No
Palácio Valadares, ao Chiado, está patente ao público uma exposição que evoca o
centenário da criação do Instituto dos Pupilos do Exército. Esta iniciativa
conta com o apoio da Secretaria-Geral, que emprestou, para o efeito, alguns
livros pertencentes à Biblioteca Histórica do Ministério da Educação.
Esta
exposição foi instalada num espaço contíguo àquele em que se encontra a
exposição «EDUCAR: Educação para todos. O Ensino na Primeira República». Esta
proximidade justifica-se pelo facto deste Instituto, criado em Maio de 1911,
ser um expressivo exemplo do investimento dos republicanos na Educação e do seu
empenhamento na criação de instituições escolares que traduzissem, na prática,
o ideário e os valores da República.
Uma das áreas
governativas que mereceu maior preocupação por parte dos republicanos, na sequência
da Revolução de 1910, foi, como é sabido, a Educação. De facto, 1911 foi um ano
muito fértil em trabalho legislativo, tendo sido promulgados vários documentos
legais que reorganizam praticamente todo o sistema de ensino português.
As reformas do Ensino
Superior e do Ensino Primário, dois sectores prioritários do sistema educativo,
são estabelecidas em março desse ano. E pouco depois, no mês de maio, será a
vez das áreas mais técnicas. São então criados o Instituto Superior Técnico e o
Instituto Superior do Comércio (atual ISEG) por decreto de 23 de maio, a que se
segue a reforma de todo o ensino agrícola e da investigação agronómica, consignada
em decreto de 26 de maio.
Por estes dias, entre
estas duas reformas, é criado, a 25 de maio, o «Instituto Profissional dos Pupilos
do Exército». O contexto cronológico desta criação dá bem conta do
enquadramento e dos objetivos com que é fundado este Instituto, que mais tarde
perderá a designação de «Profissional» e fixará definitivamente o seu nome em
«Instituto Militar dos Pupilos do Exército».
De facto, os Pupilos do
Exército nascem como um instrumento modelar para a concretização dos ideais
republicanos. O propósito consignado no decreto fundador de nele se formarem «cidadãos
úteis à pátria» traduz bem a intenção de praticar, nesta escola, um ensino profissionalizante,
de forte pendor prático, orientado para a promoção da autonomia dos alunos,
através da aquisição de competências e conhecimentos em áreas técnicas
estratégicas e de vanguarda.
O fundador dos Pupilos
é o General António Xavier Correia Barreto, um militar com forte intervenção
política, que virá a ser Presidente do Senado entre 1915 e 1918 e entre 1919 e 1926,
além de ser, por duas vezes, candidato à Presidência da República. Mas este
militar e político é também um homem de ciência, especializado na área da
Química. Com um importante currículo ligado à invenção e produção de um tipo
especial de pólvora, que tão importante virá a ser para o conflito Mundial de
1914/18, ele é um dos fundadores, em 1911, da Sociedade portuguesa de Química.
O espírito e a marca do
fundador estão ligados à criação, nos Pupilos, de «Aulas de Indústria» e «Aulas
de Comércio». O Instituto é, desde cedo, apetrechado com instalações
laboratoriais e equipamento técnico que permite um ensino prático nestas áreas.
Mas há também, uma preocupação muito forte em proporcionar aos alunos uma
‘educação integral’, com uma componente cultural e artística muito expressiva
desde os primeiros anos. Muito importante, neste contexto, é a presença, no
Instituto, de professores que virão a constar entre os mais importantes
pedagogos da História da Educação portuguesa. Destaque, acima de tudo, para
Álvaro Viana de Lemos (1881-1972) uma das figuras mais marcantes da Educação
Nova, movimento pedagógico inovador que valorizava a autonomia dos alunos e preconizava
um modelo de ensino assente em ‘métodos ativos’, entendendo a escola como um
local de trabalho e experimentação prática. Outro pedagogo que deixou forte
marca como professor dos Pupilos foi João Soares (1878-1970) que viria, mais
tarde, a fundar o Colégio Moderno, e deixaria diversos materiais didáticos na
área da História e da Geografia, como um monumental Novo Atlas Escolar Português
adotado oficialmente para o ensino, em cuja capa figura como «Professor dos Pupilos
do Exército» ou os Quadros da História de Portugal, com ilustrações de Roque
Gameiro e Alberto de Sousa, recentemente reeditados pela Gradiva.
A orientação patente
desde os primeiros tempos irá manter-se e revelar-se, por vezes com alguns
constrangimentos, ao longo das décadas seguintes. A escolha, em 1936, de D.
João de Castro como Patrono da escola corresponde ao mesmo simbolismo de
assumir por referência uma figura da ciência e do saber, movido pela
curiosidade e espírito de descoberta.
A segunda Guerra
Mundial virá a acentuar a investimento no ensino técnico e tecnológico. O desenvolvimento
industrial do pós-guerra incentiva a formação de quadros especializados, sendo
dada especial atenção às tecnologias de ponta, como é o caso da indústria dos
moldes, em que Portugal virá a ser líder.
A partir dos anos 1960
assiste-se a uma preocupação mais forte com a instrução física. Todo o contexto
de guerra colonial faz redobrar o investimento nas atividades gímnicas e desportivas.
O ideal de «serviço à pátria», que vem desde a fundação do Instituto, orienta muitos
ex-alunos a seguir a carreira das armas e o carácter profissional do ensino
praticado permite a preparação de quadros militares com formação técnica
especializada. Mas esse mesmo ideal fará com que um grupo largo, de várias
dezenas de ex-alunos militares, venha a participar nas conspirações conducentes
à Revolução de 1974: primeiro na revolta de Beja, depois na Intentona das
Caldas e finalmente no 25 de Abril.
Os novos ventos dos
anos 1970 chegam aos Pupilos do Exército por diversas vias. Em 1977 o Instituto
dá um salto qualitativo importante que é abrir-se ao Ensino Superior. Os cursos
então criados, mais uma vez, são fiéis à linha da formação Técnica e
Tecnológica e os seus nomes são disso a melhor expressão: Engenharia de Eletrónica
e Telecomunicações; Engenharia de Energias e Sistemas de Potência; Engenharia de
Máquinas; e Contabilidade e Administração. Esta é uma iniciativa de vanguarda
no âmbito das escolas militares de ensino. A saída dos primeiros bacharéis para
o mercado de trabalho, neste final dos anos 1970, reflete a mesma preocupação
de sempre com uma educação orientada para habilitar os alunos a um desempenho
profissional autónomo, mas agora subindo o nível de qualificações.
Outro aspeto não menos
relevador da abertura a novos tempos é o facto de, no contexto da criação do
Ensino Superior - naturalmente em regime de frequência externa e não de
internato– o Instituto passar a ter uma frequência mista, sendo então admitidas
as primeiras alunas. Ao mesmo tempo, é por esta altura que as primeiras
professoras integram o quadro docente dos Pupilos, até então reservado, como os
alunos, ao universo masculino.
Este processo tem a sua
extensão natural já nos dias de hoje com a decisão de tornar, igualmente, o
Ensino Básico e Secundário, de frequência mista, sendo as primeiras alunas destas
faixas etárias admitidas em 2009. Entretanto, a orientação profissional dos
cursos superiores avançou para áreas relacionadas com ecologia, com novas
energias e sustentabilidade, sendo atualmente oferecidos os cursos de Técnico
de Gestão; Técnico de Manutenção Industrial (vertentes Mecatrónica e Eletromecânica);
Técnico de Gestão do Ambiente; Técnico de Energias Renováveis (vertentes: Sistemas
Solares e Sistemas Eólicos). Estando neste momento aberto à frequência externa,
o Instituto conserva ainda a possibilidade de internato, que vem da sua
fundação. Mais do que uma escola, esta acaba por ser uma Casa para os alunos
que nela vivem, regularmente, entre domingo à noite e sexta-feira à tarde. Por
outro lado, o regime de internato e as instalações que foi necessário erigir para
lhe corresponder, permitem facultar aos alunos uma oferta diversificada para
além do tempo letivo, desde um apoio ao estudo com maior proximidade, até às atividades
extracurriculares, designadamente algumas práticas desportivas pouco frequentes
em estabelecimentos de ensino, como equitação, esgrima ou remo.
A orientação e os objetivos
que nortearam a criação deste Instituto são característicos de uma época sendo,
a esse nível, um caso de estudo interessante. Mas parecem, também, ter sido
suficientemente válidos para lhe garantir continuidade e mérito. O espírito de
coesão e de camaradagem que é apanágio das instituições com regime de
internato, tem vindo, neste caso, a ser articulado com uma permeabilidade ao
ambiente exterior e uma capacidade de adaptação às mudanças, essenciais nas
instituições de ensino dos tempos que vivemos.