FUNDAÇÃO DA BIBLIOTECA
A Biblioteca Imperial de Constantinopla
localizava-se na antiga capital do Império Bizantino e era a última das grandes
bibliotecas do mundo antigo, tendo sobrevivido muito após a destruição da
Biblioteca de Alexandria e de outras bibliotecas do mundo antigo. A ela se deve
a preservação do conhecimento dos antigos gregos e romanos durante quase mil
anos. Uma série de incêndios acidentais ao longo dos anos e outros danos
causados pela guerra – incluindo os ataques da quarta cruzada, no ano de 1204 –,
impactou o próprio edifício e o que ela guardava. A biblioteca subsistiu em
relativo bom estado até a cidade de Constantinopla ser conquistada pelos
otomanos no ano de 1453. Nesta ocasião, importantes conteúdos foram
irremediavelmente danificados, senão mesmo, destruídos.
A
biblioteca foi fundada por Constâncio II, entre os anos 337 e 361 d.C., que
estabeleceu um scriptorium, de modo
que as obras sobreviventes da literatura grega pudessem ser copiadas e, assim,
conservadas. O imperador Valentino, no ano 372 d.C., empregou quatro calígrafos
gregos e três latinos. A maioria dos clássicos gregos, hoje, são conhecidos por
meio de cópias bizantinas originárias da biblioteca imperial de Constantinopla.
Recuando um pouco, acresce dizer que, na Grécia antiga, a palavra escrita e a
maior parte da literatura eram transcritas em papiro. Constatando-se que o
papiro era um material que rapidamente se deteriorava, surgiu um movimento que
preconizava a transferência do material de leitura para um material alternativo
e mais perene.
«Segundo
Plínio, o Velho, o rei Ptolemeu do Egipto, desejoso de conservar como segredo
nacional o modo de fabrico do papiro, para favorecer a sua Biblioteca de
Alexandria, proibiu a sua exportação, forçando, assim, o
seu rival Eumenes, soberano de Pérgamo, a descobrir um novo suporte para os
livros da sua biblioteca. Se acreditarmos em Plínio, o edito do rei Ptolemeu
conduziu à invenção do pergaminho em Pérgamo, no século II a.C., embora os mais
antigos cadernos de pergaminho que conhecemos datem de um século antes. Estes
materiais não eram utilizados para fazer um único e exclusivo tipo de livro:
havia rolos feitos de pergaminho e códices em papiro; mas eram raros e pouco
práticos. Entre o século IV e o surgimento do papel em Itália, oito séculos
mais tarde, o pergaminho permaneceu o material preferido para o fabrico de
livros em toda a Europa.»
(Alberto Manguel, pág. 173)
Deste
modo, Constantino o Grande, por volta do século IV, decretou que se iniciasse a
transladação dos textos do papiro para o pergaminho, embora o movimento dissesse
respeito especificamente à Sagrada Escritura. O herdeiro de Constantino ao
trono, Constantino II, prosseguiu esta tendência. Foi o seu trabalho que
culminou na primeira biblioteca imperial de Constantinopla. Estima-se que a
biblioteca continha mais de cem mil volumes de textos antigos. O movimento foi
liderado por Temístio um estadista retórico, filósofo e pagão grego. Tendo
ensinado durante toda a sua vida em Constantinopla, foi admitido no senado e
foi Perfeito de Constantinopla, além de comandar um grupo de calígrafos e de
bibliotecários. Anastácio foi o primeiro bibliotecário em Constantinopla, no
ano de 680 d.C. Também foi relator, no sexto Conselho Geral, tendo enviado
cópias dos dados redigidos, por ele mesmo, aos cinco patriarcados.
«Certas bibliotecas – é impossível
averiguar quantas – embarcaram na paciente tarefa de transcrever os seus fundos
para o suporte vencedor [pergaminho], voltando a copiá-los à mão, traço a
traço, frase por frase, livro por livro. No século IV, o filósofo e alto
funcionário Temístio, deixou escrito que na Biblioteca de Constantinopla
trabalhavam para o imperador Constâncio II artesãos capazes de “transferirem o
pensamento de um embrulho desgastado para outro novo recentemente
confecionado”.»
(Irene
Vallejo, pág. 332)
ESPÓLIO
E PRESERVAÇÃO
Os que trabalharam na transferência
dos antigos textos de papiro para o pergaminho, dedicaram longo tempo e atenção
na tarefa de preservar o que devia ser preservado. Obras mais antigas de Homero
e da literatura helenística tiveram prioridade sobra as obras latinas. Dizia-se
que a Biblioteca de Constantinopla tinha um pergaminho das obras de Homero com
120 pés de comprimento, escrito em tinta dourada. Também foi dada prioridade a
obras mais antigas como obras do período ático; por exemplo: obras de Sófocles
e de outros autores – que se voltaram para a gramática –, e cujos textos foram
escolhidos, em detrimento de obras menos utilizadas ou menos contemporâneas à
época. Devido a esta forma de preservação seletiva, muitas outras obras foram,
irremediavelmente, perdidas. Alguns fragmentos dessas obras perdidas foram
encontrados em escavações arqueológicas em Herculano, uma antiga cidade romana
na região italiana da Campânia, província de Nápoles. No que respeita os textos
em papiro que não eram traduzíveis na época, optou-se por preservá-los da
deterioração envolvendo-os em pergaminho.
QUEDA
DE CONSTANTINOPLA
Ao
longo dos séculos, vários incêndios na Biblioteca de Constantinopla destruíram grande
parte da coleção. A biblioteca foi incendiada no ano de 473. Os mais de 100 mil
volumes perderam-se; no entanto, as tentativas para os preservar não foram, de
todo, infrutíferas, pois algumas obras foram salvas, e copiadas, e circularam através
de outros textos. Como consequência, o conhecimento moderno da literatura grega
antiga é significativamente maior, caso não se tivessem envidado estes
esforços. Após a queda de Constantinopla, a biblioteca terá sido destruída
pelos francos e venezianos da quarta cruzada, no ano de 1204, durante o saque
da cidade. É provável que muitos manuscritos tenham sido queimados durante os
três incêndios que assolaram a cidade durante as investidas. Embora haja
relatos de muitos textos que sobreviveram à queda otomana (durante a devastação
provocada pelas cruzadas algumas peças importantes foram levadas para Veneza),
nenhuma parte significativa da biblioteca foi recuperada.
EPÍLOGO
Em
1800 foi dado acesso ao reverendo Joseph Dacre Carlyle, um orientalista inglês
muito viajado e professor na Universidade de Cambridge, ao suposto repositório
de textos sobreviventes do período pós-otomano. Contudo, não foi localizado
qualquer texto da biblioteca imperial; uma notável exceção é o palimpsesto de
Arquimedes que, tendo aparecido em 1840, foi traduzido em 1915 e,
inexplicavelmente, reencontrado numa coleção particular e vendido em 1998.
Se terá existido uma Biblioteca de
Constantinopla, com características semelhante às grandiosas bibliotecas
clássicas de Roma e de Alexandria, não é possível afirmar categoricamente, porém,
certo é que o Império Bizantino era uma sociedade altamente letrada e
cultivada, para os padrões medievais, e as bibliotecas que permaneceram
conservadas, de coleções privadas, são disso verdadeiro testemunho, demonstrando
um padrão muito elevado.
JMG
REFERÊNCIAS E SUGESTÕES DE LEITURA:
(BIBLIOGRAFIA,
WEBGRAFIA e ILUSTRAÇÕES)
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Alexandria às bibliotecas virtuais. São Paulo: EDUSP.
CAMPO, Koldo Gondra
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(2019). The libraries in the eastern
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KONSTANTINOS,
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