Até
meados do século XIX não existia, na estrutura governativa portuguesa, um
ministério específico para os assuntos educativos. Estes eram tratados no
âmbito daquilo que D. António da Costa designa, nas primeiras linhas deste seu
texto, por «um estado dentro do estado»: o Ministério do Reino, uma pesada
estrutura governativa que tinha sob sua alçada matérias tão diversas como as
obras públicas, o ensino ou os assuntos eclesiásticos.
Vários
intelectuais e políticos de oitocentos chamam repetidamente a atenção para a
inoperância de um ministério com um leque tão grande de atribuições. A partir
dos anos 1850, com a subida ao poder do Marechal Saldanha, este ministério
começa, efetivamente, a ser objeto de alguma reorganização.
A
primeira importante medida foi a criação de um «Ministério das Obras Públicas»,
autonomizando assim o tratamento das questões relativas à construção de
infraestruturas consideradas, então, da maior urgência. À frente deste
ministério estará Fontes Pereira de Melo, político que confere um impulso
decisivo à construção de estradas e caminhos-de-ferro, ao desenvolvimento de
redes de transportes e comunicações, e à modernização de infraestruturas no
campo industrial.
A
década de 1850 marca o início deste processo. A 28 de Outubro de 1856 é
inaugurada, com pompa e aparato, a primeira linha de caminho-de-ferro em
Portugal, numa cerimónia representada numa célebre aguarela de Roque Gameiro
(aqui reproduzida).
Já no
final da década, em 1859, o Ministério do Reino conhece uma reorganização que
incluiu a sua subdivisão em três Direções, uma das quais a «Direção-Geral da
Instrução Pública». Quando D. António da Costa escreve este seu texto sobre a necessidade de um ministério da instrução
pública, em 1868, decorrem portanto quase 10 anos sobre esta reorganização
que dá origem a uma estrutura institucional própria para a instrução, embora
ainda não autónoma.
Sobrinho
do Duque de Saldanha, grande admirador da obra da Regeneração e, em particular,
de Fontes Pereira de Melo, político que considerava notável, António da Costa
empenhou-se fortemente da defesa da instrução pública, tendo sobre esse assunto
feito diversas intervenções enquanto deputado às cortes.
Considerando-se
um progressista, pertencia a um grupo de parlamentares que defendia uma maior
intervenção do Estado na educação, nomeadamente para fazer chegar a instrução
às chamadas «classes populares», que dela estavam então totalmente arredadas.
A
ideia da autonomização de uma estrutura governativa para as questões da
instrução foi tendo vários defensores para além dele. Em 1860, Antero de
Quental lamenta a inexistência de um ministério da instrução afirmando que ela
é uma das causas “do menosprezo e quase aversão que entre nós sofrem letras e
ciências”. Desta inexistência decorriam dificuldades e entraves vários,
geradores de dispersão e desordenamento burocrático. Para além disso, era
manifesta a necessidade de afetação de um orçamento próprio à educação,
retirando-o, como diz D. António da Costa neste texto, “do ministério que tem a
seu cargo a política interna, com todas as complicações eleitorais e locais”.
António
da Costa refere ainda uma proposta do então ministro da Marinha, José Maria
Latino Coelho, de “conversão da Direção-Geral de Instrução Pública num
ministério gerido cumulativamente com alguns dos outros ministérios”. Considera
esta ideia interessante, mas insuficiente, propondo-se “ir mais adiante,
pedindo um ministério de instrução pública independente” (pp. 6-7). E
fundamenta este seu ‘pedido’ através de uma análise que faz da situação
portuguesa. Como refere na conclusão, Portugal é nesta altura “um país que de
750.000 crianças de sete a quinze anos de idade tem fora da instrução 650.000”,
o que correspondia a uma taxa de escolarização baixíssima, sendo “a média de
crianças do sexo masculino de 3 para 100, e do sexo feminino de 1 para 100” (p.
13).
Os
argumentos de natureza estatística são cruciais nesta época. É na década 60 do
século XIX que se elaboram e se publicam as primeiras estatísticas sobre
educação em Portugal, acompanhando uma tendência internacional que se vinha a
consolidar.
Assiste-se,
nesta altura, ao início do que hoje designamos por abordagens comparatistas;
isto é, aos primeiros levantamentos estatísticos da situação educativa em
vários países, colocando lado a lado indicadores numéricos que evidenciam as
diferenças entre nações com taxas de alfabetização mais fortes
(maioritariamente na europa central e do norte) e países com populações menos
alfabetizadas, predominantes na europa mediterrânica.
Em
Portugal, por volta de 1870 as taxas de escolarização seriam pouco superiores a
10 % da população em idade escolar. Estávamos, então, como refere António Nóvoa
(p. 25) muito longe dos países mais próximos (30 % em Itália ou 40 % em
Espanha) e a uma enorme distância dos países mais longínquos (60 % na Noruega
ou 70 % na Suécia).
Indicadores
deste tipo começam, então, a exercer uma significativa pressão sobre as classes
dirigentes. É de registar a
coincidência entre o facto de D. António da Costa ter sido o primeiro
responsável por um ministério da instrução, e ter sido, também, um dos
introdutores do trabalho estatístico no nosso país (Nóvoa, p. 37).
O seu
interesse por este tipo de trabalhos manifestara-se já vários anos antes quando
publica, em 1855, um trabalho intitulado Estatística
do distrito administrativo de Leiria, que compreendia entre outros,
indicadores relativos à instrução. E neste manifesto sobre a necessidade de um ministério da instrução, de
1868, apresenta elementos que irão surgir detalhadamente na sua obra de maior
fôlego, A Instrução Nacional, que
publica em 1870, e na qual traça um diagnóstico minucioso relativamente à
situação do país.
Nas
duas páginas dessa obra que aqui reproduzimos, pode ver-se um quadro com
«Número de alunos da instrução primária» em diversos países (p. 256) e, logo de
seguida, o “Número de habitantes das mesmas nações” (p. 257) oferecendo, deste
modo um pouco incipiente, os elementos para que o leitor deduzisse as taxas de
escolarização.
A
pressão comparatista com países que se começam a perfilar como mais
desenvolvidos em matéria educativa faz-se sentir com especial relevo nesta
época, e António da Costa conclui deste modo a respeito da situação portuguesa
em 1868:
«Um
país que no século XX não possui uma só cadeira de ensino primário superior nem
profissional, que nas próprias escolas elementares desconhece a educação
física, o desenvolvimento intelectual e, pode-se dizer, a educação moral, que
não organizou ainda a instrução primária na base indispensável da localidade,
que não tem senão 331 cadeiras para o sexo feminino […] que não tem bibliotecas
populares, que não ensina ao povo nem desenho nem canto, nem princípios de
agricultura e de indústria, um país cujo magistério primário morre de fome, sem
carreira gradual que lhe abra o incentivo do futuro […] um país nestas
circunstâncias não é um país europeu, digamo-lo com profundo desgosto, é um
país semi-bárbaro». (p. 14).
Infelizmente,
a criação deste Ministério da Instrução em 1870 foi efémera. António da Costa é
substituído, ainda nesse ano, por Carlos Bento da Costa, que faz uma passagem
breve entre 30 de agosto e 1 de setembro, sendo a pasta seguidamente assegurada
por D. António Alves Martins, Bispo de Viseu, até finais de dezembro.
No
início da década de 1890 assiste-se a um novo esforço de criação de uma
estrutura ministerial, desta vez com o nome de «Ministério da Instrução Pública
e Belas Artes», que terá por primeiro responsável João Arroio (entre 5 de abril
e 13 de outubro de 1890). Com uma longevidade ligeiramente maior que o
anterior, este ministério existirá até 1892, conhecendo ao todo quatro
dirigentes.
Só em
1913, no âmbito das reformas republicanas, será criado um Ministério que
consegue ultrapassar o patamar do efémero e persistir, com diversas designações
e orientações, até aos dias de hoje. Estamos, portanto, nas vésperas do seu
centenário!
TSC
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