2014/04/22

Instituto Médico-Pedagógico da Casa Pia de Lisboa


 Instituto Médico-Pedagógico da Casa Pia de Lisboa

“E perder um defeito, ou uma deficiência, ou uma negação, sempre é perder.”

(Fernando Pessoa)



Segundo Pires e Condado (2012:103), em Portugal, nunca foi feita uma verdadeira história de educação especial, não obstante, poderemos determinar marcos importantes de tal modalidade de educação:

¾     Em 1871 foi criada a primeira Casa de Detenção e Correção para menores delinquentes do sexo masculino até aos 18 anos e para menores de 21 anos considerados desobedientes e incorrigíveis;

¾     Em 1888, surgiu, em Lisboa, o Asilo-Escola António Feliciano de Castilho e em 1900 foi fundado o Instituto de Cegos Branco Rodrigues, primeiro em Lisboa, e, três anos mais tarde, no Porto;

¾     Em 1890, foi fundado o Instituto de surdos de Benfica, onde, usando a metodologia introduzida por Jacob Rodrigues Pereira, adotando o sistema de ensino ajustado às necessidades de alunos surdos, débeis mentais e com deficiência da fala;

¾     Em 1912 foi instituída a Colónia Agrícola de S. Bernardino, em Peniche, e, em 1915, fundou-se o Instituto Médico-Pedagógico da Casa Pia de Lisboa;

¾     Em 1913, o Pedagogo António Aurélio da Costa Ferreira incentivou a educação de surdos. Em 1914, surgiu o primeiro Instituto Médico-Pedagógico da Casa Pia de Lisboa, de cariz asilar e com preocupações psiquiátricas, que, alguns anos mais tarde, dará origem ao Instituto António Aurélio da Costa Ferreira, cujos objetivos se orientam declaradamente para a formação de pessoal docente para a educação de deficientes.





“António Aurélio da Costa Ferreira, provedor da Santa Casa da Misericórdia, Director da ‘Casa Pia de Lisboa’ durante muitos anos, fundou duas instituições para «anormais», nomeadamente a ‘Colónia Agrícola de S. Bernardino’ (1912) em Peniche e o ‘Instituto Médico-Pedagógico da Casa Pia de Lisboa’ (1915), em Santa Isabel, que mais tarde passou a denominar-se ‘Instituto António Aurélio da Costa Ferreira’ (designado à frente por IAACF), em sua homenagem. È a partir do IAACF que se vai organizar e estruturar a Educação Especial em Portugal” (Mesquita, 2001:33).

Atendendo à investigação histórica de Mesquita (2001:33) apresentada à Universidade de Salamanca e, ainda, aos estudos pedagógicos de Ribeiro (2011:249), estamos aptos a afirmar que no verão de 1912, a Direção da Casa Pia de Lisboa instalou no extinto convento de S. Bernardino, em Atouguia da Baleia, concelho de Peniche, uma Colónia Agrícola para acolher todos aqueles que, devido às suas condições de dependências sociais, constituíssem um estorvo a Belém.

Esta descrição, com rasgos neorrealistas, poderá chocar-nos, ainda assim, não podemos olvidar que, em Portugal, antes de 1912 nada havia sido feito a nível pedagógico para educação de deficientes – a descrição e análise de experiências vividas e analisadas restringiam-se a crianças deficientes que estivessem em idade de começar aprendizagens profissionais.

Havia a necessidade imperiosa de reinstalar os deficientes em locais diferentes da Casa de Belém. Aqui nada aprendiam, seria então necessário proporcionar-lhes uma instrução e educação especiais, racionalizadas a partir das suas necessidades e que potenciassem uma futura inserção na sociedade, desta vez como cidadãos úteis a si e aos outros. Nasceu o Instituto Médico-Pedagógico que, em meados de 1915, já se encontrava a funcionar na Travessa das Terras de Sant’ana, a Santa Isabel, em Lisboa:

“Timidamente, o Instituto Médico-Pedagógico deu-se a conhecer, sem a pompa de outras inaugurações que tiveram direito ao estalejar de foguetes. Viviam-se tempos difíceis. Contudo, a necessidade de encaixar as crianças atardadas em classes de pares, aliada à insistência do Director da Casa Pia, tornou possível a realização deste projecto e, por consequência, a fundação do primeiro instituto médico-pedagógico em Portugal.

O itinerário desta viagem percorre caminhos sinuosos, por vezes, difíceis de palmilhar. Se dos claustros de S. Bernardino ecoaram as vozes dos ‘anormais do género irrequieto’ que habitavam as suas instalações, muito graças aos escritos do professor-regente, do anexo de Santa Isabel murmura o silêncio de quem não partilha com o investigador o quotidiano das classes especiais do Instituto. Torna-se difícil perseguir as passadas de Costa Ferreira na criação deste instituto, até porque o seu critério na selecção dos documentos inseridos nos anuários da Casa Pia, fonte inalienável e de valor incalculável, não se demonstrou tão desvelado comparativamente com os seus restantes projectos. Deste modo, e aceitando com resignação o silêncio das fontes, vagueámos pelas pistas sugeridas e tentámos acompanhar a criação e o funcionamento deste instituto, durante os primeiros anos de existência” (Ribeiro, 2009:198).

Timidamente em tempos difíceis foram encaixadas “crianças atardadas em classes de pares” e, assim, se fundou o primeiro Instituto Médico-Pedagógico em Portugal. Mais: estas crianças, as que os Claustros de S. Bernardino albergavam, a partir de agora, eram “anormais do género inquieto”, ainda assim, este frenesim neorrealista foi controlado pela sageza psicopedagógica de António Aurélio da Costa Ferreira – preenche, assim, lacunas na educação de anormais através de processos intuitivos.

O Decreto-Lei nº 335/85 de 20 de agosto de 1985 reconhece as contribuições da Casa Pia de Lisboa para a cultura portuguesa, desde 1780 até aos nossos dias, mas, acima de tudo, pelos muitos e muitos milhares de cidadãos que nestes dois séculos formou para a vida ¾ sua maior glória ¾ justo é reconhecer nela, como um dia lhe chamou Latino Coelho, a “universidade plebeia”.

Fundada em 3 de Julho de 1780 por Diogo Inácio de Pina Manique, no prosseguimento das notáveis reformas anos antes lançadas pelo Marquês de Pombal, começou por dar resposta a algumas das muitas e legítimas preocupações com a ordem pública e saneamento social, transformando-se, a breve trecho, numa modelar escola para os filhos da população mais desamparada do País.

“Costa Ferreira criou o Instituto Médico-Pedagógico da Casa Pia de Lisboa, que tão relevantes contributos deu à causa da investigação científica no campo da psicopedagogia; instituiu os testes de inteligência de Alfredo Binet; estabeleceu cursos pedagógicos e fomentou o enriquecimento técnico e formativo do pessoal docente da instituição, fazendo dela um dos grandes suportes na reforma da educação levada a efeito pelo Governo da I República; criou o ensino especial para os deficientes físicos e para os alunos menos dotados; criou o salário estímulo para os educandos e empurrou-os para a prática desportiva, de que a Casa Pia seria um grande alfobre e origem da fundação de alguns dos maiores clubes desportivos portugueses.

Aurélio da Costa Ferreira orientou a formação dos alunos da Casa Pia de Lisboa segundo dois grandes parâmetros: educação interna e educação externa” (Decreto-Lei nº 335/85 de 20 de agosto de 1985).


Em Portugal, como anteriormente verificamos, são destacados dois precursores em Pedopsiquiatria. Referimo-nos ao Dr. António Aurélio da Costa Ferreira (1874-1922), licenciado em Medicina e em Filosofia, antropólogo e professor, introdutor do estudo científico das crianças deficientes e do seu ensino, no Instituto Médico-Pedagógico da Casa Pia de Lisboa. Podemos igualmente referenciar o Prof. Vítor Fontes (1895-1974), médico psiquiatra, professor de Anatomia da Faculdade de Medicina de Lisboa, pedagogo, que terá continuado e desenvolvido a obra do primeiro, interessando-se especialmente pelas “anomalias craneanas dos deficientes mentais”.

“Na mesma linha de orientação, mas dotado de envergadura científica muitíssimo superior, situa-se António Aurélio da Costa Ferreira. À sua acção como responsável pelo Instituto Médico-Pedagógico da Casa Pia de Lisboa, que foi notável, deverão adicionar-se os estudos técnicos realizados no âmbito da psicologia experimental e os cursos que ministrou na Escola Normal de Benfica, cujo teor concreto se adivinha através das orientações gerais que preconizava. Como outros pedagogistas do seu tempo, António Aurélio da Costa Ferreira também enfileirou na campanha antijesuítica no sector da educação. […]. Costa Ferreira preconizava, pelo contrário, o desenvolvimento de todas as capacidades do educando, de acordo com as ideias de Kant e de Pestalozzi, de tal sorte que a escola se não limitasse a proporcionar a adaptação do jovem ao meio social mas, pelo contrário, contribuísse para a sua intervenção activa na vida” (Fernandes, 1979:35-38)

Como bem verificou Coordenação Nacional para a Saúde Mental e a Administração Central do Sistema de Saúde (2006:10), o Instituto Médico-Pedagógico transformou-se, em 1936, no Instituto António Aurélio da Costa Ferreira (IAACF).

Como vimos verificando, no início da década de quarenta, a Educação Especial recebeu novo impulso com a reestruturação do Instituto Costa Ferreira como Dispensário de Higiene Mental Infantil (1942) e com a publicação do primeiro número da revista “A Criança Portuguesa” (1942-1963), por Vítor Fontes, que criou também, em 1946, as “classes especiais de anormais”.

P.M.






BIBLIOGRAFIA:


COORDENAÇÃO NACIONAL PARA A SAÚDE MENTAL; ADMINISTRAÇÃO CENTRAL DO SISTEMA DE SAÚDE (2006).  Rede de referenciação hospitalar de psiquiatria da infância
e da adolescência (documento técnico de suporte) [on-line]. 2006.
[Consul. 7 março 2014].


FERREIRA, António Aurélio da Costa (1922). História natural da criança: duas lições [on-line]: Lisboa: Instituto Médico-Pedagógico da Casa Pia de Lisboa.
http://www.sg.min- [Consul. 7 março 2014].


FERREIRA, António Aurélio da Costa (1920). Algumas lições de psicologia e pedologia. [on-line]: Lisboa: Lumen.
[Consul. 7 março 2014].


FERNANDES, Rogério (1979). A pedagogia portuguesa Contemporânea. Lisboa: Of. Gráfica da Liv. Bertrand, 1979. (Biblioteca Breve; 37).


MESQUITA, Maria Helena Ferreira de Pedro (2001).  Educação especial em Portugal no último quarto do século XX [on-line]. Tese de doutoramento [apresentada] à Universidad de Salamanca Facultad de Educación Departamento de Teoría e Historia de la Educación
[Consul. 7 março 2014].


PIRES, Filipa Isabel E. Q. Pinto; CONDADO, Ricardo Jorge B.A. (2012). “Formação inicial de professores de educação física face à inclusão de alunos com necessidades”  [on-line]: Revista Wanceulen EF Digital; Nº 9 (fev. 2012), p. 101-119
[Consul. 7 março 2014].

  
Portugal. Decreto-Lei nº 335/85 de 20 de agosto de 1985. Diário da República; 190/85, 1.ª Série.


RIBEIRO, Cláudia Pinto (2009). Os outros: a Casa Pia de Lisboa como espaço de inclusão da diferença. [Porto: s.n.]. (Tese de doutoramento em história apresentada Universidade do Porto, Faculdade de Letras).


RIBEIRO, Cláudia Pinto (2011). “Por terras de frança: viagem pedagógica de um Professor Casapiano” [on-line]: Cultura, Espaço & Memória; N.º 1 (mar. 2011), p. 249-261
[Consul. 7 março 2014].


SILVA, Maria Odete Emygdio da (2009). “Da exclusão à inclusão: concepções e práticas” [on-line]: Revista Lusófona de Educação; Nº 13 (2009).
[Consul. 7 março 2014].


VERÍSSIMO, Nelson (2004). “António Aurélio da Costa Ferreira: um grande educador madeirense” [on-line]: Passos na Calçada; (Jan. 2004)
[Consul. 7 março 2014].









P.M.

Sem comentários: