2022/06/09

BIBLIOMANIA - Colecionando Livros e Manuscritos (Parte 1)

 

«Em todos os lugares onde me instalei, começou a crescer uma biblioteca como que por geração espontânea. Colecionei livros em Paris, em Londres, em Milão, no calor húmido do Taiti […], em Toronto e em Calgary. Depois, quando chegava a hora de partir, embalava-os em caixas e obrigava-os a esperar com a impaciência possível em arrecadações tumulares, na esperança incerta da ressurreição. E de todas as vezes me perguntava a mim mesmo como é que aquilo tinha acontecido […]»

Alberto Manguel in Embalando a Minha Biblioteca

 

 

                                                                         © DSDA

 

Desde o seu aparecimento que os livros foram considerados bens raros e preciosos, fontes de informação e conhecimento; por outro lado, denotando a sua importância, foram igualmente tidos muito cedo como produtos de arte e bens de valor reconhecido. Contudo, nem sempre foram encarados como algo colecionável, no sentido em que hoje os estimamos e avaliamos. Esse facto, poderá dever-se ao seu escasso número e ao pequeno e circunscrito número de interessados, em tempos mais remotos. Também é preciso desmontar a ideia que livro antigo não significa de imediato que este seja raro e valioso. Na verdade, o conceito de livro antigo tem variado ao longo do tempo, bem como de país para país, não havendo um consenso quanto à sua definição.

Regra número um: no mercado de compra e venda de livros raros e antigos e de manuscritos autógrafos não há regras escritas e pré-definidas, muito menos fórmulas que permitam o colecionador ou comprador amador saber que está a comprar bem, pelo valor mais justo, o item ambicionado. Só a experiência, a vontade de conhecer, o diálogo constante mantido com livreiros especialistas e demais aficionados e a busca constante de informação publicada – por exemplo, ler bibliografia especializada (catálogos de livrarias e de leilões) e frequentar exposições, leilões e feiras –, permite adicionar uma mais-valia significativa a este longo processo que se pode caracterizar como de autoformação.

Comprar uma obra (com valor intrínseco) pressupõe alguns cuidados e exige mesmo algum critério. E o fator “raridade”, nem sempre é o principal. Muitas vezes, o mais importante é o conteúdo, o valor literário, artístico, histórico ou cultural. No entanto, também a raridade, beleza artística e estética, área temática, proveniência (prestígio de anteriores possuidores) e estado de conservação, contam. No caso dos livros, primeiras edições, tiragens especiais, exemplares assinados, anotações (dados científicos, históricos, literários ou outros), importantes emendas, determinadas marcas de posse, assinaturas, encadernação, podem ser preponderantes para conferir valor à edição de um livro. Mesmo que dois livros sejam do mesmo autor, da mesma edição, basta uma dedicatória do autor para distinguir e valorizar consideravelmente um exemplar relativamente aos restantes. Já o caso dos manuscritos encerra uma realidade particular. O que se tem de ter em conta para aferir do seu potencial valor no mercado é a raridade, a importância histórica do documento, o alcance e o seu significado. As obras e peças manuscritas, de um modo geral, remetem-nos para momentos marcantes da História, da criatividade, da vida quotidiana dos povos e das sociedades, funcionando como elos de ligação que nos conectam com os autores das páginas escritas. Documentos científicos e históricos, pela importância histórico-cultural, o seu significado, o contexto (social, económico, histórico, etc.) e a necessidade que conduz à sua realização, torna-os à partida exemplares únicos, com características que lhes conferem um estatuto muito particular sendo, na maior parte dos casos, preferencialmente procurados por entidades públicas (arquivos nacionais e/ou municipais), investigadores ou especialistas.

JMG

 

Referências bibliográficas:

AZEVEDO, Pedro de (2021). Vida com Livros – Livros com Vida, vol. I. Lisboa: ed. do autor.

FARIA, Maria Isabel e PERICÃO, Maria da Graça (1999). Novo Dicionário do Livro: da escrita ao multimédia. Lisboa: Círculo de Leitores.

FEBVRE, Lucien e MARTIN, Henri-Jean (2000). O Aparecimento do Livro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

MANGUEL, Alberto (2018). Embalando a Minha Biblioteca. Lisboa: Tinta-da-China.

MARTINS, José Vitorino de Pina (2007). Histórias de Livros para a História do Livro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

NELSON, Christine (2019). A Magia do Manuscrito – coleção Pedro Corrêa do Lago: The Morgan Library & Museum. Colónia: Taschen.

PINHEIRO, Ana Virginia (1989). Que é livro raro?: uma metodologia para o estabelecimento de critérios de raridade bibliográfica. Rio de Janeiro: Presença.

RUIZ, Pilar (2004). A bibliofilia, uma paixão… dicionário breve. Amadora: Ediclube - Edição e Promoção do Livro, Lda.


2022/06/06

Mulheres na ciência: Maria Odette Ferreira (1925 - 2018)

 


Maria Odette Santos Ferreira nasceu em Lisboa a 4 de junho de 1925. Foi farmacêutica, professora universitária e investigadora na área da infeção pelo VIH.

Concluiu a licenciatura em Farmácia em 1970 e doutorou-se na Universidade de Paris Sud, França. Nesta época iniciou uma colaboração com o Instituto Pasteur de Paris efetuando um estudo epidemiológico das infeções hospitalares causadas pelo bacilo piociânico. Neste âmbito identificou cerca de 20% de estirpes portuguesas não tipificadas pelo sistema de lisotipia de Lindberg.

Já na década de 80, continuou a sua colaboração com este Instituto, mais concretamente com a Unité d’ Oncologie Virale e com o Prof. Luc Montaigner. Esta parceria levou ao desenvolvimento de técnicas de deteção do HIV. Em virtude destes estudos foi identificado um segundo vírus da SIDA-LAV 2.

Em 1982, juntamente com o Prof. Leon le Minor, estudou 62 estirpes de bactérias isoladas nos hospitais portugueses. Identificou um novo bacteriófago que teria implicações filigenéticas e taxonómicas.

Em 1987 tornou-se Professora Catedrática de Microbiologia na Universidade de Lisboa e dedicou a sua atividade à investigação da infeção pelo VIH/Sida, com particular incidência no VIH tipo 2. O seu trabalho revolucionou o diagnóstico serológico e contribuiu para a expansão da investigação na área dos retrovírus.

Odette Santos foi coordenadora do programa Nacional de Luta contra a SIDA entre 1992 e 2000. O projeto com maior impacto foi o programa de troca de seringas nas farmácias, considerado pela Comissão Europeia o melhor projeto apresentado, quer pela inovação, quer pela extensão a todo o território português. O objetivo era a redução do risco de contaminação do VIH por via endovenosa.

A ela se deve a criação de Centros de Rastreio anónimos e gratuitos, bem como a criação de um centro de apoio a trabalhadoras do sexo em Lisboa. O programa CRIA – Conhecer, Responsabilizar, Informar, Agir foi igualmente criado por Odette Ferreira em 1997, numa tentativa de promover o conhecimento e informação sobre a doença perante a comunidade, melhorando a qualidade de vida dos indivíduos infetados.

Coordenou as Redes Comunitárias de Apoio em vários países da Europa, nomeadamente: Rede AIDS e Mobilidade, Rede Prevenção da SIDA e Hepatites nas prisões, Rede Children and Family, Rede Sida-Empresas, Rede European AIDS data SET, Rede Minorias Étnicas, Rede Europeia SIDA e Mulheres entre outras.

Promoveu serviços de apoio domiciliário em parceria com a Santa Casa da Misericórdia, a construção de uma segunda residência de apoio para doentes com VIH em situação precária e a primeira unidade de cuidados paliativos para doentes com VIH em Lisboa.

O seu trabalho orientou-se igualmente para a criação de Comissões Distritais de Luta contra a Sida e para a reabertura da Linha SIDA.

Recebeu inúmeros prémios e distinções: Chevalier dans l’Ordre des Palmes Academiques (1975); Chevalier de la Légion d’ Honneur (1987); Grau de Comendador da Ordem Militar de Sant’Iago de Espada e Grã-Cruz da Ordem de Instrução Pública (1988); criação do Prémio de Investigação Científica Professora Doutora Maria Odette Santos-Ferreira (2010); Medalha de Honra da Ordem dos Farmacêuticos (1989); Prémio Universidade de Lisboa (2006); Medalha de Ouro da Ordem dos Farmacêuticos (2012); colar do Prémio Nacional de Saúde (2013); Medalha de Mérito do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (2016).


MJS