«Em todos os lugares onde me
instalei, começou a crescer uma biblioteca como que por geração espontânea.
Colecionei livros em Paris, em Londres, em Milão, no calor húmido do Taiti […],
em Toronto e em Calgary. Depois, quando chegava a hora de partir, embalava-os
em caixas e obrigava-os a esperar com a impaciência possível em arrecadações
tumulares, na esperança incerta da ressurreição. E de todas as vezes me
perguntava a mim mesmo como é que aquilo tinha acontecido […]»
Alberto Manguel in Embalando a
Minha Biblioteca
Desde o seu aparecimento que os livros foram considerados
bens raros e preciosos, fontes de informação e conhecimento; por outro lado, denotando
a sua importância, foram igualmente tidos muito cedo como produtos de arte e
bens de valor reconhecido. Contudo, nem sempre foram encarados como algo
colecionável, no sentido em que hoje os estimamos e avaliamos. Esse facto,
poderá dever-se ao seu escasso número e ao pequeno e circunscrito número de
interessados, em tempos mais remotos. Também é preciso desmontar a ideia que
livro antigo não significa de imediato que este seja raro e valioso. Na
verdade, o conceito de livro antigo tem variado ao longo do tempo, bem como de
país para país, não havendo um consenso quanto à sua definição.
Regra número um: no mercado de compra e venda de livros raros
e antigos e de manuscritos autógrafos não há regras escritas e pré-definidas,
muito menos fórmulas que permitam o colecionador ou comprador amador saber que
está a comprar bem, pelo valor mais justo, o item ambicionado. Só a
experiência, a vontade de conhecer, o diálogo constante mantido com livreiros
especialistas e demais aficionados e a busca constante de informação publicada
– por exemplo, ler bibliografia especializada (catálogos de livrarias e de
leilões) e frequentar exposições, leilões e feiras –, permite adicionar uma
mais-valia significativa a este longo processo que se pode caracterizar como de
autoformação.
Comprar uma obra (com valor intrínseco) pressupõe alguns
cuidados e exige mesmo algum critério. E o fator “raridade”, nem sempre é o
principal. Muitas vezes, o mais importante é o conteúdo, o valor literário,
artístico, histórico ou cultural. No entanto, também a raridade, beleza artística
e estética, área temática, proveniência (prestígio de anteriores possuidores) e
estado de conservação, contam. No caso dos livros, primeiras edições, tiragens
especiais, exemplares assinados, anotações (dados científicos, históricos,
literários ou outros), importantes emendas, determinadas marcas de posse,
assinaturas, encadernação, podem ser preponderantes para conferir valor à
edição de um livro. Mesmo que dois livros sejam do mesmo autor, da mesma
edição, basta uma dedicatória do autor para distinguir e valorizar
consideravelmente um exemplar relativamente aos restantes. Já o caso dos
manuscritos encerra uma realidade particular. O que se tem de ter em conta para
aferir do seu potencial valor no mercado é a raridade, a importância histórica
do documento, o alcance e o seu significado. As obras e peças manuscritas, de
um modo geral, remetem-nos para momentos marcantes da História, da
criatividade, da vida quotidiana dos povos e das sociedades, funcionando como
elos de ligação que nos conectam com os autores das páginas escritas.
Documentos científicos e históricos, pela importância histórico-cultural, o seu
significado, o contexto (social, económico, histórico, etc.) e a necessidade
que conduz à sua realização, torna-os à partida exemplares únicos, com características
que lhes conferem um estatuto muito particular sendo, na maior parte dos casos,
preferencialmente procurados por entidades públicas (arquivos nacionais e/ou
municipais), investigadores ou especialistas.
JMG
Referências bibliográficas:
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Lisboa: ed. do autor.
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da escrita ao multimédia. Lisboa: Círculo de Leitores.
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Fundação Calouste Gulbenkian.
MANGUEL, Alberto (2018). Embalando
a Minha Biblioteca. Lisboa: Tinta-da-China.
MARTINS, José Vitorino de Pina (2007). Histórias de Livros para a História do Livro. Lisboa: Fundação
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NELSON, Christine (2019). A
Magia do Manuscrito – coleção Pedro Corrêa do Lago: The Morgan Library &
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PINHEIRO, Ana Virginia (1989). Que é livro raro?: uma metodologia para o estabelecimento de critérios
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RUIZ, Pilar (2004). A bibliofilia, uma paixão… dicionário breve.
Amadora: Ediclube - Edição e Promoção do Livro, Lda.