2025/12/22

Educadores Portugueses dos séculos XIX e XX: Fonseca Benevides (1835 – 1911)

 

(Imagem do autor retirada da internet)
 

Francisco da Fonseca Benevides nasceu a 28 de janeiro de 1835 em Lisboa, filho de Inácio António da Fonseca Benevides. Em 1851 concluiu o curso da Escola Politécnica de Lisboa e ingressou na Marinha, onde permaneceu até 1856, e onde completou o curso da Escola Naval, em 1853.

Em 1854 foi designado professor das cadeiras de Física e de Hidrografia, no Instituto Industrial de Lisboa, e também das disciplinas de Mecânica e de Artilharia, na Escola Naval, onde lecionou até 1871.

Participou em várias exposições industriais, como a Exposição Internacional do Porto (1856) e Exposição Universal de Paris (1867). Fonseca Benevides foi diretor do Instituto Industrial e Comercial de Lisboa onde procurou reformar o ensino tecnológico. Assumiu igualmente o cargo de Chefe da Inspeção do Ensino Industrial da Circunscrição Sul.

A sua grande preocupação foi a modernização do ensino industrial e a renovação tecnológica em Portugal, tendo colaborado em vários projetos de reforma, sobretudo no de Emídio Navarro, apresentado em 1891. Neste âmbito fundou o Museu Tecnológico do Instituto Industrial de Lisboa: a sua função seria a recolha de material pedagógico (estampas de máquinas e instrumentos de medida), a criação de centros de divulgação científica e a propaganda industrial. O Museu tinha subjacente o pensamento de que o ensino profissional, encarado como um sistema de distribuição de competências, estava diretamente relacionado com o desenvolvimento industrial da nação.

A sua produção escrita abrangeu várias áreas (a guerra, a física, a música e a história): Curso de Artilharia da Escola Naval: descrição do material de guerra (1858); Curso elementar de Física, contendo algumas noções de mecânica, e aplicações científicas e industriais (1863); O Fogo: obra científica e literária (1866); A Música: memória histórico-descritiva (1866), Noções de Física Moderna com Numerosas Aplicações (1870); Rainhas de Portugal (1878-1879), O Real Teatro de S. Carlos de Lisboa (1894). Para além disso, escreveu vários artigos para revistas e jornais. Foi agraciado com os graus de Cavaleiro da Ordem de Cristo (1862), Cavaleiro da Ordem de Santiago (1866) e Comendador da Ordem de Cristo (1867), tendo ainda sido admitido como Sócio Correspondente da Academia Real das Ciências de Lisboa, em 1866.

 

Fonte principal: Dicionário de educadores portugueses / dir. António Nóvoa. - Porto : ASA, 2003.

 

MJS


2025/12/18

Muitos Anos de Escolas – Volume III – Edifícios para o Ensino Infantil e Primário da Escola Piloto à Área Aberta. Casos Especiais – Capítulo II – O Projeto Regional do Mediterrâneo – Parte II

 

(Desenho da perspetiva geral da Escola-Piloto de Mem Martins)


II – O Projeto Regional do Mediterrâneo

3 - A Escola-Piloto de Mem Martins

 

Concluído em outubro de 1966 e em funcionamento efetivo em 1967/68, o Projeto da Escola-Piloto de Mem Martins baseou-se em quatro princípios fundamentais: a escola é para a criança; a escola deve facilitar a integração da criança na comunidade; a escola deve comunicar uma ideia de modo de viver; e a escola deve assumir-se como um prolongamento da casa.

Participaram neste projeto 180 alunos dos dois sexos, num total de quatro classes. Em cada sala o número máximo de alunos era de 40, com espaços diferenciados para cada um dos sexos. A estrutura, de esquema radial, estava apoiada em 4 salas de aula, a principal unidade do conjunto; um espaço polivalente que servia de refeitório; instalações sanitárias; salas para o pessoal docente e administrativo; cozinha; arrecadação; e zonas ao ar livre (exercício físico, horta pedagógica, recreio, etc.).


(Imagem da planta da Escola-Piloto de Mem Martins)


Do currículo constavam as seguintes disciplinas: aritmética; geometria; história pátria; ciências geográfico-naturais, desenho, trabalhos manuais, moral e religião, educação física e educação feminina.

Quanto ao mobiliário escolar, desenharam-se 2 linhas de mesas e cadeiras, tendo em conta a diferente estatura dos alunos, com componentes em madeira e metal. Obedeciam aos seguintes requisitos: durabilidade e conservação; permitir a postura correta dos alunos; leveza, para um manejamento mais facilitado; e polivalência

 

MJS

 

 

Fonte: BEJA, Filomena, et al. Muitos Anos de Escolas – Volume III – Edifícios para o Ensino Infantil e Primário da Escola Piloto à Área Aberta. Casos Especiais. Lisboa, Secretaria Geral do Ministério da Educação, 1997.


2025/12/15

Peça do mês de dezembro/2025



 


Trabalho escolar

Conjunto de trabalhos escolares, elaborados por alunos do 2.º ano - 1ª Turma, 1959-60 do Curso Geral do Comércio, da Escola Comercial Veiga Beirão, no contexto das práticas pedagógicas de Língua Portuguesa. Trata-se de uma encadernação de vários trabalhos de alunos sobre a temática do Natal. Na 1.º página pode ler-se "À Biblioteca da Escola, Oferecem este pequeno livro, produto do trabalho, do esforço e da boa vontade de todos." Escrito à mão e com desenhos alusivos à época, inclui contos, poemas, tradições europeias e portuguesas.

A peça está inventariada com o número ME/ESDMF/26 e pertence ao espólio museológico da Escola Secundária David Mourão Ferreira, à guarda da SGEC (nesta escola encontram-se espólios da Escola Veiga Beirão e D. Maria I).


MJS


2025/12/11

Muitos Anos de Escolas – Volume III – Edifícios para o Ensino Infantil e Primário da Escola Piloto à Área Aberta. Casos Especiais – Capítulo II – O Projeto Regional do Mediterrâneo – Parte I

 

(Imagem do Sistema Escolar do Projeto do Estatuto da Educação Nacional)


 

II – O Projeto Regional do Mediterrâneo

1 - O Grupo de Trabalho sobre Construções Escolares

2 - Normas para a Construção de edifícios para o Ensino Primário

 

O conceito de desenvolvimento económico, a partir da segunda metade do século XX, foi associado aos níveis de educação. A OCDE assumiu a responsabilidade de prestar assistência a alguns países com dificuldade em estabelecer planos educativos através do Projeto Regional do Mediterrâneo.

Em Portugal a sede do projeto foi o Centro de Estudos de Estatística Económica (Instituto de Alta Cultura), sob a direção do Professor Doutor Alves Martins. Os estudos realizados demonstraram que Portugal continuava pobre e culturalmente atrasado, o que não agradou ao regime e fez com que o Relatório fosse confidencial até 1964. Nesta sequência, o ministro Galvão Telles publicou em 1969 o Estatuto da Educação Nacional, uma lei de bases do ensino.

Em 1964 foi criado o Grupo de Trabalho Sobre as Construções Escolares, presidido pelo Eng. Francisco Mello Ferreira de Aguiar, cujo objetivo era elaborar estudos que seriam orientadores para a construção de escolas primárias e secundárias. Desta forma era necessário estudar normas de espaço e de habitabilidade para as escolas; determinar custos limite; elaborar projetos-piloto; analisar a estrutura administrativa e propor a sua reorganização. A equipa foi acompanhada pelo Arquiteto Guy Oddie.


(Imagem do Quadro Resumo das normas quantitativas para as Escolas Primárias)

Este grupo de trabalho elaborou diversas normas qualitativas e recomendações para os edifícios do ensino primário e elaborou 2 Projetos Piloto, para o ensino primário e para o futuro ciclo preparatório.

 

 MJS

 

Fonte: BEJA, Filomena, et al. Muitos Anos de Escolas – Volume III – Edifícios para o Ensino Infantil e Primário da Escola Piloto à Área Aberta. Casos Especiais. Lisboa, Secretaria Geral do Ministério da Educação, 1997.


2025/12/08

Do Sucesso Escolar ao Desenvolvimento Pessoal ao Longo da Vida

 

O combate ao insucesso escolar, e a promoção do sucesso num número o mais alargado possível de crianças e jovens, constituem um tema da maior relevância para os decisores políticos em educação. Sendo a escolarização um fator essencial de desenvolvimento e de justiça social, o sucesso dos indivíduos e das escolas é unanimemente considerado um importante objetivo a atingir. E o seu malogro, sobretudo quando redundante em abandono escolar, constitui uma legítima fonte de inquietação quer para os estudantes e suas famílias, quer para a sociedade como um todo.

Não admira, portanto, que este tema tenha sido uma forte preocupação de todos executivos dos últimos anos, de que se pode dar como exemplo, entre muitos outros, o Plano + aulas + sucesso, aprovado pela atual equipa governativa pouco depois de entrar em funções.

Porém, para compreender verdadeiramente o momento atual face a este tema, é importante revisitar o modo como ele se foi inscrevendo na agenda política e ganhando importância social e sociológica desde, pelo menos, os anos 60 do século passado.

A discussão em torno da promoção do sucesso e da melhoria das taxas de conclusão escolar começa a fazer-se essencialmente a partir da democratização e massificação do ensino, que se verifica em diversos países da Europa (com ritmos diferentes) a partir dos anos 1950/60. Até então, uma vez que apenas uma pequena parte dos alunos frequentava o ensino secundário, o abandono da escola nessa fase era considerado normal e encarado como um problema do foro individual (Vieira, 2010; Sebastião & Álvares, 2015).


 

A partir dos anos 1960, porém, o abandono escolar começa a ser visto como um fenómeno com raízes e implicações em diversas instâncias. Em Portugal, é essencialmente depois de 1974 que se abre espaço para o reconhecimento da complexidade desta questão e caminho para a progressiva implementação de mudanças, concretizadas, sobretudo, a partir dos anos 1980. Expressão disso, a Lei de Bases da Educação, publicada em 1986, estabelece, como obrigações do Estado, a promoção do sucesso educativo e o apoio a alunos com necessidades.

São então lançados programas de combate ao insucesso e abandono escolares. Até final dos anos 1980, a grande prioridade é a expansão da rede escolar, sendo na década de 1990 que iniciativas mais especificamente dirigidas para o combate ao insucesso se intensificam. É o caso da implementação de vias alternativas para alunos com insucesso escolar reiterado (os “currículos alternativos”); ou do programa TEIP - Territórios Educativos de Intervenção Prioritária.

Estas intervenções, quer ao nível da organização do sistema escolar, quer num sentido compensatório das desigualdades sociais dos alunos, denotam um entendimento do insucesso já não como um problema individual, mas como uma questão de natureza multifatorial, cuja complexidade vinha sendo realçada pela produção académica.

Várias medidas equivalentes surgem em diversos países europeus. A título de exemplo, a França implementa, desde o início dos anos 1980, o programa ZEP - Zones d’Éducation Prioritaire (atualmente REP - Réseaux d’éducation prioritaire) com funções semelhantes ao programa TEIP.

De facto, a implementação, em Portugal, de programas de combate ao insucesso escolar faz-se, em grande medida, por pressão internacional, sobretudo na sequência da adesão à Comunidade Europeia, fomentados também pelos diversos dispositivos de comparação internacional que começam a publicar, com regularidade crescente, relatórios onde se apresentam dados estatísticos com base nos quais se desenham perfis de desenvolvimento das diversas nações.

Para além destes programas, a reintrodução do ensino profissional, que tinha sido abandonado logo depois de 1974, constituiu uma medida de grande impacto a nível estatístico, também ela estimulada pelas orientações internacionais e fortemente indexada ao problema do abandono escolar. A sua criação, em 1989, foi assumidamente uma resposta aos “muitos milhares de alunos que reprovavam consecutivamente no ensino básico e no ensino secundário geral e eram empurrados para o abandono escolar precoce, sem qualquer qualificação profissional, sem perspetivas de uma adequada inserção socioprofissional e com uma autoestima destroçada”. Deste modo, “o ensino secundário profissional nasceu, antes de mais, por um imperativo ético. [...] O ensino secundário português não tinha de ser uma plataforma pública de sofrimento e abandono para perto de 50% das suas futuras gerações” (Azevedo, 2009, p. 16).


 

Efetivamente, em 1992, Portugal apresentava uma das mais elevadas taxas de abandono escolar da União Europeia, situada nos 50%. Por diversas razões, inclusive para a viabilização da afetação de fundos de apoio, Portugal necessita de cumprir critérios europeus e compaginar-se com os restantes países a nível estatístico.

Os programas de ‘educação compensatória’ estão associados à emergência do conceito de equidade, como mais adequado do que o de igualdade para abordar este tema, em resultado da constatação de que a igualdade de acesso é insuficiente para assegurar condições equivalentes de sucesso escolar (Torres & Souza, 2022; Duru-Bellat & Mingat, 2010).

Este movimento para a redução de taxas de insucesso e abandono escolares está em estreita relação com o crescente interesse por este assunto por parte de pensadores do campo da economia, que salientam o papel da educação na riqueza individual e coletiva. A partir dos anos 1990 aumentam os estudos sobre o ‘retorno’ do investimento em educação, tanto ao nível das famílias como dos Estados. A contribuição das qualificações dos cidadãos é amplamente considerada como fator-chave para o desenvolvimento e criação de bem-estar nas sociedades.

Além disso, o abandono escolar é progressivamente visto como um fenómeno responsável pelo empobrecimento coletivo e fonte de despesa pública a diversos níveis: por um lado, as pessoas menos escolarizadas registam maiores dificuldades em obter e manter empregos qualificados, contribuindo assim, em menor escala, para a riqueza coletiva; por outro lado, a literatura vai revelando custos sociais associados aos baixos níveis de qualificação escolar, como por exemplo: “long-term unemployment, poverty, bleak health prospects, sustained dependence on public assistance, single parenthood (in females), political and social apathy, and juvenile crime” (De Witte, 2013, p. 2).

À preocupação social relativamente à qualificação para a empregabilidade não era estranha a acentuada subida, ao longo dos anos 80, das taxas de desemprego, a nível internacional, com especial incidência sobre o desemprego jovem. É todo este contexto que pesa na apresentação de Portugal, em 1992, de uma das maiores taxas de abandono escolar da Europa.

Nesta fase, o próprio conceito de abandono escolar é objeto de aprimoramento conceptual, juntamente com os critérios para a sua medição e comparação entre nações: em 1999, surge o indicador de ‘abandono escolar precoce’ (early school leaving), que foi incluído nos objetivos da Estratégia Europeia para o Emprego (EEE) e considerado domínio-chave prioritário da Agenda de Lisboa, em 2000.

Paralelamente à implementação deste plano de desenvolvimento da União Europeia surge, nos Estados Unidos da América, o “No Child Left Behind Act” (2001), que determinou, como objetivo, subir a média de conclusão do ensino secundário naquele país para os 90% até o ano de 2020 (que se cifrava, então, nos 71%). O surgimento simultâneo destes programas, de ambos os lados do Atlântico, diz da internacionalidade desta preocupação.



A discussão em torno do abandono escolar, no fórum de Lisboa, é muito marcada pelo seu impacto a nível do emprego jovem, enquanto pilar de desenvolvimento económico; e as suas orientações traduzem-se, em Portugal, no Plano Nacional de Emprego de 2001. Nesta linha, é expressivo que, em relatórios como o Study on Access to Education and Training, Basic Skills and Early School Leavers, se discuta “How are early school leavers performing on the labour market?”, considerada uma das questões-chave do estudo (Comissão Europeia, 2005).

Em resposta a estas diretrizes assiste-se a uma generalizada redução das taxas de abandono escolar na União Europeia. Portugal, partindo de uma posição tão deficitária, conseguiu uma importante diminuição, mais acelerada do que a média europeia, com a taxa de abandono escolar a cair 20,3 p.p. entre 1992 e 2012 (DGEEC, 2023).

O aumento do número de alunos no ensino secundário permitiu estabelecer este ciclo de estudos como referência de escolaridade para todos os jovens, pretensão que veio a ser concretizada em 2009 com o estabelecimento da escolaridade obrigatória até aos 18 anos.

Entretanto, com a crise financeira e económica que atinge a Europa, a partir de 2008, e os programas de austeridade que se lhe seguem, abre-se nova etapa de dificuldades no campo educativo. À degradação das condições de vida das famílias acresce a redução do investimento público em educação. Ainda assim, em 2009, é lançado o Programa ‘Mais Sucesso Escolar’, que permitia às escolas candidatarem-se a apoios para aplicação das metodologias “turma mais” e “projeto Fénix”.

São medidas que atuam sobre a organização e os recursos das escolas e privilegiam a intervenção em contextos socioeconómicos mais desfavorecidos, fomentando a articulação entre vários parceiros da comunidade local e apoiando-se em novos profissionais que surgem nas escolas, como animadores socioculturais ou promotores de leitura.

Na viragem para a segunda década do século XXI, assiste-se a alguma inflexão de iniciativas centradas na organização escolar ou nos recursos económicos das famílias, para uma maior responsabilização dos alunos pelo seu sucesso ou insucesso. Por exemplo, no Estatuto do Aluno e Ética Escolar, aprovado em 2012, encontramos um reforço da responsabilidade dos estudantes pelos seus níveis de desempenho académico.

É o reflexo de uma tendência global. A valorização da agência dos sujeitos como principais responsáveis pelos seus desempenhos não é nova; mas assiste-se cada vez mais à sua apropriação pelo discurso mediático e político e à disseminação de uma ideologia meritocrática que trás consigo exigências de accountability individual.

Por outro lado, as recentes transformações no mundo do trabalho concorrem fortemente para reforçar a ideia segundo a qual todos devemos estar preparados para uma permanente adaptação a contextos profissionais incertos e em constante mudança. Neste quadro, cada jovem deve procurar munir-se com um leque diversificado de competências e conhecimentos, escolares e não só, desenhando o seu ‘perfil curricular’ com autonomia e criatividade.

Neste sentido, é impossível pensar sobre as questões que envolvem o sucesso / insucesso no percurso escolar sem considerar as suas amplas implicações sobre o mindset e os comportamentos adotados no subsequente trajeto e desenvolvimento profissional. A predisposição para uma atitude aprendente ao longo de toda a vida é crucial.


Fostering a culture of continuous growth that benefits both the individual and the organisation. In: https://elmosoftware.com.au/resources/blog/employee-learning-and-development-hr-guide

 

Os conceitos e as práticas do campo da Formação têm acompanhado estas transformações. Muito para além da atualização técnica, o alargamento dos conteúdos e dos temas abrangidos pela Formação em contexto laboral vão ao encontro destas necessidades de adaptação e de flexibilidade.

Ao mesmo tempo, é imprescindível assegurar a eficácia dos processos de transferência da Formação para o local de trabalho e para as práticas profissionais, reforçando a íntima relação entre as esferas formativa e laboral.

Por outro lado, a valorização experiencial e biográfica convida a integrar uma reflexividade nas ações formativas que reforce o sentido das experiências profissionais. A própria identidade pessoal se constrói, hoje, a partir do exercício de uma reflexividade permanente e do traçar de caminhos singulares em contextos globalizados de incerteza e de insegurança.

Neste quadro de crescente autonomia (para o bem e para o mal) na construção dos percursos pessoais e profissionais, a ideia de sucesso ultrapassa de largo o universo das materialidades ou da ostentação de sinais exteriores, e só adquire significado no território mais profundo da autorrealização.

E é no percurso escolar que se pode consolidar, em cada indivíduo, a disponibilidade e a motivação para uma vida profissional futura onde a atitude aprendente e o desenvolvimento pessoal marquem presença assídua e natural.


TSC

 

 

Referências bibliográficas

 

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Álvares, M., & Calado, A. (2014). Insucesso e abandono escolar precoce: Os programas de apoio. Em M. de L. Rodrigues (Ed.), 40 anos de políticas de educação em Portugal (Vol. 1, pp. 197–229). Almedina. https://www.researchgate.net/publication/296648198

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Duru-Bellat, M. & Mingat, A. (2010). Measuring excellence and equity in Education: Conceptual and methodological issues. Em P. Van Avermaet, M. Van Houtte, & Van den Branden, Kris (Eds.), Equity and excellence in Education: Towards maximal learning opportunities for all students. Routledge. https://doi.org/10.4324/9780203832332

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United Nations. (2023). The sustainable development goals report 2023: Special edition. https://unstats.un.org/sdgs/report/2023/#


2025/12/04

Educadores Portugueses dos séculos XIX e XX: Leonardo Coimbra (1883 – 1936)

 

(Imagem do autor retirada da internet)


Leonardo José Coimbra nasceu a 30 de dezembro de 1883 na Lixa, em Felgueiras, filho de António Inácio Coimbra, médico e de Bernardina Teixeira Leite Coimbra.

Entre 1893 e 1897 fez os estudos secundários no Colégio de Nossa Senhora do Carmo, em Penafiel. Frequentou várias instituições do ensino superior: a Universidade de Coimbra (1898-1903), a Escola Naval (1903-1905), a Escola Politécnica do Porto (1905-1909) e o Curso Superior de Letras (1909-1910).

Iniciou o seu percurso profissional como docente no Liceu Rodrigues de Freitas, Porto (1910-1911). Em 1911 foi nomeado Reitor do Colégio dos Órfãos, em Braga, cargo que desempenhou por pouco tempo devido a divergências com a direção.

Em 1912 participou no movimento da Renascença Portuguesa e concorreu à Faculdade de Letras de Lisboa com a tese O Criacionismo (Esboço de um sistema filosófico), embora tenha desistido. Entre 1912 e 1913 lecionou no Liceu Eça de Queirós, Póvoa de Varzim. Em 1913 filiou-se no Partido Republicano Português e aderiu à Maçonaria.

Entre 1914 e 1915 regressou ao Liceu Rodrigues de Freitas e em 1915 lecionou no Liceu Gil Vicente em Lisboa.

Em 1919 foi eleito deputado por Penafiel e Ministro da Instrução Pública, tendo procedido a uma reforma do ensino primário, à alteração do currículo de Filosofia na Faculdade de Letras, à reforma da Biblioteca Nacional, do Conservatório Nacional e do Teatro Nacional. Criou a Faculdade de Letras do Porto, da qual foi diretor até 1931 e onde lecionou.

Entre 1923 e 1924 foi novamente Ministro da Instrução Pública, tendo abandonado o cargo devido à polémica gerada pela intenção de reconhecer a liberdade de ensino religioso em escolas particulares.

Entre 1931 e 1936, após a extinção da Faculdade de Letras, regressou ao Liceu Rodrigues de Freitas.

O seu pensamento educativo foi sistematizado na tese de 1926, O Problema da Educação Nacional. Para este pensador era através da educação que o homem se tornava livre, por ser o criador dos seus valores morais. Nas suas palavras: “educar é cultivar as liberdades criadoras da cultura nacional-humana.”

Quanto à organização do sistema de ensino, Leonardo Coimbra defendeu uma intervenção moderada do Estado, deixando abertura à escolha das diferentes doutrinas e promovendo uma educação integral. Para o autor a cultura era democracia e envolvia valores como a igualdade, a liberdade e a fraternidade.

O ensino deveria dividir-se em três estruturas: a assistência infantil, ministrada nos jardins-escola e jardins de infância; a escola primária que deve incluir todos os indivíduos e fornecer um tipo de ensino científico, estético e filosófico, permitindo a progressão para o 2.º ciclo liceal; e o ensino universitário.

 

 MJS

 

Fonte principal: Dicionário de educadores portugueses / dir. António Nóvoa. - Porto : ASA, 2003.

 

2025/12/01

As Bibliotecas e a História - A Biblioteca de Ebla - Tell Mardikh (atual, Síria) - Parte 3

 

Tabuinhas de argila – uma escrita para a posteridade

  

 

«Na Biblioteca de Hatusa – e antes em Nipur, a sul da Mesopotâmia – apareceram tabuinhas que contêm catálogos das coleções. Nelas, como ainda não era costume dar títulos aos livros, cada obra identificava-se pela primeira linha ou por um breve resumo do conteúdo. Para evitar a dispersão dos textos, que eram muito extensos, mencionava-se o número de tabuinhas que os formava. Às vezes havia o nome do autor e outros dados acessórios. A existência desses inventários demonstra que, no século XIII a.C., as bibliotecas começavam a crescer e os leitores já não as podiam englobar com uma simples olhadela para as tabuinhas na estante.»

(Irene Vallejo, pág. 69)

 

A sobrevivência de milhares de tabuinhas providenciou aos especialistas e estudiosos uma variedade de fontes históricas, fruto do acaso arqueológico e da preferência por um certo tipo de ruínas. Os antigos arquivos e bibliotecas que chegaram ao presente estavam abandonados nos locais junto aos edifícios destruídos, como os de Ebla ou de Nuzi.

O escritor, ensaísta, editor e tradutor Alberto Manguel, antigo diretor da Biblioteca Nacional da Argentina, que tem dedicado parte substancial do seu tempo ao estudo da origem e da história da escrita e da leitura, referindo-se, de forma precisa e eloquente, a páginas 235 da já referida obra Uma História da Leitura, à importância da descoberta das tabuinhas de argila mesopotâmicas, diz o seguinte: «É possível que o inventor das primeiras tabuinhas gravadas se tenha apercebido da vantagem daqueles pedaços de barro sobre a memória guardada no cérebro: primeiro, a quantidade de dados que se podiam conservar nas tabuinhas era ilimitada – podiam-se produzir tabuinhas ad infinitum, enquanto a capacidade de memória do cérebro é limitada; segundo, as tabuinhas tornavam inútil a presença do detentor da memória. De repente, um objeto imaterial – um número, uma informação, um pensamento, uma ordem – era acessível sem a presença física do mensageiro; como por magia, podíamos imaginá-lo, anotá-lo e transmiti-lo através do espaço e do tempo. Desde os primeiros vestígios da civilização pré-histórica, a sociedade humana tinha tentado ultrapassar os obstáculos da geografia, o caráter inevitável da morte, a erosão pelo oblívio.»

 


 

Ebla – conquista e destruição

Porém, o esplendor de Ebla acabou quando sua história se cruzou com a ascensão da Assíria e de Babilónia como grandes potências militares e expansionistas. Ebla, a posição geográfica que ocupava e as riquezas que tinha acumulado eram alvo de cobiça. O setor mais desenvolvido da economia eblaíta era o comércio. Ebla surge no único vale que atravessa os montes entre a planura do norte da Síria e a costa mediterrânica, numa excelente posição estratégica para controlar o comércio da madeira para a Mesopotâmia e o dos metais para a Anatólia. Ebla engloba toda a Síria e o alto vale do Eufrates. Praticamente, todas as cidades encontravam-se em posição estratégica de domínio do comércio e economia. Instrumento administrativo e comunicativo avançado é a escrita eblaíta, criada a partir da cuneiforme, elaborada pelos sumérios milénios antes. A rivalidade comercial com outras grandes cidades da região (ex.: Mari e Palmira) era, porém, permanente. No ano de 2550 a.C., o reino de Akkad conquista Mari e destrói Ebla. Um outro povo, os Amurreus, conquistarão a região e permitirão a Ebla voltar à ribalta após a catástrofe. Contudo, todos os edifícios da Ebla dos Amorreus datando de 2500 a.C. foram destruídos por volta de 1600 a.C. pelos hititas descidos da Anatólia.

 

«A escrita cuneiforme sobreviveu efetivamente aos impérios da Suméria, de Acádia e Assíria, conservando a literatura de 15 línguas e cobrindo uma região ocupada atualmente pelo Iraque, pelo Irão ocidental e pela Síria. Não somos hoje capazes de ler as tabuinhas pictográficas como língua, porque desconhecemos o valor fonético dos seus signos; conseguimos apenas ‘reconhecer’ uma cabra, uma ovelha. Mas os linguistas conseguiram reconstituir a pronúncia dos textos sumérios e acadianos mais tardios e podemos, ainda que de modo rudimentar, pronunciar sons gravados há milhares de anos.»

(Alberto Manguel, pág. 239)

 

As pesquisas arqueológicas têm mostrado que Ebla possuía a estrutura de uma cidade monumental, com fortificações maciças rodeadas por grandes baluartes de terra. Segundo um antigo poema, Ebla foi “despedaçada como um vaso de cerâmica”. Em pouco tempo desapareceu da História. Um documento escrito por cruzados que marcharam contra Jerusalém, em 1098, menciona o local em que se situava Ebla, referindo-se a ele como “remoto posto avançado no país, chamado Mardikh”. Ebla havia sido praticamente esquecida. Depois dos hititas, Ebla vai cair no esquecimento e só irá despertar, no século XX, quando descoberta pela equipa do arqueólogo italiano Paolo Matthiae. A descoberta de Ebla pode considerar-se como a mais importante descoberta arqueológica da segunda metade do século XX, não só no que diz respeito à Síria, mas a todo o Médio Oriente moderno.

JMG

 

 

REFERÊNCIAS E SUGESTÕES DE LEITURA:

(BIBLIOGRAFIA, WEBGRAFIA e ILUSTRAÇÕES)

 

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BARBIER, Frédéric (2018). De Alexandria às bibliotecas virtuais. São Paulo: EDUSP.

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