A história escrita de colégios regidos por
instituições religiosas, era, obrigatoriamente, enviada para Roma, onde se
exponha resumidamente em que tempo, por que ocasião e de que modo tiveram início
(cf. Grainha, 1913, p. 1). No que diz respeito ao Colégio de Campolide, o Padre
Rademáker[1] ficou
incumbido de escrever a sua história mas, ao que parece, preocupava-se pouco
com a exatidão dos fatos. Foram vários os relatores incumbidos de registarem os
acontecimentos factuais, dando origem a relatos com noticias fragmentadas.
Efetivamente, Rademáker, enquanto presbítero secular, dedicava-se mais ao
ensino religioso dos estudantes de vários colégios.
O referido Colégio
fomentava a criação de "academias científicas”, indo ao encontro das
disposições da Ratio Studiorum [2]. Estas academias, constituídas pelos melhores alunos de
diversos anos, ofereciam aulas especiais aos seus membros, onde se discutiam
assuntos atuais e de importância. Por vezes, estas academias organizavam
sessões solenes e eram apresentadas várias comunicações científicas para todos
os alunos do colégio e suas famílias. Privilegiava-se nestas sessões uma
abordagem experimental dos assuntos, em detrimento de um estudo meramente
teórico. Por exemplo, a primeira sessão científica em Campolide deu-se em 1873
e foram escolhidos 4 alunos para apresentar algumas experiências sobre as
propriedades da luz.
Para além destes exercícios estritamente
académicos, ressalta-se, pois, a formação e conhecimento da doutrina cristã e
sacramento da confissão. Para facilitar tais disposições éticas, impunha-se a construção de uma biblioteca de livros variados e
bons de cuja leitura os alunos tiravam dividendos:
“Não passavam ociosamente o tempo
principalmente os domingos e eram levados ao amor da piedade e dos bons costumes
por este caminho tão suave. Estabelecendo também vários jogos acomodados à
idade das crianças, satisfazendo-lhes o natural desejo de brincar e divertir-se
sem perigo de ofender a Deus” (Grainha, 1913, p. 5-6).
Para além deste processo doutrinal, entre 1858 e 1910, os Jesuítas
portugueses dedicaram-se ao ensino da física, da zoologia e da botânica como
forma de incentivar os seus alunos a interessarem-se pelo estudo da
epistemologia. As expedições, as academias científicas e a execução de
experiências laboratoriais foram uma prioridade para os professores do Colégio
Jesuíta. Este investimento no ensino e na investigação científicas foi uma
resposta direta às acusações de obscurantismo de que os Jesuítas eram alvo
desde os tempos do Conde de Oeiras e permitiu-lhe alcançar uma grande
notabilidade científica entre os seus pares, de que são exemplo a fundação da
Sociedade Portuguesa de Ciências Naturais e o acolhimento da Revista Brotéria[3] pela comunidade científica
portuguesa e internacional.
Este colégio teve um grande impacto na cultura portuguesa, a partir de meados do século XIX, particularmente por ter sido a instituição de ensino pré-universitário responsável pela educação dos jovens pertencentes às camadas mais altas da sociedade portuguesa. Para os seus opositores, era, por isso, essencial que se encerrassem os colégios dirigidos pelos Jesuítas e que fossem expulsas as ordens religiosas dos territórios portugueses.
Só desta forma é que foi possível, na visão de Manuel Borges
Grainha (1826 - 1925), um dos principais adversários da Companhia de Jesus no
início do século XX, impedir que os Jesuítas continuassem a exercer a sua
influência na educação da nobreza lisboeta. Com a implantação da República
Portuguesa o Colégio de Campolide foi encerrado, na sequência do bombardeio por
militares e populares, na noite de 4 de outubro, sendo grande parte das suas
coleções, manuscritos e instrumentos científicos destruídos.
Mais
recentemente a Universidade Nova de Lisboa ocupou o espaço, tendo-se estabelecido
no local a prestigiada Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa. Em
2017 esta Faculdade mudou de instalações, para Carcavelos, sendo que o Colégio,
agora denominado Almada Negreiros, foi ocupado por outras unidades orgânicas da
Universidade Nova de Lisboa.
P. M.
BIBLIOGRAFIA:
DIREÇÃO-GERAL DO PATIMÓNIO CULTURAL (2002). Colégio de Maria Santíssima Imaculada de Campolide. Colégio de Campolide.
Quartel do Batalhão de Caçadores N.º 5. Faculdade de Economia da Universidade
Nova de Lisboa [em linha]. Sacavém: Sistema de Informação para o Património
Arquitectónico [Consult. 7 de fevereiro
de 2024]. Disponivel: www.
monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=3138.
GRAINHA, M. Borges (1913). História
do Colégio da Companhia de Jesus: escrita em latim pelos padres do mesmo
Colégio onde foi encontrado o manuscrito. Coimbra: Imprensa da Universidade.
SANTOS,
Maria Alcina (2011). Elites salazaristas
transmontanas no estado novo o caso de Artur Águedo de Oliveira (1894-1978) [em
linha]. Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra [Consulta 7 de
fevereiro de 2024]. Disponível: https://hdl.handle.net/10316/18281.
[1] Carlos João Rademáker (Lisboa, 1 de agosto de 1828 – Lisboa, 6 de junho de 1885) foi um sacerdote católico português, impulsionador da reintrodução em Portugal da Companhia de Jesus, decorrido quase um século após o seu banimento em 1759 por Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal (não obstante uma efémera presença entre 1829 e 1833 a convite de D. Miguel I). Depois de uma campanha de décadas, com avanços e recuos vários, Rademáker conseguiu a 25 de julho de 1880 a restauração da Província Portuguesa, já então com 120 membros e três Colégios.
[2]
O
Ratio atque Institutio Studiorum
Societatis Iesu (em português: Plano e Organização de Estudos da
Companhia de Jesus), normalmente abreviada como Ratio Studiorum, é uma espécie de coletânea, fundamentada em
experiências vivenciadas no Colégio Romano, a que foram adicionadas observações
pedagógicas de diversos outros colégios, cujo objetivo era instruir rapidamente
todo o jesuíta docente sobre a natureza, a extensão e as obrigações do seu
cargo. O Ratio surgiu com a necessidade de unificar o procedimento
pedagógico dos jesuítas diante da explosão do número de colégios confiados à
Companhia de Jesus como base de uma expansão em sua totalidade missionária.
Constituiu-se numa sistematização da pedagogia jesuítica contendo 467 regras
cobrindo todas as atividades dos agentes diretamente ligados ao ensino e
recomendava que o professor nunca se afastasse do estilo filosófico de
Aristóteles, e da teologia de Santo Tomás de Aquino.
[3] A Revista Brotéria, foi publicada mensalmente desde 1902 pelos jesuítas portugueses de inspiração cristã. Há 120 anos, três professores de um colégio na Beira Baixa fundaram a Brotéria: Revista de Sciencias Naturaes. Na altura publicavam-se artigos de botânica, zoologia e genética, em muitos dos quais foram classificadas novas espécies de animais e plantas. Pouco tempo depois, passaram também a surgir artigos sobre química, física, medicina, biologia e agricultura. Em 1955, nasceu mais um ramo da Brotéria, que continuou a crescer até hoje — a revista de Cristianismo e Cultura. 120 anos depois, a Brotéria já não é só uma revista. Hoje faz parte do projeto multidisciplinar do centro cultural no Bairro Alto e de uma forma redonda de ver aquilo que nos rodeia: oferecendo uma reflexão escrita serena e rigorosa sobre o mundo e contribuindo para a discussão dos principais temas de hoje na literatura, política, arte, história, filosofia, religião e bioética.