2013/08/28

Os Bibliotecários na Primeira República - I


OS BIBLIOTECÁRIOS NA PRIMEIRA REPÚBLICA

- Missão e atribuições –




A Primeira República Portuguesa (1910-26) constituiu uma tentativa persistente de estabelecer e manter uma democracia parlamentar. Ainda assim, muitos entendidos, tal como Wheeler (1978:865), consideram que a República foi prejudicada pela frequente violência pública, pela instabilidade política e, sobretudo, pela falta de continuidade administrativa.

Atendendo às vicissitudes político-sociais de então, o Decreto n.º 3.370, de 15 de setembro de 1917, estabelece que a categoria do primeiro bibliotecário seja inerente ao professor de qualquer das cadeiras do curso superior de biblioteca-arquivo. Assim sendo, o estatuto profissional de bibliotecário é reconhecido e equiparado ao de professor.

“Na verdade, durante o período cronológico correspondente à Primeira República, vamos assistir a um incremento notável das bibliotecas e dos arquivos, que é, por um lado, reflexo de novas orientações político-ideológicas e, por outro, fruto da ação de algumas personalidades como Júlio Dantas, António Ferrão e Raul Proença, que assumem responsabilidades importantes, do ponto de vista político, de gestão e de
coordenação técnica.” (Ribeiro, 2008:22)

Como verificamos, não só o estatuto de bibliotecário ganha folego social mas as bibliotecas também são incrementadas de uma forma notória, fruto de ideologias progressistas da época.

Segundo o Regulamento sobre o provimento e promoção do pessoal das bibliotecas e arquivos nacionais, nomeadamente o Decreto nº 3.076[1], qualquer tipo de regulamentação bibliotecária executa-se em nome do interesse do Estado e, acima de tudo, para assegurar a existência de técnicos devidamente credenciados: “pessoal devidamente habilitado e que tenha prestado provas da sua competência.” O Art. n. 1, do Decreto supra citado, afirma que:

“O quadro da Secretaria Geral das Bibliotecas e Arquivos Nacionais compõe-se de : 1 director, 1 chefe de secção de contabilidade, 1 chefe de secção de expediente, 2 escriturários, 1 contínuo e 1 servente.” (D.G. n. 54,  1917)

Verifica-se, deste modo, que os serviços biblioteconómicos apresentam características multidisciplinares, onde, por conseguinte, a contabilidade (i.e. seleção e aquisições) e o expediente (i.e. catalogação e difusão de informação) são tarefas bem definidas.

Dezasseis anos mais tarde, com a mudança da conjetura política, o cenário cultural muda radicalmente: o Decreto n. 22.116, aprovado a 13 de janeiro de 1933, declara no Art. 1 que a biblioteca tem os seguintes objetivos: “a propaganda da leitura, a vulgarização do conhecimento e a expansão da cultura científica, literária e profissional.”

Como verificamos, a terminologia — propaganda, vulgarização e expansão — alude a roturas política e culturais. Estes conceitos do Estado Novo não são propriamente biblioteconómicos, ainda assim, remete para a forma como a promoção da leitura e disseminação de informação estavam controladas. O próprio vocabulário usado é, per si, testemunho vivo desta repressão.

Insistindo ainda no ideal de bibliotecário da Primeira República - recoletores documentais [2] existe a consciencialização de que muitas coleção biblioteconómicas, provenientes de congregações religiosas até à data da proclamação da República, estavam “dispersas” por todo o país. Atendendo a este presumível problema, o Decreto n. 3.410, de 28 de setembro de 1917, vem impor metodologias e técnicas de organização biblioteconómicas: 

“Convindo, sem demora, organizar, classificar, catalogar e instalar convenientemente estas coleções [provenientes das extintas ordens religiosas], para instrução geral do povo e estudo de eruditos e futuros historiadores, evitando-se assim a perda e dispersão de milhares de documentos importantes, de facto lamentável já ocorrido em 1759, por ocasião da expulsão dos jesuítas, e em 1834, quando foram extintas as ordens religiosas.” (Decreto n. 3.410, 1917)

Tendo em conta a citação supra mencionada verifica-se que, neste contexto específico, o papel dos bibliotecários é essencialmente (i) a seleção documental (organizar e classificar); (ii) o tratamento técnico (catalogar e instalar) e, por último, (iii) a disseminação seletiva (cliente e preservar).



Atendendo ao Decreto n. 3.410 (1917) verificamos que, ao nível biblioteconómico, existiam três grandes áreas, sendo a primeira a seleção. Neste contexto, parte-se da pré-existência documental, sobretudo dos acervos provenientes de organizações religiosas extintas. O desafio biblioteconómico é, neste caso, a organização segundo a proveniência e conteúdo (problema que atualmente persiste devido à grande dispersão de coleções e reintegração de bibliotecas em fundos vários).


A segunda etapa é, por assim dizer, reservada ao tratamento técnico – a catalogação e a instalação (i.e. gestão e organização de coleções) foi uma das preocupações dos bibliotecários desta época. Este elo da cadeia documental foi, como bem sabemos, o corpus de desenvolvimento de coleções.

Ressalta-se, com alguma surpresa, a importância dada à disseminação seletiva da informação, onde o cliente e a sua estrutura cognitiva são equacionados na cadeia documental: “para instrução geral do povo e estudo de eruditos e futuros historiadores, evitando-se assim a perda e dispersão de milhares de documentos importantes […].” As técnicas documentais, sobretudo a gestão de coleções, deverão ter um fim último – a instrução do povo (i.e. seleção seletiva de informação) e a preservação de acervos.

Em suma, o dinamismo que caracterizou o sector bibliotecário, nesta época, foi acima de tudo protagonizado pela Biblioteca Nacional, na fase em que Jaime Cortesão exerceu o cargo de diretor e em que a chefia dos Serviços Técnicos esteve entregue a Raul Proença. Permitiu delinear e, em alguns casos, pôr em prática, projetos de grande envergadura, cuja conceção, do ponto de vista técnico, estava perfeitamente em consonância com os desenvolvimentos internacionais.

A visão republicana para este sector de atividade, enquadrado no amplo campo da instrução pública foi, sem dúvida, muito fecunda em estudos, produção de textos e promulgação de leis com vista à afirmação de uma área considerada estratégica para o regime político em vigor. Contudo, a falta de meios financeiros e humanos obstou a que muitas das ideias e projetos republicanos tivessem uma concretização efetiva (Cf. Ribeiro, 2008:225).




Bibliografia:


BOLETIM OFICIAL DO MINISTÉRIO DE INSTRUÇÃO PÚBLICA (1935). Coimbra: Imprensa da Universidade.

MARQUES, A.H. de Oliveira (1997). História da 1ª República Portuguesa:  as estruturas de base. Lisboa: Estampa.


PORTUGAL. Leis, decretos, etc. – Decreto n.º 3.410 [de 15 de Setembro de 1917]. Diário do Governo. 1ª Série. Lisboa. 168/17, pp. 944-945.


RIBEIRO, Fernanda (2008). “A Inspecção das Bibliotecas e Arquivos e a ideologia do Estado Novo”. in: Estados autoritários e totalitários e suas representações: propaganda, ideologia, historiografia e memória. Coimbra: Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra - CEIS20 [etc.], 2008, p. 223-237.


WHEELER, Douglas L. (1978). “A Primeira República Portuguesa e a história”. In: Análise Social; Vol. XIV (56), (1978), p. 865-872.



P.M.












[1] Diário do Governo, nº 54, 1º serie, de 6 de abril 1917

[2] O bibliotecário da Primeira Republica, segundo entendemos, era um aglomerador de informação. A instabilidade política fez destes profissionais recolectores e guardiães documentais. A difusão de informação não foi o light motif das suas tarefas, ainda, na atualidade, existem bibliotecas que não estão informatizadas e devidamente uniformizadas.


Os Bibliotecários na Primeira República - II









OS BIBLIOTECÁRIOS NA PRIMEIRA REPÚBLICA

- Arquivo das Congregações –







Atendendo à dispersão documental existente com extinção das ordens religiosas e à instabilidade político-social, durante a Primeira República, é criado o Arquivo das Congregações[1], Em 1917, a 28 de Setembro, pelo Decreto n.º 3.410, o referido Arquivo estava subordinado ao Ministério da Instrução Pública, por intermédio da Inspecção das Bibliotecas Eruditas e Arquivos.[2]

A criação do Arquivo das Congregações é justificada pela necessidade urgente da gestão de coleções e preservação do património documental nacional. Este Arquivo surge com uma missão operativa bem determinada e não um mero depósito de documentação acumulada.
Do Arquivo das Congregações religiosas farão parte documentos provenientes das seguintes congregações religiosas:
1.       Jesuítas
2.       Doroteias
3.       Franciscanos
4.       Franciscanas (Trinas, Missionarias de Maria)
5.       Dominicanos
6.       Dominicanas, (1ª e 3ª ordem)
7.       Irmãs de Caridade
8.       Padres do Espírito Santo,
9.       Irmãs de S. José de Cluny
10.   Salesianos
11.   Salésias
12.   Beneditinos
13.   Hospitaleiros de S. João de Deus
14.   Padres Redentoristas
15.   Missionários Filhos do Sagrado Coração de Maria
16.   Ursulinas
17.   Carmelitas
18.   Irmãs do Bom Pastor
19.   Irmãzinhas do Pobres
20.   Irmãs do Sagrado Coração de Maria, (Sacré Coeur)
21.   Congregação de Santa Teresa de Jesus
22.   Oblatas do Menino Jesus
23.   Irmãs da Imaculada Conceição
24.   Congregação de Jesus
25.   Maria
26.   Freiras Servitas


Esta lista exaustiva foi retirada do Boletim Oficial do Ministério de Instrução Pública; Ano 2, nº 20/22 (1917), também mencionado no Diário do Governo, nº 168 de 28 setembro de 1917.

Segundo pensamos, esta listagem poucas ou nenhumas congregações religiosas deixam a salvo. Assim, devido à exaustividade de documentos daí provenientes impunha-se uma gestão de informação eficiente para o Arquivo das Congregações. A solução encontrada, grosso modo, foi a organização segundo as três grandes tipologia das ciências da informação: a museologia, arquivística e biblioteconomia.

No que diz respeito à gestão documental, a classificação formal dos documentos provenientes das ordens religiosas são subdivididos em sete descritores: teologia, mística, história, biografia, pedagogia didática e homeografia:

1.      Obras teológicas (tratados de teologia moral, escritura sacra, etc.);
2.      Obras místicas (livros de devoção, sermonários);
3.      Obras históricas (história de cada congregação, Institutum);
4.      Obras biográficas (vida de fundadores, iniciadores, patriarcas das ordens, congregacionistas, ilustres);
5.      Obras pedagógicas (tratados de pedagogia, etc.);
6.      Obras didáticas (compêndios, livros, de estudo, etc.);
7.      Hemerografia (jornais, revistas publicadas pelas congregações, folhetos de propaganda religiosa e política, etc.).

As sete classes provenientes da classificação usada são, por assim dizer, testemunho de preocupações culturais e espirituais das então extintas congregações – a biblioteca é o testemunho vivo e espiritual de uma época e sociedade, acreditamos.

Neste contexto, assalto republicano aos documentos religiosos, fica-nos bem patente que o perfil dos Seminários de então, ou das Bibliotecas, é de cariz teológico e pedagógico.

Não alheios a esta realidade biblioteconómica, Bernardino Machado, Alexandre Braga e Artur R. de Almeida Ribeiro, prologam no referido Decreto, para fomentar — a criação do arquivo das congregações, destinado a recolher, organizar e inventariar o espólio documental das congregações religiosas existentes em Portugal à data da proclamação da República. Ainda assim, frisa-se que todos os documentos podem ser consultados de forma livre ou mesmo requisitar os documentos existentes no Arquivo, sempre que se julgar conveniente para fins jurídicos ou administrativos.


Bibliografia:



MARQUES, A.H. de Oliveira (1997). História da 1ª República Portuguesa:  as estruturas de base. Lisboa: Estampa.


MINISTÉRIO DA INSTRUÇÃO PÚBLICA (1917). “Biblioteca e arquivos nacionais”. in: Boletim oficial do Ministério de Instrução Pública; A.2, n. 20/22 (1917), pp. [619]-622.


PORTUGAL. Leis, decretos, etc. – Decreto n.º 3.410 [de 15 de Setembro de 1917]. Diário do Governo. 1ª Série. Lisboa. 168/17, pp. 944-945.


RIBEIRO, Fernanda (2008). “A Inspecção das Bibliotecas e Arquivos e a ideologia do Estado Novo”. in: Estados autoritários e totalitários e suas representações: propaganda, ideologia, historiografia e memória. Coimbra: Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra - CEIS20 [etc.], 2008, pp. 223-237.


WHEELER, Douglas L. (1978). “A Primeira República Portuguesa e a história”. In: Análise Social; Vol. 14 (56), (1978), pp. 865-872.


P.M.


[1] Em 1910, por Decreto de 8 de Outubro, foram extintas a Companhia de Jesus e as demais companhias, congregações religiosas, conventos, colégios, associações, missões ou outras casas de religiosos passando os seus bens, móveis e imóveis, para a posse do Estado. Em 1917, a 28 de Setembro, pelo Decreto n.º 3.410, da Secretaria Geral do Ministério da Instrução Pública, foi criado o Arquivo das Congregações nos termos das alíneas 13 e 14 do artigo 6.º do Decreto de 24 de Dezembro de 1901, e do n.º 8 do artigo 27.º do Decreto, com força de Lei, de 18 de Março de 1911, com a preocupação de evitar perda e dispersão de documentos. Ficou subordinado ao Ministério da Instrução Pública através da Inspecção das Bibliotecas Eruditas e Arquivos, tendo por missão recolher, organizar e inventariar a documentação das Congregações religiosas existentes em Portugal à data da proclamação da República. Em 1918, pela lei de 8 de Maio o Arquivo da Congregações foi anexado ao Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
[2] A Inspecção-Geral das Bibliotecas e Arquivos Públicos, incumbida “da direcção e administração, ou da fiscalisação superior, dos archivos e das bibliotecas pertencentes ao estado e às corporações e instituições sujeitas á superintendência do estado ou por elle subsidiadas” foi criada ainda durante a vigência do regime monárquico, pelo Decreto de 29 de Dezembro de 1887. Este diploma regulava, do ponto de vista estatal e político, aquilo a que hoje poderíamos chamar os serviços públicos de informação/documentação e estabelecia as bases de um sistema que se manteve, nos seus fundamentos e nas suas linhas gerais, praticamente inalterado até algum tempo depois do 25 de Abril de 1974, mais concretamente até meados dos anos oitenta, altura em que as bibliotecas e os arquivos deixaram, definitivamente, de estar dependentes do Ministério da Educação para passarem a ser tutelados pela Secretaria de Estado da Cultura.


2013/08/16

Exposição virtual "Estampas de Marques Leitão"

Aceda aqui à exposição virtual sobre as "Estampas de Marques Leitão", autor de uma vasta obra pedagógica no campo do desenho técnico e industrial.

2013/08/14

Peça do mês de agosto

Capacete
Capacete militar que integra o património escolar, proveniente de uma doação. Trata-se de um capacete envolvido com tecido verde com uma aplicação decorativa metálica em forma de águia com as iniciais FR e a inscrição em alemão: KOENIG NIT GOTT FUR ("Com Deus pelo Rei e pela Pátria". No cimo tem um pequeno pináculo cónico, metálico. Revestimento interior a couro. Está inventariado com o número ME/402916/163 e pertence ao espólio museológico da Escola Secundária de Tomaz Pelayo.
A Escola Tomaz Pelayo foi criada a 18 de Junho de 1954 em instalações provisórias. Abriu as suas portas com o funcionamento do ciclo preparatório, tendo já no ano seguinte o curso geral de comércio. Em 1957 iniciou-se a construção das novas instalações na Quinta da Devesa, concluídas em 1959, onde surgiu então a Escola Industrial e Comercial. Em 1963 a escola recebeu o Congresso Internacional de Etnografia e Folclore. A partir de 1975/76 passou a funcionar nestas instalações o ensino secundário unificado e em 1979 a escola passou a ser designada como Escola Secundária n.º 1. Em 1986 adota como patrono Tomaz Pelayo, um dos seus mais ilustres professores.
Bibliografia e informação adicional:

www.estp.edu.pt/



MJS


2013/08/07

Exposição virtual "Máquinas fotográficas e acessórios no Museu Virtual da Educação"



 
Visite aqui a exposição sobre máquinas fotográficas e respetivos acessórios.