é concedido um Foral à cidade numa tentativa de recuperar as suas importantes ligações comerciais.

Será no século XIV que se farão importantes alterações na urbanização de Lisboa: a drenagem do Terreiro do Paço, novas ruas, muralhas e a crescente importância do Rossio como centro da cidade. Com D. Fernando, na eminência de um conflito militar com Castela, são construídas as Muralhas Fernandinas. Nesta época, surgem corporações de ofícios e as ruas tomam o nome das suas profissões: Rua da Prata, Rua do Ouro; Rua dos Sapateiros, etc. É a burguesia que assume o controle da cidade, favorecendo a expansão do comércio.

Lisboa continua a ser uma confluência de diferentes culturas e religiões, com especial destaque para judeus e muçulmanos que viviam, respetivamente em Judiarias e Mourarias.

A crise de 1383-85 vai marcar um novo período com a formação de uma nova aristocracia que assente o seu poder no comércio. São construídos grandes palácios em várias zonas e surgem os primeiros edifícios de habitação com vários andares. As ruas são estreitas e sinuosas, mas a cidade continua a crescer.

Com o início da expansão portuguesa e o desenvolvimento de novas rotas comerciais, Lisboa é o grande mercado europeu com exclusividade de produtos trazidos de África e do Oriente. No século XVI, a cidade é a mais rica da Europa e o verdadeiro centro do mundo. São construídos diversos monumentos emblemáticos como a Torre de Belém, o Mosteiro dos Jerónimos, o Forte de São Lourenço e diversos palácios. A pavimentação das ruas torna-se uma prioridade, através da utilização de cubos de calcário e basalto, formando desenhos – a calçada portuguesa. Desenvolve-se o Bairro Alto e em 1552 é inaugurada a Feira da Ladra.

(Vista de vários prédios de Lisboa. Retirada da internet)

Com a introdução da Inquisição em Portugal, a prosperidade de Lisboa começa a decair. A expropriação de terras e a confiscação de bens destrói uma burguesia que desenvolvia e alimentava a cidade.

O domínio filipino agrava toda esta situação: Portugal perde algumas das suas colónias e o comércio vai decair abruptamente. Durante este período constroem-se fortalezas e edifícios católicos, como é o caso do Convento de São vicente de Fora ou a Torre do Bugio. Os problemas financeiros conduzem a população à miséria e ao desemprego com um aumento substancial da criminalidade.

Restaurada a independência, Lisboa encontra-se dominada pelas ordens religiosas, com a fundação de mais de 40 conventos. O surgimento do ouro do Brasil vem reativar a prosperidade de Lisboa: constrói-se o Panteão Nacional e o Aqueduto das Águas Livres, entre outros. Apesar disso, a maior parte da população vive na miséria e Lisboa é descrita como uma cidade suja e degradada.


MJS

2021/07/05

A Arte no Livro - marcas de posse. Super-libros (parte1)

 

«Marca(s) de Posse - Marca de propriedade, marca pessoal ou simplesmente Pertence, é o elemento que se coloca num livro ou documento e que identifica o seu possuidor.»

«Super-libros; ex-libris, ex-dono, carimbos, etiquetas… são muitas das formas de marcas que nos indicam a quem pertenceu determinada obra. Uma obra poderá ter uma, ou mais, marcas de posse, indicando, como tal, a sua “pertença” a um, ou mais, possuidores. Um livro “marcado”, qualquer que seja o tipo de marca, conta uma história que nos leva, além das descrições bibliográficas, até ao “dono”.»

In http://bibliotecadaajuda.blogspot.com

 

O livro pode ser encarado, por um lado, como simples “objeto” ou, considerando os últimos avanços tecnológicos, um produto comercial, apelativo, desenhado para um mercado de consumidores. Contudo, na sua essência, o livro sempre foi mais do que um mero produto. Trata-se de uma criação intelectual e artística, fruto de um processo criativo, que tem simultaneamente uma função informativa e uma dimensão estética. Um livro é mais do que o texto; é o resultado de um processo criativo multifacetado. Ganha muito pelo estado de conservação e estima em que se encontra, mas pode, igualmente, ser muito valorizado pelo tipo de encadernação que o envolve e protege e pela assinatura do artífice responsável. Existem livros que são procurados pela raridade da edição e outros ainda que se tornam procurados, apenas, pela raridade e qualidade das ilustrações. Esse género de livros tem um valor intrínseco de cariz artístico e não literário.

O mesmo acontece com obras encadernadas por encadernadores célebres, pela mestria, originalidade e erudição do trabalho artístico que apresentam, ou por qualquer outro fator que lhes confere reconhecido mérito e valor. Os colecionadores de encadernações dão ao texto uma importância relativa e mesmo secundária; o fator que prezam é o valor artístico da encadernação, a originalidade, a marca da oficina ou a assinatura do artesão encadernador e – caso dos super-libros – a marca de posse que ostenta, i.e., o monograma, emblema ou brasão que as pastas poderão exibir.

Encadernação com super-libros do Conde de Sucena.

(Colecção do autor).


O termo super-libros (ou supralibros), do latim “supra” (sobre; acima; por cima de) + “libros” (livros) indica a propriedade de um livro. Na Europa, não só, mas particularmente, a Inglaterra e a França produziram magníficos exemplares. Os ingleses referem-se-lhes através da expressão “armorial bindings” e os franceses recorrendo ao termo “reliures armoriées”.

De um modo geral e característico, a encadernação armoriada exibe motivos heráldicos ou monogramas em lugar de destaque, que identificam o seu proprietário, surgindo, a maior parte das vezes, gravado a ouro, a seco ou em relevo, sobre a pasta anterior da encadernação (ou em ambas) e, ocasionalmente, na lombada. Também se encontram belos exemplares de super-libros coloridos.

Enquanto o ex-libris consiste numa placa estampada ou colada no interior do livro, os super-libros são aplicados com ferros próprios à capa do livro, aquando da encadernação, conferindo maior relevo e destaque. Estes, podem ser textuais ou figurativos. Os primeiros são geralmente compostos por frases curtas nas capas ou pelas iniciais do proprietário na parte inferior da lombada. Os figurativos, apostos principalmente no centro, costumam ser motivos simbólicos ou heráldicos (o brasão de armas, a referência ao nome, divisa ou emblema identificativo do proprietário, ou da biblioteca particular que o detém).

 

 

Encadernação com super-libros do Marquês de Niza.

(Colecção do autor).

 

Do mesmo modo que os ex-libris, os super-libros (“especialidade icono-bibliographica”, no dizer de Mathias Lima) mais do que um adorno, são uma expressão de orgulho para o proprietário do livro, uma marca única e pessoal e, frequentemente, um motivo ornamental que soma beleza, valor e distinção. Além disso, também podem ter a função de dirimir o furto ou extravio do livro. Associados ao alto clero e nobreza, terão sido usados pela primeira vez durante a Renascença quando a nobre arte da impressão tipográfica facilitou um maior acesso ao livro, permitindo que as primeiras bibliotecas privadas começassem a ser criteriosamente formadas.

«Aliás, o que se passa na tipografia não é senão uma forma particular de apoio à disseminação dos símbolos nacionais, que encontramos igualmente nas filigranas de papel, nos selos pendentes da correspondência oficial, nas moedas e nas iluminuras, para não falarmos das pedras-de-armas. Intencionalmente ou não, a verdade é que a incrustação dos símbolos nacionais na memória coletiva só podia fazer-se com êxito recorrendo às armas falantes.»

(Artur Anselmo, p. 1, 2014)

Então, como agora, os motivos heráldicos constituíam – e ainda têm esse poder – um motivo de regozijo e orgulho para um indivíduo particular ou uma família. Um brasão de armas denota uma determinada posição dentro da classe, prestigia uma instituição que o use e sublinha aspetos particulares de pertença a uma família. Na Europa medieval a atribuição e uso de armas tornou-se um hábito entre os nobres que constituíam uma casta militar distinta, com costumes e direitos próprios. Daqui evoluiu, até que no Renascimento toma sinais muito fortes de privilégio e de marca pessoal. A criação e porte de armas passou a não ser exclusivo de um grupo de nobres, estendendo-se a eclesiásticos, a cidades e demais entidades corporativas. A ‘nobre arte’ da encadernação, de igual modo, acompanhou as necessidades e vontades dos tempos, tornando-se um forte aliado dos que podiam dispor de meios para enriquecer e “iluminar” as suas bibliotecas.

A beleza e raridade destes espécimes, bem como o facto de serem exemplares únicos, tornam os livros com estas características valorizados e procurados por bibliófilos e colecionadores de todo o mundo e, consequentemente, altamente cotados na esfera do mercado livreiro antiquário mundial.

Em Portugal, foram produzidas encadernações com super-libros de rara e invulgar qualidade, muitas dos quais permanecem em valiosas coleções particulares. Por fim, enquanto dedicados estudiosos e divulgadores deste assunto, em território nacional, cumpre destacar os trabalhos dos seguintes autores: Aníbal Fernandes Tomás (1849-1911); Conde de Castro e Solla (1874-1948) e Mathias Lima (1885-1970).


JMG


 

BIBLIOGRAFIA e WEBGRAFIA:


ANSELMO, Artur (2014). Armas nacionais portuguesas como marcas tipográficas. In «Cultura revista de História e Teoria das Ideias», Vol. 33. [em linha]. [Consult. 14.06.2021]. Disponível: https://journals.openedition.org/cultura/2409?lang=en

BIBLIOTECA NACIONAL DA AJUDA (2006). Marcas de posse. [em linha]. [Consult. 08 de junho de 2021]. Disponível: https://bibliotecadaajuda.blogspot.com/search?q=super+libros

CASTRO E SOLLA, Conde de (1915). Super-libros ornamentaes: reproduções e notas descritivas. Lisboa: Typographia editora J. Bastos

GREENWOOD, Ryan (2013). Armorial-bindings: introduction. [em linha]. [Consult. 25.05.2021]. Disponível: https://library.law.yale.edu/news/armorial-bindings-introduction

LIMA, Mathias (1927). Super-libros portugueses inéditos. Porto: Fernando Machado & C.ª, Lda.

SECRETARIADO NACIONAL DE INFORMAÇÃO, CULTURA POPULAR E TURISMO [org.]. (1958). Catálogo da exposição de super-libros. Lisboa: Academia Portuguesa de Ex-Libris.

WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Supralibros. [em linha]. [Consult. 02 de junho de 2021]. Disponível: https://es.wikipedia.org/wiki/Supralibros