2024/03/21

Colégio de Campolide - Parte II


A história escrita de colégios regidos por instituições religiosas, era, obrigatoriamente, enviada para Roma, onde se exponha resumidamente em que tempo, por que ocasião e de que modo tiveram início (cf. Grainha, 1913, p. 1). No que diz respeito ao Colégio de Campolide, o Padre Rademáker[1] ficou incumbido de escrever a sua história mas, ao que parece, preocupava-se pouco com a exatidão dos fatos. Foram vários os relatores incumbidos de registarem os acontecimentos factuais, dando origem a relatos com noticias fragmentadas. Efetivamente, Rademáker, enquanto presbítero secular, dedicava-se mais ao ensino religioso dos estudantes de vários colégios.


O referido Colégio fomentava a criação de "academias científicas”, indo ao encontro das disposições da Ratio Studiorum [2]. Estas academias, constituídas pelos melhores alunos de diversos anos, ofereciam aulas especiais aos seus membros, onde se discutiam assuntos atuais e de importância. Por vezes, estas academias organizavam sessões solenes e eram apresentadas várias comunicações científicas para todos os alunos do colégio e suas famílias. Privilegiava-se nestas sessões uma abordagem experimental dos assuntos, em detrimento de um estudo meramente teórico. Por exemplo, a primeira sessão científica em Campolide deu-se em 1873 e foram escolhidos 4 alunos para apresentar algumas experiências sobre as propriedades da luz.

 


Para além destes exercícios estritamente académicos, ressalta-se, pois, a formação e conhecimento da doutrina cristã e sacramento da confissão. Para facilitar tais disposições éticas, impunha-se a construção de uma biblioteca de livros variados e bons de cuja leitura os alunos tiravam dividendos:

 

“Não passavam ociosamente o tempo principalmente os domingos e eram levados ao amor da piedade e dos bons costumes por este caminho tão suave. Estabelecendo também vários jogos acomodados à idade das crianças, satisfazendo-lhes o natural desejo de brincar e divertir-se sem perigo de ofender a Deus” (Grainha, 1913, p. 5-6).

 

Para além deste processo doutrinal, entre 1858 e 1910, os Jesuítas portugueses dedicaram-se ao ensino da física, da zoologia e da botânica como forma de incentivar os seus alunos a interessarem-se pelo estudo da epistemologia. As expedições, as academias científicas e a execução de experiências laboratoriais foram uma prioridade para os professores do Colégio Jesuíta. Este investimento no ensino e na investigação científicas foi uma resposta direta às acusações de obscurantismo de que os Jesuítas eram alvo desde os tempos do Conde de Oeiras e permitiu-lhe alcançar uma grande notabilidade científica entre os seus pares, de que são exemplo a fundação da Sociedade Portuguesa de Ciências Naturais e o acolhimento da Revista Brotéria[3] pela comunidade científica portuguesa e internacional.

 


Este colégio teve um grande impacto na cultura portuguesa, a partir de meados do século XIX, particularmente por ter sido a instituição de ensino pré-universitário responsável pela educação dos jovens pertencentes às camadas mais altas da sociedade portuguesa. Para os seus opositores, era, por isso, essencial que se encerrassem os colégios dirigidos pelos Jesuítas e que fossem expulsas as ordens religiosas dos territórios portugueses.

 

Só desta forma é que foi possível, na visão de Manuel Borges Grainha (1826 - 1925), um dos principais adversários da Companhia de Jesus no início do século XX, impedir que os Jesuítas continuassem a exercer a sua influência na educação da nobreza lisboeta. Com a implantação da República Portuguesa o Colégio de Campolide foi encerrado, na sequência do bombardeio por militares e populares, na noite de 4 de outubro, sendo grande parte das suas coleções, manuscritos e instrumentos científicos destruídos.

 

Mais recentemente a Universidade Nova de Lisboa ocupou o espaço, tendo-se estabelecido no local a prestigiada Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa. Em 2017 esta Faculdade mudou de instalações, para Carcavelos, sendo que o Colégio, agora denominado Almada Negreiros, foi ocupado por outras unidades orgânicas da Universidade Nova de Lisboa.

 

P. M. 

 

 

BIBLIOGRAFIA:

 

DIREÇÃO-GERAL DO PATIMÓNIO CULTURAL (2002). Colégio de Maria Santíssima Imaculada de Campolide. Colégio de Campolide. Quartel do Batalhão de Caçadores N.º 5. Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa [em linha]. Sacavém: Sistema de Informação para o Património Arquitectónico [Consult.  7 de fevereiro de 2024]. Disponivel: www. monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=3138.

 

GRAINHA, M. Borges (1913). História do Colégio da Companhia de Jesus: escrita em latim pelos padres do mesmo Colégio onde foi encontrado o manuscrito. Coimbra: Imprensa da Universidade.

 

SANTOS, Maria Alcina (2011). Elites salazaristas transmontanas no estado novo o caso de Artur Águedo de Oliveira (1894-1978) [em linha]. Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra [Consulta 7 de fevereiro de 2024]. Disponível: https://hdl.handle.net/10316/18281.

 

 


[1] Carlos João Rademáker (Lisboa, 1 de agosto de 1828 – Lisboa, 6 de junho de 1885) foi um sacerdote católico português, impulsionador da reintrodução em Portugal da Companhia de Jesus, decorrido quase um século após o seu banimento em 1759 por Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal (não obstante uma efémera presença entre 1829 e 1833 a convite de D. Miguel I). Depois de uma campanha de décadas, com avanços e recuos vários, Rademáker conseguiu a 25 de julho de 1880 a restauração da Província Portuguesa, já então com 120 membros e três Colégios.

[2] O Ratio atque Institutio Studiorum Societatis Iesu (em português: Plano e Organização de Estudos da Companhia de Jesus), normalmente abreviada como Ratio Studiorum, é uma espécie de coletânea, fundamentada em experiências vivenciadas no Colégio Romano, a que foram adicionadas observações pedagógicas de diversos outros colégios, cujo objetivo era instruir rapidamente todo o jesuíta docente sobre a natureza, a extensão e as obrigações do seu cargo. O Ratio surgiu com a necessidade de unificar o procedimento pedagógico dos jesuítas diante da explosão do número de colégios confiados à Companhia de Jesus como base de uma expansão em sua totalidade missionária. Constituiu-se numa sistematização da pedagogia jesuítica contendo 467 regras cobrindo todas as atividades dos agentes diretamente ligados ao ensino e recomendava que o professor nunca se afastasse do estilo filosófico de Aristóteles, e da teologia de Santo Tomás de Aquino.

[3] A Revista Brotéria, foi publicada mensalmente desde 1902 pelos jesuítas portugueses de inspiração cristã. Há 120 anos, três professores de um colégio na Beira Baixa fundaram a Brotéria: Revista de Sciencias Naturaes. Na altura publicavam-se artigos de botânica, zoologia e genética, em muitos dos quais foram classificadas novas espécies de animais e plantas. Pouco tempo depois, passaram também a surgir artigos sobre química, física, medicina, biologia e agricultura. Em 1955, nasceu mais um ramo da Brotéria, que continuou a crescer até hoje — a revista de Cristianismo e Cultura. 120 anos depois, a Brotéria já não é só uma revista. Hoje faz parte do projeto multidisciplinar do centro cultural no Bairro Alto e de uma forma redonda de ver aquilo que nos rodeia: oferecendo uma reflexão escrita serena e rigorosa sobre o mundo e contribuindo para a discussão dos principais temas de hoje na literatura, política, arte, história, filosofia, religião e bioética.

 

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