2025/05/22

Muitos Anos de Escolas – Volume I – Edifícios para o Ensino Infantil e Primário até 1941 – Capítulo X - Os Projetos-Tipo Regionalizados – Escolas Raúl Lino e Rogério de Azevedo (Parte I)

 

 

X – Os Projetos-Tipo Regionalizados – Escolas Raúl Lino e Rogério de Azevedo–Parte I

 

Em 1933 Guilherme Rebello de Andrade redigiu a Memória do Anteprojeto do Plano Geral de Tipos-Regionais de Escolas Primárias Oficiais a Construir em Série. Foram definidas 3 regras para a execução das plantas: a planta deveria facilitar ampliações futuras; deveria aproveitar todos os terrenos seja qual for a exposição ao Norte; e, igualmente, estandardizar os modelos de construção das escolas por grupos. Os projetos a apresentar deveriam ter em consideração as características da arquitetura regional, os materiais e as variações climáticas. As regiões climáticas em que o país se dividia eram:

A – Algarve;

B- Alentejo;

C – Estremadura;

D – Beira Litoral;

E – Beira Baixa, do Sul;

F – Beira Baixa, do Norte, Beira Alta e Minho;

G – Trás os Montes.

Em 1937 a Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais aprovou projetos para 44 edifícios de escolas primárias. Em Lisboa seriam executados por Raúl Lino (3 tipos regionais e 12 soluções) e no Porto, por Rogério de Azevedo (6 tipos regionais, 1 tipo rural e 32 soluções).

Raúl Lino foi responsável pelos projetos de Faro, Beja, Évora, Portalegre, Setúbal, Lisboa, Santarém e Leiria. Os aspetos de arquitetura regional agruparam-se em 3 tipos diferentes:

Algarve – soluções para 1, 2, 3 e 4 salas;


(Imagem de alçado e planta do Tipo de Escola Primária para o Algarve - 1 sala)

(Imagem de alçado do Tipo de Escola Primária para o Algarve - 2 salas)


(Imagem de alçado e planta do Tipo de Escola Primária para o Algarve - 2 salas)


Estremadura (cantaria) – as mesmas soluções;


(Imagem de alçado do Tipo de Escola Primária para Estremadura - Cantaria - 1 sala)


Alentejo e Ribatejo (tijolo) – as mesmas soluções.

 

(Imagem do alçado principal do Tipo de Escola Primária para o Alentejo e Ribatejo - Tijolo - 1 sala)


 

Fonte: BEJA, Filomena, et al. Muitos Anos de Escolas – Volume I – Edifícios para o Ensino Infantil e Primário até 1941. Lisboa, Ministério da Educação – Direção-Geral da Administração Escolar, 1990.


MJS


2025/05/19

Muitos Anos de Escolas – Volume I – Edifícios para o Ensino Infantil e Primário até 1941 – Capítulo IX - A Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais

 

(Imagem da fachada da Escola Central Infante D. Henrique em Angra do Heroísmo, Açores. Escola projetada pelo Arquiteto Jorge Segurado em 1933)


 

IX – A Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais

 

Criada a 30 de maio de 1929, a Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais incluía a Repartição Central, a Direção dos Edifícios Nacionais do Norte, a Direção dos Edifícios Nacionais do Sul e a Direção dos Monumentos Nacionais.


(Imagem dos desenhos da planta e do alçado lateral de uma carteira para dois alunos)


Estes serviços levaram a cabo a construção das Escolas Dr. Alfredo Magalhães (Ministro da Instrução), no distrito de Viana do Castelo, com um número variável de salas e traça dos edifícios. Estas escolas foram equipadas com mobiliário, mediante o subsídio do Fundo do Desemprego em 1936/37, cedido a várias Câmaras Municipais. Os desenhos das peças foram aprovados pela Direção dos Edifícios Nacionais do Norte.


(Imagem do desenho dos alçados da Escola de Proença-a-Nova, Projeto N.º 94 da autoria do Arquiteto Francisco dos Santos em 1932)


Em 1932 regulamentou-se a nova orientação dos Melhoramentos Urbanos com articulação entre o Ministério das Obras Públicas e o da Instrução. Entre 1930 e 1935 foram aprovados diversos projetos para escolas primárias (de vários autores e em diferentes correntes arquitetónicas), que nem sempre se concretizaram: Arquiteto Jorge Segurado (Liceu de Lamego, Escola Normal de Coimbra, Edifícios escolares em Estremoz, Pombal, Cascais, Escola Central de Angra do Heroísmo; Escolas do Bairro Social do Arco do Cego, Lisboa); Arquiteto Henriques Costa (Projeto para a escola de Vila Nova de Baronia – Alvito); Arquiteto Francisco dos Santos (Escola de Proença-a-Nova); Arquiteto Rebello de Andrade (Escola de Brejos de Azeitão, Setúbal).


(Imagem do desenho do alçado posterior do edifício da Escola-Cantina "José Rufino" em Alijó)


O investimento do governo foi insuficiente para a carência do país. Assim sendo, algumas famílias com recursos económicos mandavam construir escolas e outros fizeram doações, sob a égide do direito à educação. Neste último caso poderá referir-se a Escola-Cantina “José Rufino” em Alijó, inaugurada em 1934 com um projeto da autoria dos arquitetos Baltazar de Castro e Rogério de Azevedo.

 

 

Fonte: BEJA, Filomena, et al. Muitos Anos de Escolas – Volume I – Edifícios para o Ensino Infantil e Primário até 1941. Lisboa, Ministério da Educação – Direção-Geral da Administração Escolar, 1990.


MJS


2025/05/15

Peça do mês de maio/2025

 



Caixa de mudanças de quatro velocidades

 

Caixa de mudanças de quatro velocidades utilizada no Laboratório de Física para fins pedagógicos. A caixa de velocidades de um automóvel serve para desmultiplicar a rotação do motor para o diferencial ou diretamente para as rodas, por forma a transformar a potência do motor em força ou velocidade, dependendo da necessidade.

Está inventariado com o número ME/401250/572 e pertence ao espólio museológico da Escola Secundária D. Dinis.


MJS

2025/05/12

Educadores Portugueses dos séculos XIX e XX: Fernando da Silva Correia (1893– 1966)

 

(Imagem do autor retirada da internet)


 

Fernando da Silva Correia nasceu no Sabugal a 20 de maio de 1893, filho de Joaquim Manuel Correia, advogado e etnólogo e de Carlota Filomena da Silva Correia. Cresceu no seio de uma família republicana, sendo o seu pai dirigente local do Partido Republicano Português e, mais tarde, Presidente da Câmara e Administrador do concelho das Caldas da Rainha. Frequentou a escola primária na Guarda e os Liceus de Leiria e Coimbra. Em concluiu o curso de Medicina na Universidade de Coimbra.

Em 1918 prestou serviço no Corpo Expedicionário Português como tenente-médico. Como tal, só em 1919 apresentou a sua tese sobre “A Profilaxia das febres tifoides e paratifoides de A e B pela vacina”. Neste ano abriu um consultório nas Caldas da Rainha como clínico Geral.

Em 1920 frequentou o Curso de Medicina Sanitária em Coimbra e em 1921 terminou o curso de Hidrologia em Lisboa com a publicação de um “Guia prático das águas minero-medicinais portuguesas”. Neste último ano foi nomeado Médico Municipal e Delegado de Saúde, tendo exercido os cargos até 1934.

Empenhou-se, durante este período, no combate a várias doenças, como a febre tifoide, o sarampo, a varicela e a varíola. Teve um importante papel na fundação de um Laboratório Municipal de análise e controlo de produtos alimentares, com especial atenção ao leite.

Em 1925 criou o Lactário-Creche Rainha D. Leonor e em 1930 o Dispensário de Profilaxia Social das Caldas da Rainha. Estes projetos refletiam a posição de alguns médicos da década de 30 no apoio dado à infância e no combate à mortalidade infantil. O objetivo era ensinar as mães a cuidar dos filhos, funcionando igualmente como uma creche para a população desfavorecida; apoiar a amamentação materna; distribuir leite esterilizado, promover consultas; doar vestuário; e divulgar princípios de higiene.

Silva Correia considerava que a educação sanitária e os conhecimentos de básicos de higiene eram extremamente precários em Portugal. Este foi o seu grande projeto de vida: divulgar cuidados de higiene junto de toda a população, com especial destaque para as mães, promovendo uma mudança de mentalidades. Neste sentido, e promovendo intensamente os cuidados de puericultura, publicou vários trabalhos e brochuras de divulgação: “Breviário das Mães: Conselhos de Higiene da Primeira Infância” (1927), “ABC das Mães” (1930), “Breviário de Higiene” (1931), “Breviário Moral” (1931) e “Problemas de Higiene e Puericultura” (1934).

Em 1934 iniciou funções como Inspetor da 3.ª Área da Saúde Escolar que incluía os distritos de Castelo Branco, Guarda, Setúbal, Portalegre, Évora, Beja e Faro. Aqui foi responsável pela orientação dos médicos escolares, pelas visitas aos liceus no sentido de verificar as condições sanitárias, os horários e o estado físico, moral e psicológico dos alunos. Neste sentido, Silva Correia fez várias conferências e publicou diversos artigos sobre saúde escolar com especial destaque para a análise psicológica dos discentes.

Durante este ano foi nomeado professor de Administração Sanitária do curso de Medicina Sanitária no Instituto Central de Higiene Dr. Ricardo Jorge. A partir de 1935 lecionou igualmente no Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa, presidido pela Condessa de Rilvas.

Para que estas visitas aos Liceus pudessem ser devidamente acompanhadas, Silva Correia participou nos primeiros cursos de formação para técnicas de Serviço Social, em 1939.

Em 1946 tornou-se diretor do Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jorge e a sua ação orientou-se para o desenvolvimento e ampliação do instituto. Entre 1947 e 1950 fez várias missões de estudo por diversas cidades europeias, participando em inúmeros congressos.

 

 

Fonte principal: Dicionário de educadores portugueses / dir. António Nóvoa. - Porto : ASA, 2003.

 

MJS


2025/05/08

Muitos Anos de Escolas – Volume I – Edifícios para o Ensino Infantil e Primário até 1941 – Capítulo VIII - O Após-Guerra. A Repartição das Construções Escolares


(Imagem do alçado principal e do alçado lateral da Escola Tipo XXV - nº. 46 da autoria do arquiteto Eugénio Correia, datado de 1926)


 

VIII – O Após-Guerra. A Repartição das Construções Escolares

 

A situação das instalações escolares na década de 20 piorou consideravelmente, atendendo em grande parte, à participação de Portugal na Primeira Guerra Mundial. O governo encarregou a Repartição das Construções Escolares de proceder ao estudo estatístico do estado das escolas, elaborar projetos e respetivos cadernos de encargos.

A concretização destas medidas foi praticamente inexistente e, após o golpe militar de 1926, a Repartição das Construções Escolares acabou por ser extinta para dar lugar à Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais em 1929.

Os projetos anteriormente definidos pela Repartição foram aproveitados pela nova Direção Geral. São referenciados os tipos de maior relevância que foram implantados, com maior ou menor número de alterações:

Tipo I – Norte – Edifício de uma sala de aula, cuja entrada se faz por um átrio coberto e gradeado;

Tipo II – Norte – Edifício com duas salas de aula, vestíbulo, museu e gabinete para professores, num único piso;

Tipo II A – Norte – Edifício com os mesmos espaços da escola Tipo II, Norte e Centro, mas com 2 andares;

Tipo II – Centro – Igual à do Tipo II – Norte, mas com o átrio coberto e delimitado por arcos;

Tipo III – Centro – Edifício com 3 salas de aula, cuja fachada é semelhante ao Tipo II – Centro;

Tipo VII – n.º 7 – Edifício com 2 salas de aula. A entrada faz-se através de um alpendre que articula com o vestíbulo;

Tipo IX – Edifício de 2 andares com 6 salas de aula, gabinetes de professores e uma biblioteca;

Projeto N.º 10 – Edifício de 2 andares com 4 salas de aula, gabinetes e museu. A entrada é feita por um átrio coberto. A autoria é do Arquiteto Eugénio Correia;

Tipo XIV – Centro – Edifício conjunto escola-duas residências com 2 salas de aula, gabinetes e vestíbulo. A entrada faz-se através de um átrio coberto;

Projeto N.º 15 – Edifícios de 2 andares, quatro salas de aula, sala de trabalhos manuais, gabinetes e museu. Tem 2 entradas na zona de recreio coberto, com acesso ao vestíbulo;

Tipo XX – n.º 27 – Edifício de 2 andares, 4 salas de aula e 2 gabinetes de professores. A entrada articula-se com um átrio coberto envolvido por arcos;

Tipo XXI – Norte – Edifício conjunto escola-residência com 1 sala de aula, corredor, gabinete do professor e sala de arrumos. A entrada faz-se por um alpendre que articula com o corredor. A autoria é do Arquiteto Frederico de Carvalho;

Tipo XXIV – Edifício de 2 andares com 6 salas de aula, dois gabinetes de professores e recreio coberto;

Tipo XXV – n.º 46 – Edifício modesto com 1 sala de aula, um pequeno gabinete e um vestíbulo. Da autoria do Arquiteto Eugénio Correia foi o tipo de escola mais repetido pelo país;

(Imagem das fachadas da Escola Tipo XXVIII – n.º 50)

Tipo XXVIII – n.º 50 – Edifício com 2 salas de aula, gabinete e vestiário. Muito semelhante ao Tipo XXV – n.º 46, foi também muito repetido sobre todo o país;

Tipo XXXI – n.º 55 – Edifício conjunto escola-habitação com 1 sala de aula, vestíbulo e gabinete. A autoria é do Arquiteto Jorge Segurado;

Tipo XXXIV – n.º 59 – Centro – Edifício de 2 andares com 2 salas de aula e dois gabinetes;


(Imagem dos alçados da Escola Tipo XXXVI – n.º 61 – Centro)

Tipo XXXVI – n.º 61 – Centro – Edifício de 2 salas de aula, vestíbulo, 2 gabinetes e recreio coberto. Foi bastante executado de norte a sul do país;

Tipo XXXIX – n.º 78 – Edifício com 8 salas de aula, quatro gabinetes, museu, vestíbulo e átrio interior. A autoria é do Arquiteto Eugénio Correia;

Tipo XL – n.º 79 – Edifício conjunto escola-residência com 1 sala de aula, vestíbulo, vestiário e gabinete. A autoria é do Arquiteto Jorge Segurado;

Tipo XLII – n.º 81 – Edifício de 2 andares com 4 salas de aula, gabinetes, museu, e átrio interior. A autoria é do Arquiteto Eugénio Correia.

 

 

Fonte: BEJA, Filomena, et al. Muitos Anos de Escolas – Volume I – Edifícios para o Ensino Infantil e Primário até 1941. Lisboa, Ministério da Educação – Direção-Geral da Administração Escolar, 1990.


MJS


2025/05/05

Educadores Portugueses dos séculos XIX e XX: Fernanda de Castro (1900 – 1994)

 

(Imagem da autora retirada da internet)


 

Maria Fernanda Teles de Castro de Quadros Ferro nasceu em Lisboa a 8 de dezembro de 1900, filha de João Filipe das Dores de Quadros, Oficial Capitão-Tenente da Marinha e de Ana Isaura Codina Teles de Castro da Silva.

Tendo perdido a mãe aos 12 anos, acompanhou o pai em diversas comissões pelo país e estudou em Portimão, na Figueira da Foz e em Lisboa.

Foi romancista, poetisa e conferencista, tendo começado pela publicação de contos infantis como A Mariazinha em África, A Princesa dos Sete Castelos, Fim de Semana na Gorongosa ou Novas Aventuras de Mariazinha. Todas estas obras contribuíram para a criação de um sentimento de africanidade entre as gerações mais jovens.

Casou com António Ferro em 1922. Colaborou com várias figuras de destaque do plano intelectual português como Sarah Afonso, Emília de Sousa Costa e Teresa Leitão de Barros.

Apoiante do Estado Novo, participou em importantes eventos culturais, como a Exposição Internacional de Paris (1937), a Exposição Internacional de Nova Iorque e São Francisco (1939) e a Exposição do Mundo Português (1940).

Foi a criadora do primeiro Parque Infantil em Portugal, a 6 de dezembro de 1933 com o financiamento de Ricardo Espírito Santo e a cedência do terreno no Jardim de São Pedro de Alcântara. Seguiram-se muitos outros: o Parque do Campo Pequeno, o Parque das Necessidades, o Parque de Santa Catarina e o Parque de Alcântara, destinados a crianças carenciadas dos 3 aos 10 anos. Quarenta anos depois, a gestão destes parques passou para a Santa Casa da Misericórdia.

Entretanto, Fernanda Castro dedicou-se à educação das crianças desfavorecidas com idade superior a 10 anos, tendo criado a “Colmeia”, uma escola de artes e ofícios. Aqui as crianças aprendiam um ofício e podiam vender os seus trabalhos. No Parque Infantil das Necessidades surgiu o projeto artístico “Pássaro Azul”, onde os mais pequenos tomavam contato com todo o tipo de artes. Esta instituição não vingou devido aos esforços financeiros exigidos pela guerra colonial.

Após a morte do seu marido, aceitou o cargo de Presidente da Comissão de Literatura e Espetáculos para Menores. Este trabalho consistia em fazer uma censura pedagógica a todo o tipo de materiais que se destinavam às crianças. Colaborou em vários jornais e revistas e em 1969 ganhou o Prémio Nacional de Poesia.

 

 

Fonte principal: Dicionário de educadores portugueses / dir. António Nóvoa. - Porto : ASA, 2003.

 

 MJS


2025/05/01

As Bibliotecas e a História - Vila dos Papiros - Cidade de Herculano (Campânia), Itália

 

«A Biblioteca, que também era de certa forma um farol, é, contudo, um lugar que nenhum autor antigo nos ajuda a imaginar. Em todos os textos, permanecem imprecisos os detalhes sobre o espaço, a distribuição de salas e pátios, as atmosferas e os recantos, como que refletidos num espelho às escuras.»

(Irene Vallejo, pág. 70)

 

 

Vista atual da Vila dos Papiros, em Herculano.
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Vila_dos_Papiros

 

A Vila dos Papiros ou Villa dei Papiri constituiu uma residência particular da antiga cidade romana de Herculano (atual município italiano de Ercolano). Situada a noroeste da cidade, a residência encontra-se a meio caminho do vulcão Vesúvio. O Vesúvio encontra-se a cerca de quinze quilómetros a sul do perímetro urbano da Nápoles moderna, Pompeia a cerca de dez quilómetros a sul do Vesúvio e Herculano situa-se a meio caminho entre Nápoles e Pompeia, mesmo em frente do cone vulcânico, a cerca de seis quilómetros da cratera. As duas cidades ficaram sepultadas sob as cinzas e a lama vulcânica ocasionadas pela erupção do vulcão no ano 79 da nossa Era. Na realidade, tanto Pompeia como Herculano eram cidades portuárias, mas com o avanço da lava da erupção e com o passar dos anos, ambas se encontram agora a uma certa distância da praia.

Outrora rica de cultura, de comércio, termas e de palácios, Herculano era um dos retiros favoritos da corte imperial e um espaço de eleição de poetas e filósofos. Ao que tudo indica, foi propriedade do sogro de Júlio César, Lúcio Calpúrnio Pisão Cesonino. Lúcio Calpúrnio, um rico aristocrata eleito cônsul em 148 a.C., foi, igualmente, um poderoso magistrado e leitor entusiasta das obras do pensamento grego.

Embora menor que a sua vizinha Pompeia, com uma população de até cinco mil habitantes, Herculano era uma cidade mais rica. Na verdade, constituiu-se, desde cedo, como um refúgio à beira-mar para a elite romana, rica e poderosa, o que se reflete na extraordinária densidade de “mansões” grandiosas e luxuosas, sendo disso testemunho os elaborados e vistosos pisos de mármore colorido. Entre os melhores edifícios da antiga cidade encontra-se a Vila dos Papiros. À época, era mesmo conhecido como o mais belo dos edifícios atendendo à sua dimensão, à magnificência e qualidade dos frescos que cobriam as suas paredes e ao estuque trabalhado que ornava tetos, volutas e cornijas.

 

«As escavações da Villa dos Papiros revelaram que os livros do sibarita Pisão estavam guardados numa divisão de três por três metros com prateleiras nas paredes e uma estante de madeira de cedro ao centro com três prateiras dos dois lados. Os rolos eram transferidos para o pátio contíguo para poderem lê-los com boa luz, entre luxuosas estátuas. Nesse design, o arquiteto da villa seguia o precedente grego.»

(Irene Vallejo, pág. 348)


O edifício, pelas suas características, emanava beleza e tranquilidade, para o que muito contribuía o terreno verde e cuidado, que o rodeava, e a deslumbrante frente de mar a perder de vista. Numa das suas muitas salas que o compunham, em armários de madeira encontrava-se alojada uma biblioteca de rolos de papiro. Nela se reunia uma das maiores e melhores coleções de documentos da antiguidade: obras de Epicuro e, sobretudo, do filósofo Filodemo de Gádara, mestre de nomes como os de Virgílio, Horácio e Cícero. Filodemo, nascido no ano de 110 a.C., na cidade de Gádara, foi um filósofo e poeta epicurista que estudou sob a alçada de Zenão de Sídon, em Atenas, antes de se mudar para Roma e, posteriormente, para Herculano, onde veio a morrer, em 35 a.C. Conhecido, antes de mais, pela sua poesia preservada na Anthologia Graeca, muitos escritos seus foram descobertos entre os rolos (carbonizados) da Vila dos Papiros, em Herculano.

 

Aspeto de um rolo de papiro encontrado na Vila dos Papiros.
Fonte: https://pt.futuroprossimo.it

 

Apesar de difíceis de decifrar, as obras de Filodemo apresentam-se de importância extrema, pois reúnem muita informação sobre assuntos diversos, tais como: ética, teologia, retórica, música, poesia e a história e o pensamento de várias escolas filosóficas.


«O rolo de papiro implicou um fantástico avanço na história do livro. Os judeus, gregos e romanos adotaram-no com tanto entusiasmo que chegaram a considerá-lo um traço cultural próprio. Em comparação com as tabuinhas, as folhas de papiro são um material fino, leve e flexível e, quando se enrolam, fica armazenada uma grande quantidade de texto em muito pouco espaço. Um rolo de dimensões habituais podia conter uma tragédia grega completa, um diálogo breve de Platão ou um evangelho. Isso representava um prodigioso avanço no que se refere ao esforço para conservar as obras do pensamento e da imaginação.»

(Irene Vallejo, pág. 76)

 

Quando se alude aos papiros de Herculano referem-se os mais de mil e oitocentos papiros aí encontrados, no século XVIII, por volta de 1750, carbonizados pela erupção do Vesúvio no ano de 79, sob o governo de Tito (imperador romano entre os anos de 79 e 81 d.C.).

Após várias tentativas inglórias e métodos de manipulação erróneos, encontrou-se, na atualidade, uma forma de os “desenrolar”, que, finalmente, permitiu alguma da sua leitura e decifração. Constatou-se que os papiros contêm vários textos filosóficos gregos, provenientes de uma única biblioteca pessoal, associada ao filósofo Filodemo de Gádara, identificado como o autor de quarenta e quatro rolos.

Até meados do século XVIII, os únicos papiros conhecidos eram alguns exemplares que haviam sobrevivido da época medieval. Contudo, textos em grego e latim, não tinham sobrevivido, tendo-se fragmentado ou perdido. Muitos ficaram irremediavelmente perdidos com tentativas erróneas, ou menos conseguidas, de os tentar desenrolar.

 

Estátua de bronze de um corredor encontrada na Vila dos Papiros.
Fonte: https://ast.wikipedia.org/wiki/Villa_de_los_Papiros

 

Seja como for, só muito mais tarde, com recurso a métodos e equipamentos científicos avançados (uma combinação de imagens de raios-X com programas de Inteligência artificial), a Biblioteca Nacional Italiana de Nápoles descobriu um processo, não intrusivo e não destrutivo, que permitiu abrir digitalmente um rolo de papiro que não era lido há dois mil anos e decifrar, pelo menos, algum do seu conteúdo. Veio, então, a constatar-se que este riquíssimo conjunto de papiros resgatados dos escombros, preservam textos refinados sobre os mais diversos temas e assuntos: música, poesia, a perceção, a eloquência e a ética, mas, também, sobre o amor, a loucura, a adulação ou a morte.

Como a cidade de Herculano se encontrava mais próxima do Vesúvio, a sua carbonização e consequente extinção de oxigénio aconteceu de forma mais rápida, o que levou a que o seu estado de conservação seja melhor do que o da sua congénere a sul. Assim, em Herculano encontramos papiros, madeira, tecidos e até alimentos que se conservaram por mais de mil e seiscentos anos debaixo das cinzas e da lama vulcânica. Na verdade, a Vila dos Papiros revelou, no seu interior, para além da única biblioteca sobrevivente do mundo clássico, o mais rico museu jamais encontrado numa residência privada: frescos, mosaicos, um grande número de estátuas de bronze representando divindades, heróis, filósofos e poetas, testemunhos únicos de um verdadeiro amor pela arte.

 

JMG

 

 

REFERÊNCIAS E SUGESTÕES DE LEITURA:

(BIBLIOGRAFIA, WEBGRAFIA e ILUSTRAÇÕES)

 

BARBIER, Frédéric (2018). De Alexandria às bibliotecas virtuais. São Paulo: EDUSP.

BATTLES, Matthew (2003). A conturbada história das bibliotecas. São Paulo: Planeta do Brasil.

CASSON, Lionel (2001). Libraries in the ancient world. New Haven and London: Yale University Press.

FRWIKI.WIKI [s.d.]. Vila do papiro. [em linha]. [Consult. 09.04.2025]. Disponível: https://pt.frwiki.wiki/wiki/Villa_des_Papyrus

FUTURO PROSSIMO (2025). Os papiros de Herculano carbonizados pelo Vesúvio serão lidos pela IA. [em linha]. [Consult. 08.04.2025]. Disponível: https://pt.futuroprossimo.it/2019/10/i-papiri-di-ercolano-carbonizzati-dal-vesuvio-saranno-letti-dallai/

MURRAY, Stuart A.P. (2009). The library: an illustrated history. New York, Chicago: ALA Editions.

OIKONOMOPOULOU, Katerina; WOOLF, Greg (2013). Ancient libraries. St. Andrews: Cambridge University Press.

THOMPSON, James Westfall (1940). Ancient libraries. Berkeley: University of California Press.

VALLEJO, Irene (2020). O infinito num junco. Lisboa: Bertrand Editora.

WIKIPEDIA (2023). Filodemo de Gádara. [em linha]. [Consult. 03.04.2025]. Disponível: https://pt.wikipedia.org/wiki/Filodemo_de_G%C3%A1dara

WIKIPEDIA (2024). Papiros de Herculano. [em linha]. [Consult. 07.04.2025]. Disponível: https://pt.wikipedia.org/wiki/Papiros_de_Herculano

WIKIPEDIA (2024). Villa de los papiros. [em linha]. [Consult. 07.04.2025]. Disponível: https://ast.wikipedia.org/wiki/Villa_de_los_Papiros