3. A vida no exílio
D.
Manuel deixará Portugal embarcando na praia da Ericeira, primeiro em direção a
Gibraltar e, depois, para Inglaterra, acolhido pela família real desse país, passando
o resto da sua vida em Fulwell Park (Twickenham), não muito longe de Londres, a
partir de 1913, após o seu casamento. Para grande agrado do rei exilado, a
mansão do século XVII que vem a habitar possuía espaço suficiente para acolher
a sua já vasta biblioteca.
Ávido
leitor e bibliófilo, começou a adquirir raras e belas edições de livros antigos
portugueses, estabelecendo laços importantes e cruciais com casas editoriais e
livreiros especializados (ex.: Maggs Bros. e o Dr. Maurice L. Ettinghausen), do
Reino Unido e do restante continente europeu. Conseguiu, assim, reunir vasta e
diversa bibliografia – numerosos códices importantes, forais manuelinos,
autógrafos régios e cópias manuscritas de crónicas e documentos com grande
relevância para a História de Portugal. Não obstante, a parte mais rica é a que
reúne livros impressos de iminente valor e raridade.
“O Rei revela um minucioso cuidado na procura de espécies para a constituição da sua biblioteca portuguesa, não só através da reunião das mais belas e completas obras, como da promoção ativa da sua conservação.”
(Maria de Jesus Monge in D. Manuel II e os Livros de Camões, p. 21)
D. Manuel lia muito e
estudava aturadamente cada um dos volumes que possuía e adquiria. O seu tempo
era escrupulosamente aproveitado. Levantava-se cedo, almoçava com a mulher, a
rainha Augusta Vitória, tendo, por vezes, a companhia de alguém próximo da
comunidade portuguesa que o acompanhou em Inglaterra. Por vezes, acontecia
receber a visita dos monarcas ingleses, Jorge V e a rainha Mary, o qual se
espantava com a capacidade e rapidez com que a secretária e ajudante de D.
Manuel (Miss Margery Withers), aprendia a falar e a escrever o português. Miss
Withers, bibliotecária e colaboradora próxima do rei, foi uma ajuda
imprescindível na tarefa de classificação e organização da coleção de livros
antigos e na conclusão da magna obra do rei “Livros Antigos Portugueses”, em
três grandes volumes, o último dos quais ela concluiu após a morte prematura e
inesperada daquele.
4. Bibliófilo
e bibliógrafo
“Quizemos mostrar, ou antes, tornar
conhecidos, os nossos livros.”
(Palavras iniciais da Introdução do Catálogo
«Livros Antigos Portugueses […]. Descritos
por S.M. El-Rei D. Manuel II)
Foi
o propósito de escrever uma biografia documentada sobre o seu antepassado, o
rei D. Manuel I, procurando lançar nova luz sobre a figura e o papel deste rei na
expulsão dos judeus de Portugal, que levou a que D. Manuel II reunisse um vasto
conjunto de obras sobre temas ligados à época de ouro que conduziu Portugal à
Índia e a futuras e novas descobertas. Porém, desistiu de levar por diante este
projeto e optou pelo tema dos Descobrimentos. Com o crescimento da sua
biblioteca pessoal, o rei acaba por dedicar-se à descrição dos livros antigos
da sua biblioteca.
“A qualidade e a erudição do trabalho de D. Manuel II coloca-o
nos primeiros lugares da nossa história do livro, só comparável a Barbosa Machado
ou a António Joaquim Anselmo.”
(www.fcbraganca.pt)
Não
se limitando a ser um bibliófilo (“aquele que ama os livros”), D. Manuel
iniciou, por volta de 1926/27, um estudo bibliográfico pormenorizado com a
descrição completa de cada um dos seus livros, reunindo considerações
históricas, literárias, bibliográficas e biográficas sobre cada exemplar. Desta
entrega, resultou a publicação do valioso trabalho: «Livros antigos portugueses
1498-1600 da Biblioteca de Sua Majestade Fidelíssima descritos por S.M. El-Rei
D. Manuel em três volumes: I 1489-1539; II 1540-1569; III 1570-1600 e
Suplemento 1500-1597. Impresso na Imprensa da Universidade de Cambridge e
publicados por Maggs Bros. Londres. 1929 - 1932 - 1935, respetivamente, em edição
bilingue português e inglês (a obra encontra-se, hoje, digitalizada e passível
de consulta no sítio da Fundação da Casa de Bragança).
“Em 1926, já o real objetivo havia sido redirecionado. O real
pesquisador tornou-se um investigador, renunciando à ideia da biografia para se
concentrar na enumeração, definição e explicação dos clássicos e livros raros e
antigos da sua biblioteca. Não era já um rol elementar dos livros de um
colecionador, mas uma obra erudita, pois o autor tratou de escrever e descrever
as pretéritas glórias de Portugal dos antigos reis, narrando cada volume não só
bibliograficamente, mas documentando-o com um ensaio sobre cada autor e sobre
cada tema do livro, inscrevendo-o no seu âmbito histórico. A explicação e
interpretação de cada obra pelo Rei era estribada com fontes, provas e
documentos conferindo-lhe rigor e carácter científico.”
(Miguel Villas-Boas in D. Manuel II, O Bibliógrafo)
(continua)
JMG
Sem comentários:
Enviar um comentário