A
Cartilha Moderna, da autoria de
Manuel Antunes Amor, é um dos manuais existentes no espólio da
Biblioteca Histórica desta Secretaria-Geral.
Antunes
Amor foi um dos mais divulgados autores de manuais das primeiras décadas
do século XX. A sua carreira como professor do ensino primário inicia-se
em 1902, numa vila do interior de Portugal, mas cinco anos mais tarde
é-lhe atribuída uma bolsa de estudos no estrangeiro que lhe permite,
durante dois anos, viajar pela Europa visitando escolas primárias
alemãs, austríacas, suíças e francesas. Neste período, toma contacto
com diferentes metodologias de ensino e modelos pedagógicos, recolhendo
uma importante experiência que virá a aplicar em Portugal.
Entretanto,
a sua produção como manualista vai-se desenvolvendo paralelamente à
sua atividade letiva e como bolseiro. Ainda em 1906 publica um Compêndio
de Desenho e, em1910, um Manual de Estenografia Caligráfica; mas
é A Cartilha Moderna que o tornará uma referência nesta
época. O subtítulo da obra “Methodo legographico
analytico-synthetico” dá bem conta das preocupações de cientificidade
do autor. Nesta Cartilha ele pretendia apresentar uma
nova forma de ensinar a leitura e a escrita e, a esse respeito, faz
questão em salientar a importância e novidade deste seu método nos
sucessivos prólogos que antecedem o manual propriamente dito.
Dirigindo-se a ‘uma mãe’, nas primeiras páginas do livro, ele
sugere: “Confronta este método com aquele por onde aprendeste e que ainda
hoje para aí se impinge como oiro de lei, e verás logo a lacuna que ele vem
preencher” (p. 7).
É
muito interessante notar como os três textos introdutórios deste manual são
dirigidos a destinatários diferentes, que representam, de algum modo,
os três tipos de interlocutores possíveis para o diálogo que o autor quer
travar com os leitores. O primeiro texto, sob a forma de uma carta, é
dedicado às “mães”, a quem o autor atribui a função de ensinar os filhos a
ler, revelando bem como, há 100 anos, a alfabetização estava longe de ser
assegurada apenas pela escola; o segundo texto introdutório,
o “Prólogo”, tem por destinatários todos os que se interessem pelos
problemas da Educação das novas gerações, pois apesar de o autor começar
por se dirigir aos “Colegas” (p. 13) pouco depois interpela sucessivamente:
“Pais zelosos”, “Professores”, “Cidadãos portugueses”, “Humanistas” (p.
14) expondo-lhes as suas ideias sobre métodos e princípios educativos; e
finalmente, o terceiro texto introdutório, com o título de “Advertências
Preliminares” dirige-se muito concretamente aos professores primários que
viessem a utilizar este manual na sua prática letiva. Fica, assim, coberto
o leque de toda a comunidade envolvente e interveniente na educação
das crianças.
Contrastando
com os textos introdutórios de caracter epistolar, o corpo do livro, isto é, a
parte dedicada ao ensino da leitura e escrita, tem as características
típicas de um manual: concebido como um guia de trabalho, com textos
direcionados para o ensino, estampas coloridas acompanhadas de orientações
concretas sobre o modo de organizar os grupos de alunos e os tempos
letivos. Organiza-se em duas grandes etapas, a “Preparação” e o
“Desenvolvimento”, que por sua vez se dividem em sucessivas fases,
incluindo uma calendarização das atividades, repartida pelas semanas e
meses do ano.
Na
primeira edição, de 1910, apesar de, na capa e folha de rosto, constar a
indicação “Primeira Parte (Preparação)” terá ocorrido, no decurso do
processo editorial, uma mudança de estratégia, pois a publicação contém de
facto, também, a “Segunda Parte (Desenvolvimento)”. Já em 1914 será
publicada uma reedição da cartilha com uma nova configuração, esta
sim em dois volumes, correspondentes a cada uma destas fases.
Decorrido
um século sobre a conceção desta obra, vale a pena notar, de novo, a referência
de Manuel Antunes Amor ao século XX como o “século das crianças”.
Apesar de ser comum, desde a obra de Philippe Ariès, situar-se em
época anterior o nascimento do conceito de infância, é de facto no
século XX que as crianças, como grupo social e como categoria,
ganham um peso sem precedentes nas estratégias das famílias e dos
Estados. A valorização desta faixa etária, no século que
nos precedeu, revelou-se, não apenas no investimento sobre a
Educação, como no desenvolvimento exponencial de áreas
científicas associadas à infância, de que a Pediatria como especialidade
médica é talvez a mais relevante. Cem anos depois é interessante
revisitar, através de obras como esta, a época em que o assumir das
crianças como grupo etário merecedor de atenção e investimento tinha ainda
o caráter de uma feliz novidade.
Bibliografia
consultada:
MAGALHÃES,
Justino. Da Cadeira ao Banco. Escola e Modernização
(Séculos XVIII-XX). Lisboa: Educa/ Unidade de I&D de
Ciências da Educação, 2010.
MAGALHAES,
Justino: “O Manual Escolar no Quadro da História Cultural: para
uma historiografia do manual escolar em Portugal”. In Sífiso. Revista
de Ciências da Educação. Universidade de Lisboa, 2006.
NÓVOA,
António (dir.).Dicionário de Educadores Portugueses. Porto, ASA, 2003.
NÓVOA,
António. Evidentemente. Histórias da Educação. Porto: ASA, 2005.
PROENÇA, Maria
Cândida (coord.).O Sistema de Ensino em Portugal (Séculos XIX e
XX). Lisboa: Colibri, 1998
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