2025/07/14

Educadores Portugueses dos séculos XIX e XX: João dos Santos (1913 – 1987)

  

(Imagem do autor retirada da internet)


João Augusto dos Santos nasceu a 15 de setembro de 1913 em Lisboa, no seio de uma família de republicanos e defensores da classe operária. Filho de Augusto Santos, alfaiate e de Justina de Jesus Santos, frequentou a escola primária a partir de 1919, enfrentando um problema de dislexia que o marginalizou. O seu pai proporcionou-lhe uma vida ao ar livre e o contato com pessoas de várias profissões.

A partir de 1924 passou para o Liceu Gil Vicente e em 1929 ingressou na Escola Superior de Educação Física que concluiu em 1936. Durante este período interessou-se por obras de pedologia, pedagogia e psicologia. Lecionou no ensino particular e deu aulas gratuitas de ginástica às crianças dos bairros carenciados de Alfama e Barcarena.

Em 1931 frequentou o curso de Medicina, em Coimbra, que abandonou ao final de um ano. Conheceu Viana de Lemos que se tornou se amigo e que João dos Santos considerou sempre um modelo de pedagogo.

Em 1934 retomou Medicina em Lisboa, tendo concluído o curso em 1939. Em 1940 seguiu a especialização em Psiquiatria Infantil sob a orientação de Vítor Fontes, no Instituto Aurélio da Costa Ferreira. Em 1941, especializou-se em Psiquiatria Geral, orientado por Barahona Fernandes nos Hospitais Miguel Bombarda e Júlio de Matos.

Em 1944 procedeu a mudanças estruturais na Secção Infantil do Hospital Júlio de Matos: maior rigor científico, observações psicopatológicas, novas terapias, formação do pessoal hospitalar, educação e formação das crianças.

Em 1945 fez um estágio no serviço de Neurologia do Hospital Escolar, orientado por António Flores. No Instituto Aurélio da Costa Ferreira, João dos Santos rompeu com a médico-pedagogia da instituição, pois não concordava com a “psiquiatrização” das dificuldades de aprendizagem das crianças, que eram rotulados como “débeis mentais”. As dificuldades destas crianças deviam-se, em grande parte dos casos, a problemas familiares e a ambientes sociais desfavoráveis. Como tal, abandonou o Instituto e ainda em 1945 foi transferido para os Serviços de Psiquiatria Geral do Hospital Júlio de Matos.

Em outubro deste ano participou numa reunião do MUD (Movimento de Unidade Democrática) assinando um documento que pedia eleições livres, lutando por ideais de democracia e liberdade. Em consequência, em 1946, foi despedido do seu cargo e proibido de entrar em qualquer hospital de Lisboa. Recorreu ao exílio, em Paris, onde trabalhou como funcionário público.

Os anos em Paris foram profícuos no desenvolvimento intelectual do educador que contatou com vários vultos internacionais da psicologia e psiquiatria, bem como cientistas, artistas e políticos. Em 1947 foi admitido pela Comissão de Ensino da Sociedade Psicanalítica de Paris e em 1948 participou no Congresso Mundial dos Intelectuais para a Paz.

1950 foi o ano de regresso a Portugal, tendo começado a trabalhar na clínica de Barahona Fernandes. Durante este período lutou por uma ação concertada entre a educação e a saúde e tornou-se participante de um grupo da Seara Nova, estudando a reforma do ensino. Promoveu inúmeras palestras na área da Psiquiatria infantil e incentivou a criação de equipas nos Serviços de Saúde Mental que interagissem com os pacientes e a respetiva família.

Entre 1951-52 fundou os primeiros centros psicopedagógicos em Portugal a funcionar n’ A Voz do Operário e no Colégio Moderno. Em 1952, em colaboração com a enfermeira Rosélia Campos, criou a Secção de Higiene Mental no Centro de Assistência Materno-Infantil de Campo de Ourique que se especializou na prevenção de distúrbios infantis através da ajuda à grávida, uma iniciativa verdadeiramente inovadora em todo o mundo.

Em 1954 participou na fundação do Colégio Eduardo Claparède e criou um Seminário Psicopedagógico promovendo o diálogo entre professores e técnicos e, posteriormente, entre pais, alunos, professores e técnicos.

Em 1955 criou o Centro de Recuperação Visual e Classes de Amblíopes (mais tarde Centro Infantil Hellen Keller) na Liga da Profilaxia da Cegueira em conjunto com Henrique Moutinho e Maria Amália Borges. Voltou a ser admitido no Hospital Júlio de Matos, dirigindo a Secção Infantil.

Juntamente com outros profissionais fundou, em 1956, a Liga Portuguesa dos Deficientes Motores; em 1958, a Associação Portuguesa de Surdos e a Secção de Paralisia Cerebral da Liga Portuguesa de Deficientes Motores; em 1959, o Dispensário e Centro de Reabilitação para Cegos da Fundação Sain; em 1964, a Secção de Saúde Mental no Centro Materno-Infantil José Domingos Barreiros; em 1965, o Centro de Saúde Mental Infantil de Lisboa; em 1971, a Liga Portuguesa contra a Epilepsia; em 1973, a Sociedade Portuguesa de Psicanálise.

Após o 25 de abril de 1974 integrou uma Comissão para regulamentar a política de proteção à saúde materno-infantil, tendo projetado a criação do Instituto da Criança. Em 1975 foi responsável pelo projeto A Casa da Praia que fornecia apoio pedagógico às crianças da área em que se inseria.

Com a criação da nova Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa em 1977, passou a lecionar aqui, coordenando o Curso de Psicopatologia Dinâmica até 1982. Até falecer participou em rúbricas na rádio e publicou vários artigos.

 


Fonte principal: Dicionário de educadores portugueses / dir. António Nóvoa. - Porto : ASA, 2003.


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