2025/09/18

As Bibliotecas e a História - A Biblioteca Imperial de Constantinopla - Constantinopla, (atual Istambul), Turquia


 



FUNDAÇÃO DA BIBLIOTECA

A Biblioteca Imperial de Constantinopla localizava-se na antiga capital do Império Bizantino e era a última das grandes bibliotecas do mundo antigo, tendo sobrevivido muito após a destruição da Biblioteca de Alexandria e de outras bibliotecas do mundo antigo. A ela se deve a preservação do conhecimento dos antigos gregos e romanos durante quase mil anos. Uma série de incêndios acidentais ao longo dos anos e outros danos causados pela guerra – incluindo os ataques da quarta cruzada, no ano de 1204 –, impactou o próprio edifício e o que ela guardava. A biblioteca subsistiu em relativo bom estado até a cidade de Constantinopla ser conquistada pelos otomanos no ano de 1453. Nesta ocasião, importantes conteúdos foram irremediavelmente danificados, senão mesmo, destruídos.

A biblioteca foi fundada por Constâncio II, entre os anos 337 e 361 d.C., que estabeleceu um scriptorium, de modo que as obras sobreviventes da literatura grega pudessem ser copiadas e, assim, conservadas. O imperador Valentino, no ano 372 d.C., empregou quatro calígrafos gregos e três latinos. A maioria dos clássicos gregos, hoje, são conhecidos por meio de cópias bizantinas originárias da biblioteca imperial de Constantinopla. Recuando um pouco, acresce dizer que, na Grécia antiga, a palavra escrita e a maior parte da literatura eram transcritas em papiro. Constatando-se que o papiro era um material que rapidamente se deteriorava, surgiu um movimento que preconizava a transferência do material de leitura para um material alternativo e mais perene.

 

 

«Segundo Plínio, o Velho, o rei Ptolemeu do Egipto, desejoso de conservar como segredo nacional o modo de fabrico do papiro, para favorecer a sua Biblioteca de Alexandria, proibiu a sua exportação, forçando, assim, o seu rival Eumenes, soberano de Pérgamo, a descobrir um novo suporte para os livros da sua biblioteca. Se acreditarmos em Plínio, o edito do rei Ptolemeu conduziu à invenção do pergaminho em Pérgamo, no século II a.C., embora os mais antigos cadernos de pergaminho que conhecemos datem de um século antes. Estes materiais não eram utilizados para fazer um único e exclusivo tipo de livro: havia rolos feitos de pergaminho e códices em papiro; mas eram raros e pouco práticos. Entre o século IV e o surgimento do papel em Itália, oito séculos mais tarde, o pergaminho permaneceu o material preferido para o fabrico de livros em toda a Europa.»

 

(Alberto Manguel, pág. 173)

 

 

Deste modo, Constantino o Grande, por volta do século IV, decretou que se iniciasse a transladação dos textos do papiro para o pergaminho, embora o movimento dissesse respeito especificamente à Sagrada Escritura. O herdeiro de Constantino ao trono, Constantino II, prosseguiu esta tendência. Foi o seu trabalho que culminou na primeira biblioteca imperial de Constantinopla. Estima-se que a biblioteca continha mais de cem mil volumes de textos antigos. O movimento foi liderado por Temístio um estadista retórico, filósofo e pagão grego. Tendo ensinado durante toda a sua vida em Constantinopla, foi admitido no senado e foi Perfeito de Constantinopla, além de comandar um grupo de calígrafos e de bibliotecários. Anastácio foi o primeiro bibliotecário em Constantinopla, no ano de 680 d.C. Também foi relator, no sexto Conselho Geral, tendo enviado cópias dos dados redigidos, por ele mesmo, aos cinco patriarcados.

 

«Certas bibliotecas – é impossível averiguar quantas – embarcaram na paciente tarefa de transcrever os seus fundos para o suporte vencedor [pergaminho], voltando a copiá-los à mão, traço a traço, frase por frase, livro por livro. No século IV, o filósofo e alto funcionário Temístio, deixou escrito que na Biblioteca de Constantinopla trabalhavam para o imperador Constâncio II artesãos capazes de “transferirem o pensamento de um embrulho desgastado para outro novo recentemente confecionado”.»

                                                                         (Irene Vallejo, pág. 332)

 



ESPÓLIO E PRESERVAÇÃO

Os que trabalharam na transferência dos antigos textos de papiro para o pergaminho, dedicaram longo tempo e atenção na tarefa de preservar o que devia ser preservado. Obras mais antigas de Homero e da literatura helenística tiveram prioridade sobra as obras latinas. Dizia-se que a Biblioteca de Constantinopla tinha um pergaminho das obras de Homero com 120 pés de comprimento, escrito em tinta dourada. Também foi dada prioridade a obras mais antigas como obras do período ático; por exemplo: obras de Sófocles e de outros autores – que se voltaram para a gramática –, e cujos textos foram escolhidos, em detrimento de obras menos utilizadas ou menos contemporâneas à época. Devido a esta forma de preservação seletiva, muitas outras obras foram, irremediavelmente, perdidas. Alguns fragmentos dessas obras perdidas foram encontrados em escavações arqueológicas em Herculano, uma antiga cidade romana na região italiana da Campânia, província de Nápoles. No que respeita os textos em papiro que não eram traduzíveis na época, optou-se por preservá-los da deterioração envolvendo-os em pergaminho.


 

QUEDA DE CONSTANTINOPLA

Ao longo dos séculos, vários incêndios na Biblioteca de Constantinopla destruíram grande parte da coleção. A biblioteca foi incendiada no ano de 473. Os mais de 100 mil volumes perderam-se; no entanto, as tentativas para os preservar não foram, de todo, infrutíferas, pois algumas obras foram salvas, e copiadas, e circularam através de outros textos. Como consequência, o conhecimento moderno da literatura grega antiga é significativamente maior, caso não se tivessem envidado estes esforços. Após a queda de Constantinopla, a biblioteca terá sido destruída pelos francos e venezianos da quarta cruzada, no ano de 1204, durante o saque da cidade. É provável que muitos manuscritos tenham sido queimados durante os três incêndios que assolaram a cidade durante as investidas. Embora haja relatos de muitos textos que sobreviveram à queda otomana (durante a devastação provocada pelas cruzadas algumas peças importantes foram levadas para Veneza), nenhuma parte significativa da biblioteca foi recuperada.

 

 

EPÍLOGO

Em 1800 foi dado acesso ao reverendo Joseph Dacre Carlyle, um orientalista inglês muito viajado e professor na Universidade de Cambridge, ao suposto repositório de textos sobreviventes do período pós-otomano. Contudo, não foi localizado qualquer texto da biblioteca imperial; uma notável exceção é o palimpsesto de Arquimedes que, tendo aparecido em 1840, foi traduzido em 1915 e, inexplicavelmente, reencontrado numa coleção particular e vendido em 1998.

Se terá existido uma Biblioteca de Constantinopla, com características semelhante às grandiosas bibliotecas clássicas de Roma e de Alexandria, não é possível afirmar categoricamente, porém, certo é que o Império Bizantino era uma sociedade altamente letrada e cultivada, para os padrões medievais, e as bibliotecas que permaneceram conservadas, de coleções privadas, são disso verdadeiro testemunho, demonstrando um padrão muito elevado.

JMG

 


REFERÊNCIAS E SUGESTÕES DE LEITURA:

(BIBLIOGRAFIA, WEBGRAFIA e ILUSTRAÇÕES)

 

BARBIER, Frédéric (2018). De Alexandria às bibliotecas virtuais. São Paulo: EDUSP.

CAMPO, Koldo Gondra del (2017). La biblioteca imperial de Constantinopla. [em linha]. [Consult. 25.05.2025]. Disponível: https://academiaplay.net/la-biblioteca-imperial-de-constantinopla/

MANGUEL, Alberto (2020). Uma história da leitura. Lisboa: Tinta-da-China.

PHILOPONUS, Anastasius (2019). The libraries in the eastern roman (‘Byzantine’) empire (330 – 1453 AD). [em linha]. [Consult. 25.05.2025]. Disponível: https://novoscriptorium.com/2018/12/21/the-libraries-in-the-byzantine-empire-330-1453-the-imperial-library/

SOTO, Berta Erill (2023). De Alejandría a Pérgamo: 10 de las bibliotecas más importantes del mundo antíguo. [em linha]. [Consult. 25.05.2025]. Disponível: https://historia.nationalgeographic.com.es/a/bibliotecas-mundo-antiguo_20373

THOMPSON, James Westfall (1940). Ancient libraries. Berkeley: University of California Press.

VALLEJO, Irene (2020). O infinito num junco. Lisboa: Bertrand Editora.

KONSTANTINOS, Staikos (2007). The history of the library in western civilization: from Constantine the great to cardinal Bessarion. New Castle, Delaware: Oak Knoll Press and HES & DE GRAAF Publishers. 

WIKIPEDIA (2019). Biblioteca Imperial de Constantinopla. [em linha]. [Consult. 22.05.2025]. Disponível: https://pt.wikipedia.org/wiki/Biblioteca_Imperial_de_Constantinopla

WIKIPEDIA (2013). Bibliotecas que mudaram o mundo: Biblioteca Imperial de Constantinopla, Turquia. [em linha]. [Consult. 24.05.2025]. Disponível: https://bibliotecaprt21.wordpress.com/2013/07/07/ibliotecas-que-mudaram-o-mundo-biblioteca-imperial-de-constantinopla-turquia/

WIKIPEDIA (2025). Cerco de Constantinopla (1204). [em linha]. [Consult. 22.05.2025]. Disponível: https://pt.wikipedia.org/wiki/Cerco_de_Constantinopla_%281204%29 



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