2011/12/20

Os manuais escolares da Biblioteca Histórica


(Imagem da capa de A Cartilha Moderna)

A Cartilha Moderna, da autoria de Manuel Antunes Amor, é um dos manuais existentes no espólio da Biblioteca Histórica desta Secretaria-Geral.

Antunes Amor foi um dos mais divulgados autores de manuais das primeiras décadas do século XX. A sua carreira como professor do ensino primário inicia-se em 1902, numa vila do interior de Portugal, mas cinco anos mais tarde é-lhe atribuída uma bolsa de estudos no estrangeiro que lhe permite, durante dois anos, viajar pela Europa visitando escolas primárias alemãs, austríacas, suíças e francesas. Neste período, toma contacto com diferentes metodologias de ensino e modelos pedagógicos, recolhendo uma importante experiência que virá a aplicar em Portugal.

Entretanto, a sua produção como manualista vai-se desenvolvendo paralelamente à sua atividade letiva e como bolseiro. Ainda em 1906 publica um Compêndio de Desenho e, em1910, um Manual de Estenografia Caligráfica; mas é A Cartilha Moderna que o tornará uma referência nesta época. O subtítulo da obra “Methodo legographico analytico-synthetico” dá bem conta das preocupações de cientificidade do autor. Nesta Cartilha ele pretendia apresentar uma nova forma de ensinar a leitura e a escrita e, a esse respeito, faz questão em salientar a importância e novidade deste seu método nos sucessivos prólogos que antecedem o manual propriamente dito. Dirigindo-se a ‘uma mãe’, nas primeiras páginas do livro, ele sugere: “Confronta este método com aquele por onde aprendeste e que ainda hoje para aí se impinge como oiro de lei, e verás logo a lacuna que ele vem preencher” (p. 7).

É muito interessante notar como os três textos introdutórios deste manual são dirigidos a destinatários diferentes, que representam, de algum modo, os três tipos de interlocutores possíveis para o diálogo que o autor quer travar com os leitores. O primeiro texto, sob a forma de uma carta, é dedicado às “mães”, a quem o autor atribui a função de ensinar os filhos a ler, revelando bem como, há 100 anos, a alfabetização estava longe de ser assegurada apenas pela escola; o segundo texto introdutório, o “Prólogo”, tem por destinatários todos os que se interessem pelos problemas da Educação das novas gerações, pois apesar de o autor começar por se dirigir aos “Colegas” (p. 13) pouco depois interpela sucessivamente: “Pais zelosos”, “Professores”, “Cidadãos portugueses”, “Humanistas” (p. 14) expondo-lhes as suas ideias sobre métodos e princípios educativos; e finalmente, o terceiro texto introdutório, com o título de “Advertências Preliminares” dirige-se muito concretamente aos professores primários que viessem a utilizar este manual na sua prática letiva. Fica, assim, coberto o leque de toda a comunidade envolvente e interveniente na educação das crianças.

Contrastando com os textos introdutórios de caracter epistolar, o corpo do livro, isto é, a parte dedicada ao ensino da leitura e escrita, tem as características típicas de um manual: concebido como um guia de trabalho, com textos direcionados para o ensino, estampas coloridas acompanhadas de orientações concretas sobre o modo de organizar os grupos de alunos e os tempos letivos. Organiza-se em duas grandes etapas, a “Preparação” e o “Desenvolvimento”, que por sua vez se dividem em sucessivas fases, incluindo uma calendarização das atividades, repartida pelas semanas e meses do ano.


(Imagem da Estampa 1 - II - Aprendizagem intuitiva do alfabeto pela apresentação de caracteres maiúsculos de forma impressa, traçados só com linhas retas. Do lado esquerdo estão 5 imagens coloridas que acompanham as vogais do lado direito: I, E, U, O, A)


Na primeira edição, de 1910, apesar de, na capa e folha de rosto, constar a indicação “Primeira Parte (Preparação)” terá ocorrido, no decurso do processo editorial, uma mudança de estratégia, pois a publicação contém de facto, também, a “Segunda Parte (Desenvolvimento)”. Já em 1914 será publicada uma reedição da cartilha com uma nova configuração, esta sim em dois volumes, correspondentes a cada uma destas fases.


(Imagem da Estampa 20, onde surge o desenho de uma família sentada à mesa a tomar chá. Em baixo, na legenda surgem as seguintes letras: "PÂ PÁ. MÂ MÃ. LU LU. LI LI. MI MI. U MÂ FÂ MI LI Â")


Decorrido um século sobre a conceção desta obra, vale a pena notar, de novo, a referência de Manuel Antunes Amor ao século XX como o “século das crianças”. Apesar de ser comum, desde a obra de Philippe Ariès, situar-se em época anterior o nascimento do conceito de infância, é de facto no século XX que as crianças, como grupo social e como categoria, ganham um peso sem precedentes nas estratégias das famílias e dos Estados. A valorização desta faixa etária, no século que nos precedeu, revelou-se, não apenas no investimento sobre a Educação, como no desenvolvimento exponencial de áreas científicas associadas à infância, de que a Pediatria como especialidade médica é talvez a mais relevante. Cem anos depois é interessante revisitar, através de obras como esta, a época em que o assumir das crianças como grupo etário merecedor de atenção e investimento tinha ainda o caráter de uma feliz novidade.

 

Bibliografia consultada:

 

MAGALHÃES, Justino. Da Cadeira ao Banco. Escola e Modernização (Séculos XVIII-XX). Lisboa: Educa/ Unidade de I&D de Ciências da Educação, 2010.

MAGALHAES, Justino: “O Manual Escolar no Quadro da História Cultural: para uma historiografia do manual escolar em Portugal”. In Sífiso. Revista de Ciências da Educação. Universidade de Lisboa, 2006.

NÓVOA, António (dir.).Dicionário de Educadores Portugueses. Porto, ASA, 2003.

NÓVOA, António. Evidentemente. Histórias da Educação. Porto: ASA, 2005.

PROENÇA, Maria Cândida (coord.).O Sistema de Ensino em Portugal (Séculos XIX e XX). Lisboa: Colibri, 1998

 


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